domingo, 11 de março de 2012

MUDANÇAS INADIÁVEIS

CORREIO BRAZILIENSE
11/3/2012

É hora de aproveitar a saudável onda de moralização dos quadros da política e da administração pública, inaugurada com a aprovação da Lei Ficha Limpa — surgida e mantida sem o patrocínio do governo ou de partidos, mas de manifestações populares —, e fazer dela combustível para tocar um dos mais importantes e desafiadores processos de modernização da sociedade brasileira: a reforma do Código Penal.
Não é tarefa simples. Trata-se da delicada, mas inevitável tarefa de impor limites ao cidadão, de definir o que não é permitido, o que é crime e qual nível de gravidade a sociedade atribui a essa ou àquela conduta. Criado em 1940, o Código, a despeito de alterações introduzidas ao longo do tempo, já não reflete as exigências de hoje e, por isso mesmo, precisa de urgente e corajosa atualização, sob pena de funcionar como abrigo e não como antídoto à impunidade.
Sugestões vindas do conhecimento jurídico e principalmente da experiência colhida no dia a dia de quantos atuam na segurança pública dão uma boa ideia da diversidade e da importância dos temas que, sem dúvida, merecem a atenção da sociedade. A comissão especial de juristas, que prepara um anteprojeto de mudança do código, a ser entregue ao Congresso em maio, ouviu quinta-feira, na Subcomissão de Segurança Pública do Senado Federal, pelo menos três proposições que, por seu mérito e oportunidade, nem deveriam esperar a votação do novo código para ser aplicadas.
Uma delas vai na direção de acabar com a impunidade dos motoristas que dirigem alcoolizados, matam, ferem ou simplesmente colocam em risco a integridade das pessoas. A proposição inverte a função do bafômetro, que passaria de peça de acusação a instrumento de defesa, bastando que a lei aceite que testemunhas comprovem o estado de embriaguez do acusado.
Tão óbvias e urgentes quanto essa são duas sugestões levadas por autoridades de segurança do Rio de Janeiro, que pretendem tipificar como crime a exploração do jogo do bicho — que hoje é apenas uma contravenção —, e o de formação de milícias — por enquanto, sem tipificação específica.
A primeira vai na contramão da complacência, que, no passado, atribuiu certo charme ao bicheiro e aceitou o jogo clandestino de azar como parte da cultura popular, relevando o papel dessa atividade na lavagem de dinheiro ilegal e no financiamento do tráfico de armas e drogas. A segunda tem a coragem de dar fim à permissividade que costuma patrocinar vistas grossas de autoridades para um dos mais perigosos fenômenos da criminalidade organizada da atualidade nas grandes cidades brasileiras.
É certo que a votação de um novo Código Penal encontrará obstáculos em questões polêmicas, como a da legalização do aborto, em torno das quais a sociedade ainda não amadureceu consenso. Mas nem mesmo essas dificuldades deveriam postergar mudanças que têm a ver com a segurança da maioria da população e que, por isso mesmo, são inadiáveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário