domingo, 19 de agosto de 2007
Quando viveu em Londres, a partir de 1849, Marx passou por sérias dificuldades financeiras. Perdeu dois filhos ainda crianças, Guido e Francisca e, em carta a Engels, que sempre lhe prestava ajuda, em 1852, relatou: “Minha mulher está doente. Minha filha Jenny está doente. Heleninha (Demuth) está com uma espécie de febre nervosa. Não pude nem posso chamar o médico por falta de dinheiro para os remédios. Há oito dias que alimento minha família unicamente com pão e batatas. E não sei se ainda vou poder comprar pão e batatas para hoje.” [1]
Nesta época, Marx escreveu, talvez, a obra mais polêmica da história da literatura: O Capital.
Para escrever O Capital, no entanto, Marx precisava pesquisar na Biblioteca do Museu Britânico. Porém, diante das dificuldades financeiras que enfrentava, Marx viu-se obrigado a penhorar seu casaco de inverno.
Assim, “se seu casaco estivesse na loja de penhores durante o inverno ele não podia ir ao Museu Britânico. Se ele não pudesse ir ao Museu Britânico, ele não podia realizar a pesquisa para O Capital.”[2]
Temos, portanto, um paradoxo: para sobreviver, Marx precisava penhorar o casaco, mas sem o casaco não podia ir à biblioteca, sem ir à biblioteca não podia escrever, sem escrever não podia ganhar dinheiro e, então, para sobreviver precisava penhorar novamente o casaco.
E os Juízes Baianos com isso?
Pois bem, durante a semana do magistrado, em Salvador, soubemos que um Juiz do Rio Grande do Sul tem um gabinete com a seguinte estrutura: um secretário, um assessor e dois estagiários! Acreditem: um secretário, um assessor e dois estagiários!!!
Bom, enquanto isso, aqui na Bahia, o Juiz, se quiser um “ofício” melhor elaborado vai ele mesmo digitar (ou datilografar?), pois a estrutura do Gabinete do Juiz do Poder Judiciário do Estado da Bahia é a seguinte: um Juiz de Direito para atuar em sua Comarca ou Vara, “responder” por outras, “auxiliar” em outras, “substituir” em outras, participar de “mutirões” em outras e, ainda, atuar em Juizados Especiais.
Nosso paradoxo, então, pode ser resumido assim: nós, magistrados, precisamos fazer audiências, despachar e sentenciar em nossas Varas ou Comarcas, mas também temos que fazer tudo isso naquelas que substituímos ou auxiliamos, porém, para andar bem o serviço, precisamos cuidar da nossa Vara ou Comarca e cuidar sozinho do gabinete.....
Isso é pouco. Nosso paradoxo é bem maior.
Sabemos, muitas vezes por ouvir dizer, pois tempo não há para ler ou pesquisar, que existem tantas novidades, tantas teorias novas no Direito que nosso (já) ultrapassado curso de Direito e nossas leis não resolvem mais.
Falam por aí em tantas coisas boas: adimplemento substancial, direitos de personalidade, judicialização da administração, neoconstitucionalismo, pós-modernidade, abuso do direito, enriquecimento sem causa, reserva mental, vulnerabilidade do consumidor, onerosidade excessiva, nova hermenêutica......
São tantos cursos de especialização, tantos congressos, tantos mestrados e doutourados....
Mas, nós, os Juízes da Bahia, precisamos cuidar de nossas Varas ou Comarcas e de tantos outras sob nossa responsabilidade.
E agora, o paradoxo final: todo nosso tempo é para judicar, mas para judicar bem precisamos estudar, para estudar precisamos de tempo, mas nosso tempo todo é para judicar....
Enquanto não resolvemos nosso paradoxo, vez por outra vamos “assistir” palestras de mestres e doutores de lugares onde o Juiz tem o tempo para judicar e o tempo para estudar!.
*Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité – Ba.
[1] Konder, Leandro. Marx Vida e Obra. 7ª ed. São Paulo. Paz e Terra. 1999. p. 76.
[2] Stallybrass, Peter. O Casaco de Marx. Autêntica. 2ª ed. Belo Horizonte. 2004. p. 66
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