sábado, 10 de março de 2012

PRIVILÉGIO ANTIQUADO

ESTADO DE MINAS
8/3/2012

Direito de políticos escaparem da Justiça comum pode estar no fim.

Depois da Lei da Ficha Limpa começam a surgir iniciativas no Congresso Nacional para derrubar mais uma distorção da legislação brasileira: o foro privilegiado. Trata-se de um instituto legal que livra autoridades de serem processadas pela Justiça comum. Ministros, senadores e deputados federais, por exemplo, somente podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria criminal e pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE),quando se tratar de crime nesse âmbito. No estados, o governador é julgado pelos tribunais de Justiça (TJs). Criado com bons propósitos, o foro privilegiado foi logo distorcido, como quase toda vantagem ou privilégio concedido a quem exerce algum poder político no Brasil.
Sua justificativa lembra a do voto secreto nas casas legislativas em matéria que pode resultar em retaliação contra o parlamentar que ouse contrariar a vontade dos poderosos de plantão. O foro privilegiado pretendeu livrar a autoridade ou o político com assento no Congresso Nacional do constrangimento de enfrentar julgamento em primeira instância na comarca de sua base eleitoral. É fácil imaginar o que adversários em campanhas eleitorais são capazes de fazer para desmoralizar o concorrente. Assim, qualquer um pode engendrar uma denúncia de corrupção de menores, estupro, roubo ou tentativa de homicídio, levá-la a um juiz local ou de cidade vizinha. O caso pode levar meses – exatamente os da campanha eleitoral – até ficar provado que o acusado é inocente.
Não demorou, porém, para que espertalhões vissem no foro privilegiado a razão maior para investir pesado numa cadeira de senador ou deputado federal. Com o tempo, os anais da Justiça foram colecionando evidências de que esse instituto acabou se transformando num passaporte para a impunidade, revalidado e reforçado pelas inúmeras possibilidades de recursos postergatórios permitidos pela complexa legislação brasileira e pelo acúmulo de processos na instância mais alta da Justiça. É hora de rever a amplitude que ainda se concede ao foro privilegiado e o que se pretende é reduzir sua validade para a preservação tão somente da atividade parlamentar e suas atitudes e manifestações políticas. Ficariam de fora os crimes contra a administração pública, o peculato, a corrupção e o tráfico de influência, além de todos de natureza criminal.
Serão necessárias 171 assinaturas na Câmara dos Deputados para que esse avanço se concretize em forma de uma proposta de emenda constitucional (PEC). Não será fácil consegui-las. Também é fato que quase ninguém no Congresso acreditava que a Lei da Ficha Limpa teria tramitação tão rápida e tão bem-sucedida, já que as gavetas da Câmara e do Senado têm sido dormitórios de inúmeros projetos bem-intencionados, principalmente os que afetam privilégios e cortam vantagens. É que os tempos são outros. Turbinadas pelas redes sociais da internet – sem patronos e sem partidos –, as demonstrações de cansaço com a corrupção e com os corruptos ganham, atualmente, força e velocidade nunca vistas. A que propõe o fim do foro privilegiado para criminosos comuns, embora eleitos, vem nessa direção.

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