O GLOBO
26/3/2012
A reciprocidade de tratamento é tradicional princípio da liturgia diplomática. Esse pressuposto consagrado nas relações entre as nações - econômicas e migratórias, entre outras - é determinante para estimular o equilíbrio e afastar tensões na convivência entre os países, colaborando para mantê-la em desejável harmonia. É hipocrisia, por exemplo, cobrar de uma parceria obediência a normas de bom trato (ou de acolhimento) se o outro lado da fronteira não é contemplado com o respeito ao protocolo da civilidade. Esse preceito, por óbvio, fica sujeito a restrições quando estão em jogo interesses maiores do Estados, que devem ser resguardados - casos, entre outros, que envolvam ameaças à soberania, à segurança nacional ou ao bem-estar de um povo.
Não é o que se tem observado no tratamento que o governo da Espanha tem imposto a cidadãos do Brasil em visita àquele país. De acordo com dados do Itamaraty, desde 2007 quase dez mil brasileiros foram impedidos, pelos organismos de controle de migração, de entrar legalmente em território espanhol. Somente em 2011 (entre janeiro e agosto) chegou a 1.005 o número de barrados pelas autoridades alfandegárias.
Como nenhum dos dois países exige visto de entrada, as medidas que restringem a entrada de brasileiros no país europeu muitas vezes resvalam para o terreno do inexplicável - e, não poucas vezes, são adotadas com o atropelamento do bom-senso e, pior, da preservação do respeito com que se deve distinguir o próximo. Já se registraram casos de professores brasileiros que foram deportados de aeroporto espanhol quando estavam em trânsito para Lisboa; em 2003, uma pesquisadora da USP ficou três dias detida num sala exígua, com outras trinta pessoas. No fim do mês passado, a aposentada Dionísia Rosa da Silva, de 77 anos, permaneceu retida por três dias no Aeroporto de Barajas, em Madri, antes de ser embarcada de volta ao Brasil.
Em razão destes antecedentes, é correta a decisão do governo brasileiro de dispensar igual tratamento a viajantes espanhóis em visita ao país. Embora a aplicação da legislação migratória pelos organismos da Espanha, no caso de brasileiros retidos por supostos embaraços legais, não poucas vezes tenha tangenciado a adoção de práticas abusivas, não é o caso de defender, na adoção do princípio da reciprocidade em território nacional, a mesma postura de agentes públicos de além-mar.
No caso da louvável medida anunciada por Brasília, a reciprocidade deve obedecer aos limites da legalidade. Significa estabelecer para os cidadãos espanhóis as mesmas exigências que Madri faz a brasileiros para entrar naquele país. Ou seja, passaporte válido por pelo menos seis meses, passagem de volta com data, comprovação de reserva em hotel ou alojamento e dinheiro suficiente para se manter no país pelo período declarado. Caso fique na casa de parente ou amigo, o turista terá de apresentar carta de quem o convidou, informando quantos dias o visitante permanecerá no Brasil.
Os dois países têm sólida relação de intercâmbio migratório. É reconhecida a contribuição que migrantes espanhóis deram - e dão - ao desenvolvimento econômico, cultural e político do Brasil. Não se deve ver na decisão de Brasília de adotar o princípio da reciprocidade mero exercício de retaliação. Trata-se de cumprir o pressuposto da isonomia, pois as alegações feitas pela Espanha para impor barreiras à entrada de brasileiros, em defesa de interesses de Estado, também podem se aplicar à chegada de viajantes daquele país.
26/3/2012
A reciprocidade de tratamento é tradicional princípio da liturgia diplomática. Esse pressuposto consagrado nas relações entre as nações - econômicas e migratórias, entre outras - é determinante para estimular o equilíbrio e afastar tensões na convivência entre os países, colaborando para mantê-la em desejável harmonia. É hipocrisia, por exemplo, cobrar de uma parceria obediência a normas de bom trato (ou de acolhimento) se o outro lado da fronteira não é contemplado com o respeito ao protocolo da civilidade. Esse preceito, por óbvio, fica sujeito a restrições quando estão em jogo interesses maiores do Estados, que devem ser resguardados - casos, entre outros, que envolvam ameaças à soberania, à segurança nacional ou ao bem-estar de um povo.
Não é o que se tem observado no tratamento que o governo da Espanha tem imposto a cidadãos do Brasil em visita àquele país. De acordo com dados do Itamaraty, desde 2007 quase dez mil brasileiros foram impedidos, pelos organismos de controle de migração, de entrar legalmente em território espanhol. Somente em 2011 (entre janeiro e agosto) chegou a 1.005 o número de barrados pelas autoridades alfandegárias.
Como nenhum dos dois países exige visto de entrada, as medidas que restringem a entrada de brasileiros no país europeu muitas vezes resvalam para o terreno do inexplicável - e, não poucas vezes, são adotadas com o atropelamento do bom-senso e, pior, da preservação do respeito com que se deve distinguir o próximo. Já se registraram casos de professores brasileiros que foram deportados de aeroporto espanhol quando estavam em trânsito para Lisboa; em 2003, uma pesquisadora da USP ficou três dias detida num sala exígua, com outras trinta pessoas. No fim do mês passado, a aposentada Dionísia Rosa da Silva, de 77 anos, permaneceu retida por três dias no Aeroporto de Barajas, em Madri, antes de ser embarcada de volta ao Brasil.
Em razão destes antecedentes, é correta a decisão do governo brasileiro de dispensar igual tratamento a viajantes espanhóis em visita ao país. Embora a aplicação da legislação migratória pelos organismos da Espanha, no caso de brasileiros retidos por supostos embaraços legais, não poucas vezes tenha tangenciado a adoção de práticas abusivas, não é o caso de defender, na adoção do princípio da reciprocidade em território nacional, a mesma postura de agentes públicos de além-mar.
No caso da louvável medida anunciada por Brasília, a reciprocidade deve obedecer aos limites da legalidade. Significa estabelecer para os cidadãos espanhóis as mesmas exigências que Madri faz a brasileiros para entrar naquele país. Ou seja, passaporte válido por pelo menos seis meses, passagem de volta com data, comprovação de reserva em hotel ou alojamento e dinheiro suficiente para se manter no país pelo período declarado. Caso fique na casa de parente ou amigo, o turista terá de apresentar carta de quem o convidou, informando quantos dias o visitante permanecerá no Brasil.
Os dois países têm sólida relação de intercâmbio migratório. É reconhecida a contribuição que migrantes espanhóis deram - e dão - ao desenvolvimento econômico, cultural e político do Brasil. Não se deve ver na decisão de Brasília de adotar o princípio da reciprocidade mero exercício de retaliação. Trata-se de cumprir o pressuposto da isonomia, pois as alegações feitas pela Espanha para impor barreiras à entrada de brasileiros, em defesa de interesses de Estado, também podem se aplicar à chegada de viajantes daquele país.
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