quinta-feira, 29 de março de 2012

DOIS ARTISTAS

FOLHA DE S. PAULO
29/3/2012

Mesmo num país que se congratula pelo inabalável bom humor da população, não há como evitar o lugar-comum da "perda insubstituível" para comentar o desaparecimento, em curto intervalo de tempo, de dois de seus maiores artistas do humor, Chico Anysio e Millôr Fernandes.
Na aproximação desses nomes, o termo "humorista" evidencia toda a variedade de suas acepções.
O talento cênico de Chico Anysio o transformou num grande criador de personagens, capaz de fixar para a imensa maioria dos brasileiros as variedades de seus traços regionais, as mudanças de seus hábitos cotidianos e as fraquezas, nem tão mutáveis, de sua vida política.
O talento de Millôr Fernandes encaminhou-se para formas bem diferentes de expressão. Foi nas artes visuais, área em que demonstrou impressionante versatilidade, e na palavra escrita, no epigrama, na fábula, na poesia e na tradução, que Millôr soube transcender, rumo a altos níveis de estética e erudição literária, o âmbito do puro entretenimento, em que foi, não obstante, um mestre.
Assim como Chico Anysio passou, com sucesso incontestável, do rádio para a televisão, Millôr transitou, já em idade avançada, da página impressa para a tela da internet. A disposição para renovar-se, que ambos possuíram, não conflitou com a capacidade que tiveram, ao longo de décadas, para manter uma continuidade de estilo sem a qual não poderiam ter atingido o estatuto de clássicos.
Não importa muito, no fim das contas, o caráter "erudito" ou "popular" que a obra de Millôr Fernandes ou de Chico Anysio ostentou em primeiro plano; são formas diferentes que convergiram, no panorama da cultura brasileira, para a cristalização de um tipo de humor sempre crítico (e mais, autocrítico), malicioso, mas não vulgar, e até mesmo terno, sem abandonar a acidez.
São características de que o Brasil pode, com certeza, orgulhar-se. No cenário contemporâneo, marcado mais pela exasperação do que pela superioridade da ironia, não tem sido raro que a acidez se torne quase uma arma de marketing, sacrificando a graça em favor do fácil e do chocante.
Ingredientes desse tipo sempre fizeram parte do humor em qualquer parte do mundo, e um senso de exasperação, mesmo que não sublimado, sem dúvida convém aos tempos atuais. Mas a arte -como a exerceram, cada qual a seu modo, Chico Anysio e Millôr Fernandes- faz sempre muita falta.

PAPA REFORÇA MISSÃO DA IGREJA EM CUBA

O GLOBO
29/3/2012

O Papa Bento XVI iniciou sua viagem a Cuba com uma declaração até certo ponto surpreendente. Ainda no avião, rumo ao México, criticou sistemas políticos baseados no marxismo, afirmando que "a ideologia, como foi concebida, não corresponde mais à realidade". Em solo cubano, moderou o discurso, mas deu seu recado ao exortar os cubanos a construir uma sociedade mais aberta, baseada na verdade, na justiça e na reconciliação. Em velada referência ao marxismo, declarou que a "busca da verdade implica o exercício da liberdade autêntica" e que "alguns interpretam mal essa busca, levando-os à irracionalidade e ao fanatismo, e a fechar-se sobre suas verdades, tentando impô-las aos outros". Coube ao vice-presidente do Conselho de Ministros, Marino Murillo, responder a Bento XVI: ele destacou que as reformas econômicas não seriam acompanhadas de reformas políticas.
Mas uma coisa é a retórica da ditadura e outra, a realidade. A viagem papal é útil ao governo de Havana, pois chama a atenção para um país que vive um drama, sem perspectivas e com a economia estagnada. Raúl permitiu que os cubanos comprem e vendam imóveis e veículos, e abram pequenos negócios para dar chance aos milhares de funcionários públicos que serão cortados, pois o Estado não tem mais como mantê-los. E não há dinheiro para investir em infraestrutura e manter as conquistas em termos de saúde e educação.
João Paulo II visitou Cuba em 1998. São momentos diversos, estilos diferentes, outros líderes - Raúl foi o anfitrião de Bento XVI, um Pontífice mais discreto que o inspirador e carismático antecessor. Mas o atual chefe do catolicismo cumpriu a missão de consolidar a Igreja como a maior organização social em Cuba depois do governo e como interlocutora capaz de ter papel crucial nas transformações que já se iniciaram.
Sua mensagem de fé e liberdade poderá servir de amortecedor no caso de uma transição traumática ou colapso do regime. O Papa reconheceu os avanços desde a visita de João Paulo II e exortou o governo a seguir em frente com as reformas. E pediu mais liberdade para a Igreja Católica, incluindo o direito de ensinar religião nas escolas e dirigir universidades.
Um dos assuntos mais delicados é o aspecto policial do regime, que persegue e prende quem faz oposição. Centenas de pessoas foram presas às vésperas da chegada e durante a estada do Pontífice, inclusive integrantes do grupo Damas de Branco. Críticos da ditadura castrista foram mantidos longe dos locais onde o Papa rezou missas públicas. Segundo o Vaticano, o Papa não esteve com dissidentes, mas recebeu suas mensagens.
A viagem do líder da Igreja renova a esperança de que a vida dos cubanos possa mudar para melhor. É um simbólico passo à frente, mas precisa ser seguida de atos concretos. Do lado cubano, de distensão, abertura e respeito aos direitos humanos, que levem ao fim da perseguição política e das prisões arbitrárias. Do lado da Igreja, de empenho em seu renovado papel numa futura transição política que se afigura complicada. É necessário também que os EUA reconheçam o início das reformas em Cuba e negociem o fim do anacrônico embargo econômico, que acaba de completar 50 anos.

O ALERTA POR TRÁS DO CASO DEMÓSTENES

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) foi, durante muito tempo, uma espécie de homem acima de qualquer suspeita. Líder do partido na Casa, crítico vigoroso de desvios éticos, vocalizou a maioria da opinião pública quando, sem medir palavras, investiu contra o esquema peemedebista que controla o Senado sem preocupação com os manuais de boas condutas. Ou ao pedir a expulsão dos protagonistas do escândalo brasiliense do "mensalão do DEM", à frente dele o ainda governador José Roberto Arruda.
Por isso, talvez não tenha havido, nas últimas legislaturas, surpresa maior que a descoberta do relacionamento nada ético entre o senador e o bicheiro Carlinhos Cachoeira, também de Goiás. O lado obscuro do destemido defensor de boas causas começou a ser iluminado a partir da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, deflagrada contra a indústria dos caça-níqueis, atividade ilegal em que o velho jogo do bicho firmou alianças com máfias internacionais e fez um up-grade em dinheiro, poder e violência.
À descoberta que Cachoeira dera ao senador, como presentes de casamento, um fogão e geladeira importados, o político respondeu, de maneira singela, que não poderia perguntar o preço dos regalos ao amigo. Mas as evidências de que o relacionamento entre Demóstenes e Carlinhos ultrapassava os limites de uma exótica amizade se acumularam. Não é comum um bicheiro dar a um político um tipo de telefone supostamente vacinado contra grampos para, por meio dele, ficarem em contato constante. O equipamento não funcionou ou usaram outros aparelhos para colocar os assuntos em dia, pois mais de 300 ligações entre os dois teriam sido gravadas pela PF. O conteúdo das conversas implicaria Demóstenes nos negócios escusos de Cachoeira.
A primeira reação dos senadores foi de pavloviano corporativismo: situação e oposição subiram à tribuna para prestar solidariedade ao ultrajado colega, um jogo conhecido em cujo final costumam-se engavetar as piores investidas contra o decoro. As denúncias, porém, foram se acumulando, Demóstenes perdeu a liderança do DEM e até mesmo a Procuradoria-Geral da República, desatenta ao caso, despertou para o escândalo, e, na terça, o procurador Roberto Gurgel, afinal, despachou pedido ao Supremo para ser aberto inquérito sobre o senador. Gurgel já estava há algum tempo com o processo, mas alegou esperar mais informações da operação policial.
A proximidade entre o bicheiro e Demóstenes realça a grave questão da infiltração do crime organizado nas instituições. E não se pode esquecer que, além do senador, dois deputados também faziam parte - ou fazem - deste círculo íntimo de Carlinhos: Carlos Alberto Leréia (PSDB) e Sandes Junior (PP), ambos de Goiás. O próprio bicheiro é conhecido por antigas relações subterrâneas com o mundo político, expostas no vídeo gravado em 2002 em que Waldomiro Diniz, então na Loterj, e futuro assessor de José Dirceu na Casa Civil no governo Lula, o achacava. Cabe lembrar que o escândalo causado pelo vídeo, revelado pela revista "Época" em 2004, abortou uma operação em curso no governo e Congresso para a indesejada legalização do jogo.
Se Cachoeira atua no Congresso, no Rio há milícias com representação nas Casas legislativas, e um juiz sob suspeição de proteger esses grupos. Demóstenes não pode ser visto como caso isolado.

TRÂNSITO. PROVA DA EMBRIAGUEZ. STJ FAZ RESPEITAR ESTADO DE DIREITO.

Estado de direito: de acordo com o Estado de Direito vigente ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo. Ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere). Isso está contemplado no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos e admitido pelo art. 5º, § 2º, da CF. Esse é o Estado de Direito vigente.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) acertadamente decidiu (28.03.12) que somente o bafômetro e o exame de sangue podem atestar a embriaguez do motorista e excluiu provas testemunhais ou exame médico para esse fim. Tudo isso decorre da forma típica adotada pelo legislador, equivocadamente. O tipo penal (art. 306 do CTB) exige 6 decigramas de álcool para que o condutor seja considerado embriagado. Exigência típica indiscutível. A redação da lei é equivocada porque esse número não deveria aparecer nela. Já que lá está, impossível ignorá-lo.
A Lei Seca ficou esvaziada, uma vez que o motorista não é obrigado a produzir provas contra si mesmo e pode recusar os exames exigidos para a comprovação da taxa de alcoolemia exigida pela lei. Assim, a comprovação de embriaguez pode ficar inviabilizada, quando o motorista se recusa a fazer o exame de sangue ou o bafômetro. Assim é o Estado de Direito.

Foram cinco votos a favor do Estado de Direito e quatro a favor do Estado de Exceção.
O desembargador convocado Adilson Macabu conduziu o voto vencedor. “O Poder Executivo editou decreto e, para os fins criminais, há apenas o bafômetro e exame de sangue. Não se admite critérios subjetivos”, disse. “Mais de 150 milhões de pessoas não podem ser simplesmente processados por causa de uma mera suspeita”, completou.
No mesmo sentido, o ministro Og Fernandes foi incisivo. “Não é crime dirigir sob efeito de álcool. É crime dirigir sob efeito de mais de um mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue”. É extremamente tormentoso deparar-se com essa falha legislativa, mas o juiz está sujeito à lei”, afirmou.
A lei determina que é crime dirigir com uma quantidade de álcool acima de seis decigramas por litro de sangue, o que só pode ser atestado por exame de sangue ou bafômetro, segundo decreto do governo federal. Por isso, o STJ entendeu que uma testemunha não pode atestar, cientificamente, a quantidade de álcool no sangue.
Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio Belizze, que disse que a lei não pode ser interpretada em sentido “puramente gramatical”. Para ele, uma testemunha ou exame médico é suficiente para os casos “evidentes”, quando os sintomas demonstram que a quantidade de álcool está acima da permitida.
“Não pode ser tolerado que o infrator, com garrafa de bebida alcoólica no carro, bafo e cambaleando, não possa ser preso porque recusou o bafômetro”, disse. Esse fato não pode mesmo ser tolerado e é por isso que existe o art. 165 do CTB, que prevê sanções duras contra esse embriagado. Não se pode confundir o direito penal (art. 306) com o direito administrativo (art. 165). Ambos devem incidir, cada um em sua situação. Com mais de 41 mil mortes por ano no trânsito, ninguém está mesmo de acordo que o motorista beba e depois venha a dirigir. Há duas formas de se punir esse motorista: a administrativa e a penal. Esta última tem mais exigências, sobretudo probatórias. Sem a comprovação inequívoca da quantidade de álcool por litro de sangue ninguém pode ser condenado pelo crime. Mas pode ser condenado pela infração administrativa, que, se aplicada corretamente, produz grande efeito preventivo.

Jurista e cientista criminal. Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

CADEIA DE RESULTADOS

FOLHA DE S. PAULO
28/3/2012

Encarceramento aumenta no Brasil, sem garantia, porém, de que o país avance no que interessa -combater e punir os crimes mais graves

A taxa de encarceramento quase triplicou no Brasil. Há 17 anos, eram 95 presos para cada grupo de 100 mil habitantes. Pelo dado mais recente (junho do ano passado), já são 269 por 100 mil.
Entre os dez países mais populosos do mundo, é a terceira maior taxa; o recorde pertence aos Estados Unidos, com 730 por 100 mil.
Por trás daquela informação, à primeira vista sugestiva de maior eficácia policial e judicial, ocultam-se várias deficiências.
A constatação mais alarmante é a falta de vagas nas prisões: a população carcerária é de 513.802 pessoas (42% sem julgamento), mas só há lugar para 304.702 presos. Para piorar, tal disparidade vem aumentando com o passar dos anos.
Consequência lógica dessa situação, a superlotação de presídios é a face mais visível do problema. Um quadro comparável às "masmorras medievais" de que falava um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Recentemente, a Suprema Corte dos EUA determinou que o Estado da Califórnia reduzisse seu deficit prisional. Na impossibilidade de construir novas unidades carcerárias, presos menos perigosos deveriam ser postos em liberdade. O argumento central é que prisões superlotadas violam a proibição de penas cruéis e desumanas.
A Constituição brasileira contém o mesmo tipo de vedação, mas não há dúvida de que ela é com frequência desrespeitada, dadas as condições carcerárias por aqui. Ninguém chegaria ao ponto de propor, contudo, esvaziar presídios a qualquer custo.
A primeira medida é providenciar para que só permaneçam nas prisões os que nelas precisam estar. O mutirão carcerário do CNJ, iniciado em 2008, entra agora em sua última fase. Já libertou 36 mil pessoas que não deveriam estar presas e garantiu a 76 mil o direito a benefícios como redução da pena.
Não é por meio de medidas excepcionais, no entanto, que o país resolverá o desafio. A solução deve passar pela reorganização do sistema penal para punir com maior eficácia os crimes mais graves, em vez de apinhar cadeias com autores de delitos menores.
A reforma do Código Penal, nesse sentido, é crucial -tanto para ampliar a aplicação de sanções alternativas quanto para recompor a proporcionalidade entre penas e crimes.
Prisões superlotadas funcionam como verdadeiras usinas do crime. São, portanto, o reverso do que se espera delas: instituições que afastam da sociedade aqueles indivíduos que cometem crimes violentos.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Ruy Barbosa ou Rui Barbosa?


1) Numa elevada discussão entre leitores, questiona-se como grafar o nome do nosso amado jurista baiano: Ruy Barbosa ou Rui Barbosa. Um levanta a divergência entre o "site" do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e o da Fundação Casa de Rui Barbosa. Outro tenta solucionar com o abono da certidão de nascimento.

2) Fixe-se, nessa matéria, um importante princípio: os nomes próprios sujeitam-se às regras normais de ortografia e de acentuação gráfica, assim como qualquer outra palavra da língua. Por isso se deve escrever Antônio, Luís, Mateus, Rui, e não Antonio, Luiz, Matheus ou Ruy.

3) Confirma-se na lei tal afirmação: o item XI, subitem 39, do Formulário Ortográfico da Língua Portuguesa – em instruções aprovadas unanimemente pela Academia Brasileira de Letras na sessão de 12.8.43 – assim determina: "Os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, serão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns".

4) Especificando, na consonância com o item I, subitens 1 e 2, das mesmas instruções, o y só pode ser usado em casos especiais:
I) "em abreviaturas e como símbolo de alguns termos técnicos e científicos" (cf. item II, subitem 9), como y (de ítrio) ou yd (de jarda);

II) "nos derivados de nomes próprios estrangeiros" (cf. item II, subitem 10), como em byroniano, mayardiana ou taylorista.
5) Observe-se que a Academia Brasileira de Letras detém delegação legal para definir a extensão de nosso léxico, as regras de como escrever os vocábulos, assim como a acentuação e a pronúncia, de modo que sua palavra não significa mera posição ou opinião, mas é a própria lei, que deve ser seguida, de modo que qualquer outra discussão há de situar-se apenas no campo da polêmica científica e da discussão doutrinária.

6) É oportuno acrescentar proveitosa lição de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante para a situação ora analisada: "A grafia dos nomes de todos os que se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicações feitas após a morte dessas pessoas".1

7) De Arnaldo Niskier também é lição nesse sentido: "Passando desta para a melhor, a norma é escrever seus nomes de acordo com as regras ortográficas", razão pela qual "um Antonio Luiz só o será em vida: depois da morte passará a ser, portuguesmente, Antônio Luís".2

8) Em resumo, a situação do caso concreto da consulta deve ser assim solucionada: em vida, o jurista baiano chamava-se Ruy Barbosa de Oliveira. Após sua morte, deve-se grafar Rui Barbosa de Oliveira.
__________

1Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 42.
2Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 45.

Você está disposto?

Estava relembrando as vastas conquistas as quais nossos antepassados lograram, chegando a comparar seus efeitos à nossa realidade, ou seja, aos nossos dias, os quais se encontram no braço do descaso. O que fragiliza mais um cidadão que cumpre com seus deveres, a falta de participação em nossa cidade por parte dos gestores que foram tolhidos através do eleitorado para sanar as feridas de uma população por muito atingida ou o grande número de denúncias de corrupção as quais somos incumbidos a apreciar diariamente?  

O que vemos diariamente é desafetos, incompatibilidade de diversos candidatos para exercerem a função pública, “concurso” de imoralidades, zelo pela falta de ética. Gestão a qual contribui com o flagelo da humanidade que é a ignorância, e ao mesmo tempo agride de forma proposital o seu maior bem que é a vida. Diante desta contenda, é de se apreciar a memorável acepção de Rui Barbosa de Oliveira sobre nossos dias, ainda hoje ausculto, “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” 

É chegada à hora de expelir de nossas vidas essa vocação de não participar dos tratos políticos. Este é o momento de nos identificarmos com os valores que serão fundamentais para darmos início a um basta nesta intolerância. Sem o primeiro passo estaremos fadados ao atropelo de ações arbitrárias provindas de autoridades sem ânimo para o trabalho sério e responsável. Presenciamos políticos que tentam se lançar com publicidade tendo como slogan palavras de desapreço; Temos irmãos jogados na sarjeta, cidadãos estes que são visíveis a cada viaduto ou rua sem saída e por muitos considerados como mazelas sociais. Quais os meios de defesa aos quais lhe assistem? Estamos verdadeiramente a um passo do abismo social, se citar os efeitos estratosféricos causados pelas drogas e falta de segurança aí sim, chegaremos à porta da loucura.

Esse imbróglio político que atua não somente em nossa cidade de Salvador, mas em todo o Brasil é um mar de interesses particulares em pró do recheio bancário. Vivemos em um terreno hostil, ambiente este que não oferece espaço as ambiguidades. Tendemos a um interesse que abranja toda a sociedade ou estaremos predestinados a acunhar a culpa. Pois somos os responsáveis, mesmo involuntariamente, desta desordem a qual encontramo-nos refém. Não basta aprendermos a julgar, temos que nos atermos aos bons homens, aproximarmos aos projetos e intenções plausíveis, pois estes abrangerão toda a sociedade.

As campanhas conjugadas a projetos que são impostas para nós cidadãos devem ser apreciadas cuidadosamente. Vamos pesquisar a vida pregressa de cada candidato, já que a leniência do nosso Egrégio Tribunal de Justiça, vinculada a inapetência judicante é de interesse de muitos políticos, e com isso, não se manifestam em tempo hábil, pois não há outro motivo para a Bahia somente ter 13 processos finalizados contra agentes públicos no ano de 2011. Que com a ajuda de Deus, possamos nos empenhar não apenas em pró da melhoria individual, mas almejando o progresso de toda nossa sociedade, pois voto não tem preço, tem consequência.

Bruno Ribeiro.

Violência doméstica: somente contra a mulher?


Muito embora no artigo 226 § 8º da Constituição Federal de 1988, regras gerais de proteção à família já estivessem estabelecidas, se observa que somente 18 anos após a promulgação, em 7 de agosto de 2006, foi criada, através da Lei 11.340, os mecanismos objetivando coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, denominada popularmente de “Lei Maria da Penha”. É importante ressaltar que a violência contra a mulher ainda se constitui um sério problema de saúde pública no âmbito dos sistemas oferecidos e prestados em condições inadequadas, resultando em danos físicos e psicológicos para mulher, por exemplo, longas filas de espera para atendimento de saúde, poucos especialistas que atuam nesta área de “danos contra mulher” e outros tantos na área da saúde pública. A Lei Federal nº 10.778/2003, determina a notificação compulsória no território nacional dos casos de violência praticados contra a mulher que tenha sido atendida em serviços de saúde pública ou privada. Esta notificação se constitui em um instrumento balizador no planejamento de políticas públicas, no entanto, apesar desses avanços, observamos que as mortes, as agressões, os estupros a uma mulher adulta ou mesmo a uma criança são frequentes, transformando o convívio doméstico em um clima de amor e ódio, o que resulta em cenas trágicas destacadas nas manchetes da imprensa, que se aliam à lentidão de ações preventivas que deveriam ser adotadas pelos órgãos da segurança pública.
Entretanto, apesar da existência da norma especial, observamos que a punição por ela trazida não tem sido suficiente para prevenção dos atos de violência que ocorrem diariamente no âmbito da família, fortalecendo afirmação do Prof. Sebastian Scheerer que “proibir não é controlar”. A lei não consegue modificar comportamentos e costumes, cria apenas sanções de caráter intimidativo e a violência permanece de forma crescente.  O legislador, com a “Lei Maria da Penha”, não envolveu a figura do homem enquanto  sujeito vitimizado da violência doméstica quando o fato ocorre no âmbito da família, no entanto a norma constitucional que serviu de inspiração para o nascimento da lei não faz referência a mulher: (§ 8º do artigo 226 CF.88) “O Estado assegurará assistência à família na pessoa dos que cada um que a integram, criando mecanismos no âmbito de suas relações.” Não podemos fugir desta realidade de que a violência doméstica poderá ser praticada contra qualquer um dos seus membros, independente do gênero, pois assim seria o mesmo que afirmar, lembrando o professor Paulo Queiroz citando Nietzsche: “Dizer que só existe um deus, o “meu Deus”, é tão insensato quanto dizer que só existe um idioma, o “meu idioma”, um país, o “meu país” etc., como se só “eu” existisse; – é preciso presunção, ingenuidade e intolerância para crer assim.” Não se pode negar que o homem poderá ser também vítima de intolerância da violência no âmbito da família, mesmo naqueles casos que não sejam acobertados pelo Estatuto do Idoso, quando praticados pelos próprios filhos.
A triste realidade é que esta situação não ocorre de forma unilateral, veja o resultado de uma pesquisa realizada sobre a violência doméstica praticada contra homens:
“O senso comum considera a violência doméstica como um tipo de crime que só ocorre com as mulheres, mas quase 30% dos homens dizem que foram vítimas deste tipo de abuso, segundo uma pesquisa publicada pela revista “American Journal of Preventive Medicine”. ‘A violência doméstica sofrida pelos homens é pouco estudada e frequentemente está escondida, quase tanto como se escondia a violência contra as mulheres há uma década’, disse o autor principal do estudo Robert Reid, do Centro para Estudos da Saúde Group Health em Seattle (Washington). Os pesquisadores entrevistaram por telefone mais de 400 homens adultos que eram pacientes do Group Health e descobriram que quase 30% tinham sido vítimas da violência doméstica em algum momento de suas vidas. Para o estudo do Group Health, os pesquisadores incluíram na violência doméstica tapas, golpes, pontapés e o abuso não físico como ameaças, frases continuamente depreciativas ou insultantes, e conduta controladora. Entre os resultados da pesquisa está que 5% dos homens indicaram uma experiência de violência doméstica no último ano e quase 30% disseram que tinham sido vítimas do abuso em algum momento de suas vidas. Os pesquisadores determinaram que a violência doméstica tem graves consequências, e de longo prazo, sobre a saúde mental dos homens. O que nos surpreendeu foi descobrir que a maioria dos homens em situações de abuso também ficam no casamento, apesar de múltiplos episódios durante muitos anos”, acrescentou.
Entretanto ao final os dois extremos se tocam e se matam independentemente do gênero, em um convívio quase sempre entre o amor e o ódio…
Obs. No último dia nove de fevereiro, quase por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que as agressões contra mulheres, mesmo sem denúncia da vítima, são merecedoras de uma ação penal pública. A partir de agora, o Ministério Público passará a ter a prerrogativa de denunciar e as vítimas não poderão impedir a continuidade dessa Ação Penal.

Luciana Rodrigues (luciana@aqueimaroupa.com.br) fez Pedagogia na UFBA e estuda Psicologia na Unijorge. Atua como assistente de pesquisa da Aquino Consultores Associados Ltda., integrando equipes multidisciplinares em projetos socioambientais para os setores público, privado e terceiro setor, além de organismos multi e bilaterais. No À Queima Roupa, edita os textos e é responsável pela seção Com a palavra… Nos bastidores, cuida de questões administrativas e faz o papel que ninguém quer fazer: cobrar, cobrar e cobrar. 

terça-feira, 27 de março de 2012

PACIFICAR O FUTEBOL

FOLHA DE S. PAULO
27/3/2012

A morte de um torcedor durante conflito de rua entre adeptos de Palmeiras e Corinthians é mais uma tragédia a clamar por medidas enérgicas do poder público e das entidades esportivas para conter a violência no futebol.
É correta, portanto, a decisão da Federação Paulista de Futebol de banir as torcidas Mancha Alviverde e Gaviões da Fiel dos estádios, até que seja esclarecida sua participação no bárbaro episódio.
Os responsáveis pela segurança pública em São Paulo e em outros Estados têm se mostrado sensíveis ao problema. Faltam, contudo, instrumentos para atuação mais eficaz.
A realização da Copa do Mundo de 2014 no país pode ser o incentivo até aqui ausente para enfrentar o problema, que é antigo e não afeta só o Brasil. A experiência internacional demonstra que, apesar da dificuldade de combater esse fenômeno difuso, é possível reduzir de forma significativa os confrontos, tanto nos estádios quanto em espaços públicos.
Os pioneiros nesse esforço foram os britânicos, após grave tumulto na Bélgica, em 1985, patrocinado por torcedores truculentos -os chamados "hooligans" (arruaceiros). Naquela ocasião, 39 pessoas morreram pouco antes da partida final da Copa dos Campeões da Europa, entre o Liverpool, da Inglaterra, e a Juventus, da Itália.
Depois de retirar seus clubes das competições continentais por cinco anos, os britânicos tomaram várias providências para frear a violência. A principal foram leis específicas, com sanções para delitos vinculados ao esporte.
Além de penas de prisão ou serviço comunitário, a legislação prevê o banimento dos estádios, por até dez anos, de torcedores flagrados em conflitos. Se reincidentes, a punição pode ser perpétua.
Para identificar os delinquentes, tornou-se obrigatório, lá, implantar sistemas de vigilância por câmera nos estádios -como o que se encontra em teste no Pacaembu. Os torcedores envolvidos em brigas têm de comparecer a distritos policiais nos dias de jogo. Paralelamente, a polícia recebeu treinamento para atuar de modo mais seletivo e inteligente na repressão.
Por aqui, há também que chamar os clubes à responsabilidade. Suas diretorias precisam pôr fim às benesses e aos conluios com torcidas organizadas, muitas delas notórias adeptas do vandalismo.
Cabe ao Ministério do Esporte e às autoridades da segurança pública tomar as providências para que o país possa, até 2014, enfim pacificar o futebol.

DUAS FACES DA JUSTIÇA

FOLHA DE S. PAULO
27/3/2012

Iniciativas modernizadoras, como as estatísticas abertas pelo Supremo, convivem com práticas atrasadas e privilégios extemporâneos

A celeuma que há alguns meses envolve o Judiciário resulta de uma tensão que mal começa a ser resolvida entre modernidade e atraso. De um lado, práticas que colocam a Justiça sob escrutínio público; de outro, reações de uma corporação ainda refém dos próprios defeitos.
A iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) de divulgar dados estatísticos sobre processos é um exemplo de avanço. Com a medida, a Corte assume a linha de frente da implementação da Lei de Acesso a Informações Públicas, que entra em vigor em maio.
Ao adiantar-se à lei, o Supremo permite à sociedade acompanhar a eficiência de seus procedimentos. O cidadão interessado pode agora verificar quantos processos cada ministro tem em seu gabinete, por exemplo, e se estão parados.
Ferramentas como essa, além de representarem importante ganho de gestão, são um passo decisivo na direção da transparência e da prestação de contas, deveres a que estão submetidos todos os Poderes de uma República.
Aprofunda-se, assim, a modernização do Judiciário brasileiro, que começou de fato em 2004, quando a emenda constitucional nº 45 criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão de controle externo desse Poder.
Não é de estranhar, portanto, que o CNJ esteja no foco da controvérsia sobre o Judiciário. Responsável pela descoberta de desmandos por alguns magistrados -como os recentes privilégios em pagamentos de atrasados-, o órgão teve a atuação questionada por associações de juízes, mas o STF manteve seu poder de investigação.
Em vez de corroborar o esforço para reduzir a ineficiência e os abusos no Judiciário, porém, alguns magistrados preferem atacar não a existência de desvios, mas a sua revelação. Tampouco parece justificável insistir na manutenção de privilégios que, se um dia tiveram razão de ser, há muito já não têm.
É o caso do hábito de juízes trabalhistas não comparecerem ao fórum às sextas-feiras, revelado pelo programa "TV Folha" (transmitido aos domingos pela TV Cultura). Os magistrados, na hipótese mais condescendente, passam pelo fórum para pegar os processos e trabalhar em casa.
A resistência à modernização se manifesta até mesmo quando a novidade parece inofensiva, como a adoção de julgamentos por e-mail. A inovação foi introduzida no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas, por enquanto, não prosperou.
Os membros do Poder Judiciário precisam dar-se conta de que, no Brasil de hoje, prerrogativas arcaicas não têm mais lugar. A pressão pela modernização da Justiça vai continuar.

JUSTIÇA NÃO PODE TER IMAGEM ARRANHADA

O GLOBO
27/3/2012

Os números com o balanço da atuação do Tribunal de Justiça do Rio, revelados em reportagens do GLOBO, dão forma a uma evidência inquestionável: uma das mais bem equipadas Cortes do país, e também uma das mais produtivas, ainda tem injustificáveis pontos de névoa se sobrepondo à transparência que se exige em todas as instâncias do Poder. Quando se trata de julgar agentes públicos envolvidos em denúncias de improbidade administrativa, a Justiça fluminense delonga punições e agiliza remissões.
É neste descompasso - rapidez para perdoar ou demora para punir - entre ações dos magistrados que se vislumbra, no meio da turvação, um perfil que desdoura o balanço do TJ. Na ponta em que predomina a leniência, o Tribunal do Rio consagra uma lerdeza que se mede por um magro índice de apenas 6% de ações transitadas em julgado contra maus agentes públicos desde o início da vigência da Lei de Improbidade Administrativa, há 20 anos (70 casos encerrados em 1.209 processos).
Há casos extremos, como a condenação de um policial à perda de cargo público 15 anos depois de ajuizada a ação por improbidade - quando a sentença já não produziria efeito, pois o réu já se aposentara. Além de macular a imagem de um Poder que é a última instância de defesa da sociedade, esse tipo de desapreço de magistrados com as obrigações dos seus postos também resulta em danos ao Erário. Chega a R$ 4,6 bilhões a soma dos valores que deixaram de voltar aos cofres públicos, em razão de processos não levados a julgamento. No outro vértice, o da presteza, também há episódios suspeitos. O juiz Rafael Fonseca, que absolveu em tempo recorde um prefeito de Itaguaí, é alvo de representações na Corregedoria da Corte - uma delas com referências a ligações perigosas do magistrado com uma milícia.
A situação não se restringe ao Rio. A inapetência judicante, por exemplo, se reproduz em tribunais de outros estados. No Amazonas, o Tribunal de Justiça registra apenas uma ação com condenação definitiva. Em Pernambuco, são apenas seis ações transitadas em julgado. Na Bahia, o número de processos finalizados não passa de 13. Mas é no próprio corpo do Poder Judiciário que se produz o antídoto contra a omissão. São Paulo contabiliza 1.844 casos resolvidos; o Rio Grande do Sul, 574; Paraná, 429 e Santa Catarina, 305. São índices que mostram o quanto se pode fazer quando há vontade política de se fazer o certo. Em razão da renitência do Judiciário em, pelos mecanismos de seus próprios tribunais, punir desvios funcionais, cresce a importância do Conselho Nacional de Justiça, e da sua Corregedoria. Não à toa, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o papel do CNJ nas ações de cobrança da magistratura de compromisso com a missão judicante. O órgão agora se debruça sobre as atividades do TJ fluminense, não só em relação a tramitações processuais, mas igualmente na fiscalização da evolução patrimonial do corpo funcional da Corte, prerrogativa igualmente assegurada pelo STF. Como em todas as atividades, também na Justiça há bons e maus agentes públicos. Cumpre, no caso, identificar aqueles envolvidos em atos de malversação e, se for o caso, puni-los, descolando a imagem da instituição, para preservá-la, de atos desabonados pela sociedade.

O AI-5


O Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.
O ano de 1968, "o ano que não acabou", ficou marcado na história mundial e na do Brasil como um momento de grande contestação da política e dos costumes. O movimento estudantil celebrizou-se como protesto dos jovens contra a política tradicional, mas principalmente como demanda por novas liberdades. O radicalismo jovem pode ser bem expresso no lema "é proibido proibir". Esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o dos universitários, contra a ditadura. Por outro lado, a "linha dura" providenciava instrumentos mais sofisticados e planejava ações mais rigorosas contra a oposição.
Também no decorrer de 1968 a Igreja começava a ter uma ação mais expressiva na defesa dos direitos humanos, e lideranças políticas cassadas continuavam a se associar visando a um retorno à política nacional e ao combate à ditadura. A marginalização política que o golpe impusera a antigos rivais - Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart - tivera o efeito de associá-los, ainda em 1967, na Frente Ampla, cujas atividades foram suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968. Pouco depois, o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o atestado de ideologia como requisito para a escolha dos dirigentes sindicais. Uma greve dos metalúrgicos em Osasco, em meados do ano, a primeira greve operária desde o início do regime militar, também sinalizava para a "linha dura" que medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas para controlar as manifestações de descontentamento de qualquer ordem. Nas palavras do ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, o governo precisava ser mais enérgico no combate a "idéias subversivas". O diagnóstico militar era o de que havia "um processo bem adiantado de guerra revolucionária" liderado pelos comunistas.
A gota d'água para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade", se recusassem a sair com oficiais. Na mesma ocasião outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã considerados provocações. O ministro do Exército, Costa e Silva, atendendo ao apelo de seus colegas militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que esses pronunciamentos eram "ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis". O governo solicitou então ao Congresso a cassação dos dois deputados. Seguiram-se dias tensos no cenário político, entrecortados pela visita da rainha da Inglaterra ao Brasil, e no dia 12 de dezembro a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos (e com a colaboração da própria Arena), o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves. No dia seguinte foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus. No preâmbulo do ato, dizia-se ser essa uma necessidade para atingir os objetivos da revolução, "com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país". No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado - só em outubro de 1969 o Congresso seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.
Ao fim do mês de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 não só se impunha como um instrumento de intolerância em um momento de intensa polarização ideológica, como referendava uma concepção de modelo econômico em que o crescimento seria feito com "sangue, suor e lágrimas".

Maria Celina D'Araujo

Mais um: Apae denuncia atraso em repasse de recursos pela SMS

Com o objetivo de se desincompatibilizar e concorrer a vereador nas próximas eleições, o secretário de Saúde do Município, Gilberto José, deixa o cargo até a próxima sexta-feira (30). Sua passagem pelo comando da pasta ficará marcada pela grave crise no setor, com episódios como a exposição das dívidas com as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), Hospital Martagão Gesteira e o Aristides Maltez – ambos causados pelo atraso no repasse de recursos federais do Sistema Único de Saúde (SUS). À lista se soma agora a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Salvador, que, apesar de não ter anunciado a suspensão dos serviços prestados, reclama o não-recebimento da fatura relativa ao mês de janeiro – da ordem de R$ 760 mil – e alerta para os riscos que uma possível interrupção poderia causar. “Há um prazo de 60 dias [para o repasse ser feito]. Então, teríamos que ter recebido no início de março, no máximo. Fazemos triagem neonatal do estado inteiro. Nós atendemos pessoas dos 417 municípios”, pontuou Cleusa Zanetti, gerente da área de saúde da Apae. Segundo ela, os testes do pezinho não serão cancelados, mas qualquer interrupção de pagamentos gera uma situação complicada. “Não pode ter atraso neste exame; tem que ser feito na primeira semana de vida. A demora no tratamento pode causar danos às vezes irreparáveis”, alertou. Questionada se havia procurado a Secretaria Municipal de Saúde para tratar do assunto, Cleusa disse que o acesso à sede da pasta, no bairro do Comércio, estava proibido por causa da paralisação de servidores municipais. “E os telefones não atendem”, completou a funcionária da Apae.  

Informação: Site BN.

segunda-feira, 26 de março de 2012

O CUSTO DA BUROCRACIA


ZERO HORA (RS)
26/3/2012

Preocupado em reverter o processo de desindustrialização, que se intensificou com as dificuldades de as empresas brasileiras competirem com as de outros mercados, o Brasil precisa dedicar especial atenção a um dos maiores obstáculos à sua expansão econômica: a burocracia. Basta o alerta do Banco Mundial (Bird), que inclui o país na 126ª posição numa lista de 183 nações em facilidade para fazer negócios, para demonstrar que esse é um problema crucial. Enquanto a maioria das nações interessadas em avançar e em expandir sua economia trata de reduzir custos e encurtar caminhos, o Brasil segue preso a uma cultura paternalista, que contribui para o atraso, estimulando a ineficiência e a corrupção.
O apego a esse modelo de Estado cartorial tem sido justificado historicamente pela ideia de que mais regulamentação implica maior proteção e controle, portanto maior segurança para os negócios. O que se constata, porém, é uma situação inversa – na prática, o pior dos mundos para quem tenta empreender, por opção ou como saída para compensar a falta de oportunidades de emprego no mercado formal. Além da burocracia e de questões pontuais como o câmbio irrealista, responsável pelo fato de hoje ser mais fácil importar do que produzir internamente, a economia brasileira tem deformações para serem enfrentadas de imediato e de forma simultânea. É o caso, entre outras, do crédito caro, da carga tributária elevada demais e de uma infraestrutura precária em todos os sentidos.
Mas é a burocracia, de fato, o aspecto que, historicamente, mais emperra o desenvolvimento. Nos últimos cinco anos, por exemplo, o tempo exigido para a abertura de uma empresa diminuiu 20%, mas ainda segue entre os maiores do mundo. Além do excessivo número de dias exigido, o pedido de registro precisa ser feito separadamente em diferentes órgãos das instâncias municipal, estadual e federal, tornando o processo mais demorado e mais dispendioso. Vencida essa etapa, o empreendedor ainda esbarra numa série de outras, como a longa espera pela liberação de projetos, os elevados custos de contratação, o excesso de guias e de documentos exigidos para o pagamento de contribuições fiscais.
Em consequência, empresas precisam gastar com consultorias que as ajudem a compreender e pagar suas obrigações. Indústrias demoram mais do que concorrentes estrangeiros para despachar mercadorias em portos, encarecendo o frete. Construtoras continuam pagando salários de pedreiros e engenheiros enquanto seus projetos viajam por dezenas de repartições públicas à espera de aval. Quem paga a conta é o consumidor, a quem são repassados os custos nos produtos e serviços. E é por isso que o país precisa encarar de vez o desafio de simplificar processos, para que os empreendedores possam reduzir tempo e custos, tornando as empresas mais competitivas e afastando as chances de ameaças como a desindustrialização.

MAIORIA GOVERNISTA É VOLÁTIL E VIROU FUMAÇA TÓXICA

VALOR ECONÔMICO
26/3/2012

Em virtude da ausência do país da presidente da República, Dilma Rousseff, e do vice Michel Temer, nos próximos dias o Palácio do Planalto será ocupado pelo deputado Marco Maia (PT-RS), até há bem pouco tempo um ilustre representante do baixo clero da Câmara dos Deputados, mas hoje seu presidente.
Isso decorre de um anacronismo constitucional que prevê a substituição do presidente no período em que ele estiver ausente do país, não importa se na Índia, caminho tomado por Dilma ontem à noite, ou em Ciudad Del Este, atravessando os 552,4 metros da Ponte da Amizade, que une Foz do Iguaçu, no Paraná, à cidade paraguaia.
Imediatamente é acionada a cadeia sucessória prevista na Constituição, algo que já não fazia muito sentido no fim dos anos 1980, quando a Carta foi elaborada, muito menos agora quando o mundo efetivamente transformou-se em aldeia global.
Como o vice Michel Temer também está do outro lado do planeta, o nome seguinte na linha sucessória é o do presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia. Logo, ele é atualmente o presidente da República, e sua vice na Câmara, a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), também uma emergente do baixo clero, ocupa seu lugar no comando daquela Casa legislativa.
O que se espera, sobretudo de Marco Maia, é que eles deixem o tempo passar. Maia pode tirar fotos ou subir a rampa com correligionários, se declarar o segundo metalúrgico a ocupar o Planalto e aparecer bem nos telejornais. Pronto. Há boas razões para que seja assim: o passado já demonstrou que eventuais rebeldias de vices dão em nada, e os dois deputados - Maia e Rose de Freitas - são agentes ativos na crise política em curso.
O ambiente político precisa esfriar para que as partes possam, após a Semana Santa, discutir com serenidade, e sobretudo com seriedade, o que fazer com assuntos que requerem solução imediata, casos da Lei Geral da Copa e do Código Florestal, para citar apenas os mais urgentes.
As bancadas que representam o agronegócio e a agricultura familiar têm legitimidade para pedir que seja marcada uma data para a votação do Código Florestal; o governo, por seu turno, está correto ao tentar apressar o cumprimento dos compromissos que assumiu para sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014.
Do jeito em que se encontra a discussão, a desconfiança virou uma fumaça tóxica que mina a maioria constituída no Congresso mais à base de favores do que de votos. Desconfiança mútua.
O governo propala que parte da base se rebelou por ter perdido benesses que teve em governos anteriores. É possível que se encontre infiltradas nas bases ruralistas até mesmo o lobby, por exemplo, da indústria da bebida. Mas não há como negar que o Código Florestal é um assunto que transcende à disputa entre oposição e governo, pois trata do interesse concreto de quem trabalha e tira seu sustento da terra.
Os ruralistas desconfiam que a presidente Dilma quer empurrar a votação do Código Florestal para depois da Rio + 20, a fim de não chegar à conferência, que será realizada no Brasil, como forte candidata ao "Troféu Motosserra". Pode ser, mas também não há como negar à presidente o direito de tratar da questão com a segurança jurídica exigida. Não pode acontecer com o Código Florestal o que aconteceu com a Lei Geral da Copa: o governo chegar às votações com duas versões distintas sobre os compromissos efetivamente assumidos pelo Brasil com a Fifa.
Tanto Maia quanto Rose de Freitas não são propriamente reconhecidos em seus partidos como exemplos de habilidade e prudência política. O momento exige cautela, como demonstraram os acontecimentos da semana passada. A lista de demandas do Congresso cresce a cada dia, mas também o setor privado, convocado a investir mais pela presidente da República, chegou para uma reunião no Palácio do Planalto com uma robusta agenda de reivindicações cujo atendimento pode levá-lo a investir mais.
É difícil qualquer negociação em que um dos lados coloca o outro sob suspeita de malfeitos. O diálogo, a boa negociação e o convencimento reforçam mais a autoridade presidencial que a vitória de pirro. Como ficou demonstrado semana passada, a maioria do governo é apenas numérica, portanto, volátil. Não precisa de muito para virar fumaça.

CÍRCULO VICIOSO DO CALOTE

O ESTADO DE S. PAULO
26/3/2012

O alto índice de calote entre os contribuintes que aderiram ao "Refis da crise" - o mais generoso dos quatro programas de parcelamento de débitos tributários e de desconto de multas adotados pelo governo a partir de 2000 - apenas confirma o que já se sabia desde que ele foi aprovado. Como todos os outros programas de parcelamento de débitos tributários, este se transformou em mero instrumento para devedores contumazes regularizarem temporariamente sua situação perante o Fisco, o que lhes assegurou algumas vantagens.
Elaborado pelo governo com o declarado objetivo de aliviar o impacto da crise mundial sobre a atividade das empresas, o "Refis da crise" foi aprovado em 2009 e permitiu a renegociação e o parcelamento em até 180 meses de débitos tributários vencidos até 30 de novembro de 2008. O valor mínimo dos primeiros pagamentos era muito baixo, de R$ 100 para as pessoas jurídicas e de R$ 50 para as pessoas físicas, e a primeira parcela venceu só em fevereiro do ano passado, o que caracterizou um generoso prazo de carência.
As condições foram muito vantajosas para o devedor. Foi permitido o parcelamento ou pagamento à vista (com descontos maiores) de débitos com a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e o INSS, inscritos ou não na dívida ativa, mesmo os que estivessem sendo cobrados judicialmente. O desconto de multa, juros e encargos variou de acordo com o número de parcelas.
Mesmo assim, mais de 60% dos que aderiram ao "Refis da crise" já interromperam o pagamento das parcelas, mostrando que o objetivo não era quitar os tributos vencidos. Dos 578 mil contribuintes que optaram por renegociar suas dívidas tributárias de acordo com as generosas regras do "Refis da crise", apenas 214 mil continuam a quitar as parcelas devidas no prazo, segundo reportagem do jornal Brasil Econômico. Ou seja, 63% dos contribuintes já deixaram o programa.
Devedores em dificuldades financeiras temporárias encontram em programas desse tipo a possibilidade de manter seu empreendimento em funcionamento enquanto procuram superar a crise. Mas a maioria dos que a ele aderem é formada por maus contribuintes que, uma vez no programa, deixam de ser considerados inadimplentes pelo Fisco, o que lhes assegura o direito de obter a Certidão Negativa de Débito, essencial para realizar transações com o setor público.
Obtida a certidão, esses contribuintes imediatamente abandonam o programa, deixando de cumprir o que foi negociado. Esperam, então, que o governo crie um novo programa de renegociação, já que isso vem ocorrendo com regularidade desde o início da década passada, gerando um verdadeiro círculo vicioso do calote tributário.
Esse tipo de contribuinte raramente recolhe os tributos no prazo e no valor em que eles são devidos e, desse modo, faz concorrência desleal aos contribuintes honestos e pontuais, que, com grande esforço e dificuldades, conseguem honrar rigorosamente seus compromissos tributários. Em resumo, perde a grande maioria dos contribuintes.
Quanto aos ganhos de receita, sempre invocados pelos defensores dos programas de renegociação de débitos tributários, os resultados práticos são nulos, quando não negativos ao longo do tempo. Nas vezes anteriores, a adesão ao programa implicou o pagamento de pelo menos a primeira parcela, o que fez crescer a arrecadação tributária no início de sua vigência. No "Refis da crise", porém, como os primeiros pagamentos foram de valor muito baixo, nem esse efeito foi detectado. No ano passado, de acordo com reportagem do jornal Valor, a dívida ativa da União chegou perto de R$ 1 trilhão (exatos R$ 998,762 bilhões), com aumento de 13,4% em relação ao saldo do fim de 2010 (de R$ 880,596 bilhões), apesar dos esforços para a recuperação dos débitos.
Com a retirada de mais da metade dos contribuintes que aderiram a ele, o "Refis da crise" contribuirá ainda menos para reduzir proporcionalmente a dívida ativa da União, mas com certeza continuará a alimentar a esperança dos maus pagadores de que, em breve, gozarão de outro benefício como esse.

PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O GLOBO
26/3/2012

A reciprocidade de tratamento é tradicional princípio da liturgia diplomática. Esse pressuposto consagrado nas relações entre as nações - econômicas e migratórias, entre outras - é determinante para estimular o equilíbrio e afastar tensões na convivência entre os países, colaborando para mantê-la em desejável harmonia. É hipocrisia, por exemplo, cobrar de uma parceria obediência a normas de bom trato (ou de acolhimento) se o outro lado da fronteira não é contemplado com o respeito ao protocolo da civilidade. Esse preceito, por óbvio, fica sujeito a restrições quando estão em jogo interesses maiores do Estados, que devem ser resguardados - casos, entre outros, que envolvam ameaças à soberania, à segurança nacional ou ao bem-estar de um povo.
Não é o que se tem observado no tratamento que o governo da Espanha tem imposto a cidadãos do Brasil em visita àquele país. De acordo com dados do Itamaraty, desde 2007 quase dez mil brasileiros foram impedidos, pelos organismos de controle de migração, de entrar legalmente em território espanhol. Somente em 2011 (entre janeiro e agosto) chegou a 1.005 o número de barrados pelas autoridades alfandegárias.
Como nenhum dos dois países exige visto de entrada, as medidas que restringem a entrada de brasileiros no país europeu muitas vezes resvalam para o terreno do inexplicável - e, não poucas vezes, são adotadas com o atropelamento do bom-senso e, pior, da preservação do respeito com que se deve distinguir o próximo. Já se registraram casos de professores brasileiros que foram deportados de aeroporto espanhol quando estavam em trânsito para Lisboa; em 2003, uma pesquisadora da USP ficou três dias detida num sala exígua, com outras trinta pessoas. No fim do mês passado, a aposentada Dionísia Rosa da Silva, de 77 anos, permaneceu retida por três dias no Aeroporto de Barajas, em Madri, antes de ser embarcada de volta ao Brasil.
Em razão destes antecedentes, é correta a decisão do governo brasileiro de dispensar igual tratamento a viajantes espanhóis em visita ao país. Embora a aplicação da legislação migratória pelos organismos da Espanha, no caso de brasileiros retidos por supostos embaraços legais, não poucas vezes tenha tangenciado a adoção de práticas abusivas, não é o caso de defender, na adoção do princípio da reciprocidade em território nacional, a mesma postura de agentes públicos de além-mar.
No caso da louvável medida anunciada por Brasília, a reciprocidade deve obedecer aos limites da legalidade. Significa estabelecer para os cidadãos espanhóis as mesmas exigências que Madri faz a brasileiros para entrar naquele país. Ou seja, passaporte válido por pelo menos seis meses, passagem de volta com data, comprovação de reserva em hotel ou alojamento e dinheiro suficiente para se manter no país pelo período declarado. Caso fique na casa de parente ou amigo, o turista terá de apresentar carta de quem o convidou, informando quantos dias o visitante permanecerá no Brasil.
Os dois países têm sólida relação de intercâmbio migratório. É reconhecida a contribuição que migrantes espanhóis deram - e dão - ao desenvolvimento econômico, cultural e político do Brasil. Não se deve ver na decisão de Brasília de adotar o princípio da reciprocidade mero exercício de retaliação. Trata-se de cumprir o pressuposto da isonomia, pois as alegações feitas pela Espanha para impor barreiras à entrada de brasileiros, em defesa de interesses de Estado, também podem se aplicar à chegada de viajantes daquele país.

DIFÍCIL DE ENTENDER

FOLHA DE S. PAULO
25/3/2012

Causa estranheza a decisão da Secretaria da Educação de extinguir as aulas de reforço para alunos da rede pública paulista -medida que parece estar mal acordada com o governador Geraldo Alckmin, a quem cabe a palavra final.
O sistema, voltado para estudantes com dificuldades no aprendizado, previa que eles comparecessem à escola em período diferente do horário letivo normal. O problema, segundo a secretaria, é que a baixa frequência dos alunos tornava ineficaz o auxílio pretendido.
Optou-se então por introduzir um segundo professor nas classes mais numerosas, de modo a atender alunos durante o próprio transcurso das aulas regulares.
Muitas perguntas ficam irrespondidas diante dessa decisão. Quais os índices concretos de frequência nas aulas de reforço? Não haveria como torná-la obrigatória? As aulas não poderiam ser realizadas logo após o término do turno normal, sem que o estudante fosse obrigado a se deslocar para a escola duas vezes no mesmo dia?
Será praticável a coexistência do reforço e a assistência à aula normal, numa mesma sala?
Do ponto de vista dos professores, surgem outros questionamentos. A decisão teria sido tomada com o apoio de representantes da categoria, em reuniões regionais organizadas no ano passado. A Apeoesp, sindicato dos professores da rede estadual, cuja oposição aos governos tucanos é sistemática, põe em dúvida, entretanto, a validade dessa representação.
Para além das dúvidas específicas, duas questões fundamentais se renovam com a decisão. A primeira diz respeito à falta de professores na rede pública estadual
-problema que levou, recentemente, à convocação de profissionais que haviam sido reprovados nos testes de avaliação oficiais.
A segunda questão é a do sistema de ciclos, pelo qual se garante aprovação automática aos alunos até o quinto ano do ensino fundamental. Eliminou-se, com os ciclos, o processo tradicional de recuperação, ao término do ano letivo, para alunos com nota insuficiente.
Em vez disso, promoviam-se as aulas de reforço. E estas seriam agora eliminadas.
De remendo em remendo, o quadro é o que se conhece: uma esmagadora maioria de estudantes sem exibir -ao término de anos e anos de absenteísmo docente e discente, de falta de conteúdo, exigência e disciplina- o mínimo que os habilite a ingressar no mercado de trabalho e na vida de cidadãos conscientes.

ÁGUA PARA A SUPERPOPULAÇÃO

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
24/3/2012

Os estudos levados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o Fórum Mundial da Água, encerrado em Marselha, na França, no último dia 17, juntaram cores apocalípticas ao receio que se agrava a cada ano: o de que a pressão dos países em desenvolvimento combinada com o rápido crescimento da população mundial afete drasticamente a disponibilidade de água no planeta. Até 2050, para alimentar 9 bilhões de bocas – estimativa da população global de então – a produção de alimentos deve crescer 60%. O problema é que, nas condições atuais, isto significa a expansão da irrigação agrícola.
Para piorar o cenário, as alterações climáticas que já se pronunciam devem se acentuar, derretendo geleiras e elevando a área da desertificação. De acordo com a ONU, nada menos do que 40% desses 9 bilhões de indivíduos, ou 3,6 bilhões de pessoas, em 2050 viverão em nações consideradas como de alto estresse hídrico, ou seja, em locais de baixa oferta de água.
A proteção dos mananciais existentes é vista como meta estratégica para a humanidade, e não apenas para algumas localidades e países de regiões áridas. Com a inflação de gente, o consumo humano tende a disparar, tanto para as necessidades das famílias nas residências quanto para a produção industrial e agrícola. A aplicação da água passa a ser um elemento de política pública determinante para o futuro humano. O desperdício deve ser combatido em todas as frentes, e provavelmente criminalizado nas próximas décadas, diante do perigo iminente de escassez. Neste aspecto, padecemos do mal da irresponsabilidade há anos em Pernambuco, com índices imorais de perda na distribuição na rede da Compesa. No País, a taxa média do desperdício é de incríveis 40%.
Dono de 12% da água doce da Terra, sendo dois terços dela na Bacia Amazônica, o Brasil ainda se destaca como produtor e exportador de alimentos, papel cuja importância coloca o País em posição de protagonismo no destino hídrico do planeta. A utilização inteligente dessa capacidade poderia dar tranquilidade e saúde aos brasileiros de todas as regiões, coisa que jamais ocorreu em nossa história. O abastecimento, sobretudo no Norte e no Nordeste, permanece tema de promessas eleitorais, fora da realidade cotidiana de milhares de cidadãos: a água potável não chega a muitos lares brasileiros. Há diferenças enormes no consumo: em 2009, levando-se em conta os usos comercial, público, residencial e industrial, um carioca consumiu 236 litros de água por dia, enquanto um pernambucano, apenas 90 litros.
Por outro lado, a demanda da superpopulação mundial por alimentos irá, como já o faz, elevar os pedidos de ampliação da fronteira agrícola nacional. Uma linha de equilíbrio terá que ser traçada entre a irrigação e o lucro, de um lado, e a ameaça aos mananciais e a redução drástica de nossa riqueza hídrica, de outro, comprometendo a qualidade de vida das próximas gerações. Para o Brasil, a adoção de regras universais para o uso racional da água é pressuposto para o desenvolvimento sustentável.

INTOLERÂNCIA ENTRE NÓS

ESTADO DE MINAS
24/3/2012

Ação de extremista na França e execução de mendigo no Brasil são avisos de igual perigo

Pilar da democracia moderna, a França republicana disseminou os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, que inspiraram nações pelo mundo inteiro a se rebelar contra regimes que adotavam como norma a restrição aos direitos do cidadão. Séculos depois da Revolução de 1789, o país mergulha em uma cruzada contra o extremismo, personificado na figura de Mohammed Merah, franco-argelino de 23 anos, que cometeu uma série de assassinatos em Toulouse para vingar as "ações hostis contra o Islã". As medidas antiterroristas anunciadas pelo presidente Nicolas Sarkozy inauguram uma política mais severa contra o fundamentalismo e grupos simpatizantes de ações radicais. Uma das medidas levadas a público é a punição a quem frequentar sites com apologia ao terrorismo.
Até pouco tempo atrás, o drama no país europeu poderia ser observado do Brasil com relativa tranquilidade. O espírito gentil e a miscigenação seriam o salvo-conduto de uma sociedade onde não haveria sentido a discriminação por origem social, cor da pele, opção sexual ou credo. A prisão, em Curitiba, de dois homens que divulgavam abertamente mensagens de ódio pela internet e ameaçavam assassinar estudantes de ciências sociais da Universidade de Brasília demonstra de forma inequívoca que o extremismo está entre nós. Os indícios recolhidos pela operação da Polícia Federal apontam que não se trata apenas de dois tresloucados: há razões concretas para suspeitar que eles integram uma organização criminosa, com meios e motivação suficientes para causar tragédia.
As ações atribuídas aos extremistas presos na quinta-feira não podem ser consideradas um comportamento isolado de desajustados. Há algumas semanas, o país ficou estarrecido com seguidos ataques a moradores de rua. O caso que ganhou mais repercussão ocorreu novamente em Brasília: a mando de um comerciante, um grupo de jovens ateou fogo em dois moradores de rua. Um deles morreu, o segundo ainda se recupera das graves queimaduras, após longa internação hospitalar. Segundo a investigação policial, o mandante do crime, incomodado com a presença dos mendigos, ofereceu R$ 100 para os assassinos jogarem gasolina nas vítimas e riscarem o fósforo. Esse é o preço de uma vida na atual realidade brasileira.
Tanto na França quanto no Brasil, a intolerância exige esforços na implantação de políticas de integração social. As ações do Estado precisam dirimir as diferenças entre os diversos grupos, respeitando-se peculiaridades culturais. No contexto brasileiro, adquirem importância ainda maior as ações voltadas para mais educação, melhor distribuição de renda, mais chances de emprego. Esses fatores não impedem a ocorrência de atos radicais isolados, mas oferecem condições para diminuir a tensão social que serve de arcabouço de conflitos. Quanto à França, os ataques de Toulouse impõem uma reflexão sobre a política externa de Paris, em particular no Oriente Médio. Em uma região deflagrada por conflitos, a famosa lei de Newton assume proporções dramáticas: para cada ação, uma reação correspondente.

NOSSO SISTEMA FINANCEIRO TEM AVAL DO FMI E DO BIRD

O ESTADO DE S. PAULO
23/3/2012

O tempo em que o sistema financeiro apresentava sérios problemas e em que os clientes dos bancos sofriam pesadas perdas pertence ao passado. Hoje, quando o sistema financeiro mundial passa por graves problemas, o do Brasil é brilhante exceção. Missão conjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird), depois de avaliar nosso sistema financeiro, concluiu que ele é estável, com baixo nível de riscos e evidente capacidade de amortizá-los numa eventualidade.
O Relatório de Estabilidade Financeira, que o Banco Central (BC) acaba de divulgar, justifica amplamente a avaliação dos dois organismos internacionais.
A explicação de como nosso sistema evoluiu da fase dos problemas para a estabilidade atual deita raízes, num primeiro tempo, numa forte concentração dos estabelecimentos, que, reunindo recursos importantes e desenvolvendo toda uma engenharia para atrair mais recursos, puderam atravessar diversas fases delicadas. O papel do Banco Central foi decisivo. Ainda ontem, o êxito se mostrou no acordo a que o Banco Bamerindus, sob intervenção desde 1997, chegou com os seus credores.
Consolidando a saúde de nossas instituições financeiras num momento de grave crise nos países do Primeiro Mundo, em 2008, o presidente do BC na época, Henrique Meirelles, soube impor às nossas instituições que respeitassem e até ultrapassassem as regras ditadas pelo Banco Internacional de Compensações (BIS, na sigla em inglês), o que possibilitou que elas se protegessem dos efeitos da crise em outros países.
O relatório do BC mostra que o índice de liquidez do sistema bancário permaneceu elevado, permitindo fazer frente a eventuais restrições de recursos ainda que em situação de estresse. O retorno adequado sobre o patrimônio líquido dos bancos permitiu o crescimento das carteiras de crédito mesmo com a tendência de alta da inadimplência. Nossos bancos têm um índice de capitalização superior aos de Basileia. A captação externa em relação ao passivo total está em torno de 8%, não impedindo um aumento do prazo médio da carteira de crédito.
Nota-se um crescimento muito forte do crédito imobiliário, compensado em parte pela redução do financiamento de veículos, enquanto o empréstimo consignado está relativamente estável.
Caberia, certamente, no relatório, um comentário maior sobre a situação dos bancos públicos, que, com 43% das operações de crédito, apresentam apenas 14,6% de participação no patrimônio líquido.

IMPOSTO DE FACHADA

FOLHA DE S. PAULO
23/3/2012

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) prepara uma campanha em que voltará a defender o fim do imposto sindical, contribuição compulsória no valor de um dia de salário cobrada anualmente de todos os trabalhadores com registro em carteira profissional. Mas não é o que parece.
O tributo irriga sindicatos, federações, confederações e centrais com R$ 1,6 bilhão por ano. Sistema compulsório similar alimenta os sindicatos patronais.
Advogar pela redução dos descontos no contracheque do trabalhador é uma bandeira popular. Poderia ser também uma forma de modernizar o encarquilhado sindicalismo brasileiro, promovendo maior liberdade e autonomia.
O atual sistema, pelo qual o Estado atua como um repassador de verbas e ainda limita a concorrência -pelo princípio da unicidade sindical, não pode haver mais de uma associação por categoria na mesma base territorial-, acabou produzindo centenas de sindicatos de fachada. Eles só sobrevivem por obra da tutela oficial e representam muito mais suas próprias diretorias do que trabalhadores.
O problema é que a CUT não está propondo a extinção real do imposto, mas sua substituição por uma "taxa negocial", cobrada a título de serviços prestados na negociação dos acordos coletivos. Seu valor seria decidido em assembleia da categoria e pago por todo trabalhador, sindicalizado ou não.
Se a proposta vingar, o funcionário poderá até ver seu desconto em folha majorado. As assembleias tendem a ser controladas por sindicalistas, e não é impossível que um valor mais elevado do que um dia de salário termine aprovado.
A receita para promover uma reforma sindical que crie instituições fortes e representativas é conhecida pelo menos desde 1948, quando surgiu a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à ONU.
O documento, que era defendido pela CUT antes de ela ter se aconchegado ao poder, após a ascensão do PT, preconiza a eliminação das contribuições compulsórias e da unicidade sindical. Só quando a organização precisa batalhar para obter filiados ela se torna de fato independente.
Pode-se argumentar que a extinção do imposto da noite para o dia destruiria centenas de sindicatos, o que não é desejável. Nesse caso, melhor seria defender um cronograma de mudança gradual, para que possam adaptar-se. O que não parece correto é trocar seis por meia dúzia -ou dúzia e meia.

O JOGO DE CHANTAGENS DA ´BASE ALIADA´

O GLOBO
23/3/2012

O esperado aconteceu e o Planalto foi derrotado quarta-feira, na Câmara, em várias frentes, numa evidente manobra de chantagem da "base aliada", para avisar à presidente Dilma dos perigos que corre na tentativa de conter o fisiologismo no relacionamento com os partidos.
O choque está anunciado há tempos, desde que, na reposição de ministros abatidos a golpes de escândalos, a presidente passou a demonstrar alguma preocupação com a qualidade de gestão e a lisura no manejo de orçamentos, algo inexistente nos oito anos de hegemonia lulopetista em Brasília. Tão hegemônico que Lula elegeu, com a força do nome, sua chefe da Casa Civil, neófita em palanques.
Por uma dessas trapaças da política, Dilma, por necessitar de um Ministério à altura das dificuldades econômicas que a cercam, e até, suponhamos, por estilo pessoal, decidiu pôr alguma ordem na casa. Pelo menos, tentar. Há oito anos acostumados ao estilo Lula de conversas fáceis sobre acertos fechados sem preocupações com limites financeiros do Tesouro, tampouco com a ética, os partidos da base parecem ter passado do estado de choque para o de rebelião.
A destituição do eterno Romero Jucá (PMDB-RR) do posto de líder do governo no Senado, ato contínuo à provocação feita por ele ao permitir a rejeição, em plenário, da recondução indicada por Dilma de Bernardo Figueiredo à diretoria-geral da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), elevou de patamar a crise política do desencontro entre Palácio e bases. Foi aproveitada a ocasião para a troca, no mesmo cargo na Câmara, de Cândido Vaccarezza por Arlindo Chinaglia, dois petistas de São Paulo, mudança, comenta-se, ao gosto da ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais. Nem o PT se entende.
O troco contra Dilma foi de profissionais. Tem grande impacto impedir a votação da Lei da Copa - assunto de Estado e não só de governo -, ameaçar desfazer o bom acordo feito no Senado em torno do Código Florestal, aprovar em comissão projeto de emenda constitucional para subtrair do Executivo o poder de delimitar terras indígenas e de antigos quilombos e, ainda, permitir a convocação da ministra do Planejamento, Míriam Belchior, pela Comissão de Trabalho, para explicar cortes no Orçamento. Guido Mantega, ministro da Fazenda, também teve um "convite" aprovado como retaliação. Antes, a defenestração de Jucá teve imediata resposta, dada pela dupla que controla o Senado, Sarney e Renan, com a nomeação, em nome do PMDB, do senador rejeitado por Palácio para relator do Orçamento de 2013, um posto-chave.
Assim como os analistas políticos, Dilma não pode se considerar surpreendida pelas salvas de tiros que recebeu de volta, um fogo que nada tem de "amigo". Chinaglia e o substituto de Jucá, Eduardo Braga (PMDB-AM), têm muito trabalho a fazer, para impedir que o governo Dilma encalhe nos obstáculos que a "base aliada" saudosa do toma lá dá cá lulopetista começa a erguer no Congresso.
Este é um desses testes decisivos com que governantes se defrontam. Se Dilma Rousseff recuar, e logo na primeira grande batalha, abdicará de seu governo. O Brasil tem um regime presidencialista forte. Mas, para exercer o poder, o presidente precisa fazer política, não se fechar no alto da torre do Executivo. Dilma tem testes importantes pela frente.

quinta-feira, 22 de março de 2012

MECANISMOS DE CIDADANIA

ZERO HORA (RS)
22/3/2012

O acesso à internet e a proliferação de entidades especializadas em acompanhar o desempenho de homens públicos aparecem como elementos novos para o exercício da cidadania nas próximas eleições. Além de os cidadãos terem a possibilidade de se informar e de trocar ideias sobre os pretendentes a cargos públicos, também as organizações não governamentais, a imprensa e os partidos políticos passam a ter novos papéis. Às primeiras, caberá fiscalizar de forma responsável as campanhas eleitorais e repassar ao público informações pertinentes sobre os candidatos. Às agremiações políticas, competirá selecionar adequadamente seus representantes, de acordo com a legislação vigente e com as exigências éticas da sociedade brasileira.
Os novos recursos tecnológicos potencializam o poder dos indivíduos para escolher governantes e legisladores. Além dos meios de comunicação, que já vinham exercendo a atribuição de manter a sociedade informada sobre seus representantes políticos, agora há novas ferramentas. Como bem adverte a cientista política e professora da Universidade de São Carlos Maria do Socorro Braga, nenhum partido desejará em seus quadros um candidato exposto de forma negativa em blogs, sites e redes sociais. Então, surge aí uma possibilidade de uso positivo da rede mundial de computadores, a troca intensa de informações sobre os partidos políticos, sobre os candidatos que eles submeterão ao exame popular e sobre as propostas de ambos para o desenvolvimento de seus municípios.
Além dos sites especializados, que já exercem vigilância permanente sobre a atividade pública, os cidadãos poderão fazer sua própria investigação, como lembra Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, instituição que acompanha e dá transparência aos gastos públicos no país. A simples digitação do nome do candidato num site de busca já é capaz de proporcionar ao eleitor o caminho para saber se aquele político está envolvido em processos e se tem comprometimentos incompatíveis com a vida pública.
Evidentemente, ninguém deve se restringir a uma consulta superficial, até mesmo porque a internet se presta a deformações e à divulgação de informações falsas e maldosas. Além disso, nem todos os internautas têm conhecimento específico para analisar processos e consultar órgãos oficiais a respeito de gestores públicos, políticos e candidatos. Por isso, são importantes para a democracia instituições que atuam na fiscalização do poder, principalmente aquelas que já conquistaram credibilidade por agir de forma isenta e responsável.
O acesso à informação é um poderoso instrumento da democracia. As novas tecnologias, especialmente a internet, possibilitam aos cidadãos não apenas conhecer melhor os seus representantes como também interagir com eles, seja para cobrar compromissos assumidos, seja para sugerir rumos a adotar. Para aproveitar esta oportunidade, porém, é essencial que as pessoas se capacitem e que acreditem que os problemas do regime democrático – que são muitos – já trazem embutidas as soluções. O desafio é encontrá-las.

JUROS ALTOS DOS CARTÕES

ESTADO DE MINAS
22/3/2012

Se o governo pretende baixar o custo do crédito, é hora de focar no dinheiro de plástico

A presidente Dilma Rousseff está certa em determinar à sua equipe econômica que estude medidas para provocar a redução das taxas de juros cobradas pelo sistema bancário brasileiro. Enquanto o Banco Central acelera a redução dos juros básicos da economia, devendo baixar a Selic para 9% ao ano em 18 de maio, os bancos comerciais e financeiras continuam causando inveja a seus similares no mundo, ao impor spreads que levam o custo do dinheiro às alturas e engordam com eles seus lucros. Essa é, sem dúvida, uma das pedras no caminho de qualquer iniciativa oficial destinada a animar o investimento na estrutura produtiva do país, além, é claro, de inibir o consumo, com o qual se poderia mover a economia a ritmo mais acelerado e garantir a manutenção dos atuais níveis de emprego. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já sinalizou que o tamanho e a capilaridade do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal estão no foco desses estudos.
Se a ideia é baixar os juros praticados pelos dois bancos oficiais e, com isso, forçar uma queda generalizada do custo dos empréstimos e financiamentos às empresas e aos consumidores, então está na hora de o governo voltar suas baterias para a farra dos cartões de crédito. Não há estrangeiro que não se impressione – e muitos nem acreditam – ao saber que as taxas anuais cobradas pelo crédito rotativo disponibilizado pelos cartões podem chegar a impensáveis 237,9%. Segundo levantamento da Proteste, entidade defensora de direitos do consumidor, essa taxa é de longe a mais alta da América Latina e corresponde a quase cinco vezes a da Argentina, que fica em segundo lugar, com 50% ao ano. Em seguida vem o Chile, com 40,7%, e o México, com 36,2%. Na Venezuela, de Hugo Chávez, os juros do cartão são em média de 29% ao ano e na Colômbia, 28,5%. Nem vale a pena comparar as taxas praticadas nas economias mais desenvolvidas, que geralmente não passam de 12% ao ano, mas é fácil imaginar a diferença entre o custo pago pelo consumidor brasileiro em relação ao que é cobrado pelo crédito nesses países.
E não se trata de um pequeno segmento do mercado brasileiro de crédito. Pelo contrário. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) acaba de divulgar balanço dos negócios do setor em 2011. Os cartões de crédito, débito e de rede de lojas no país faturaram R$ 670 bilhões, representando um crescimento de 24% sobre 2010. Foram 8,3 bilhões de transações, com aumento de 18%. Ou seja, o negócio dos cartões não tomou conhecimento da tibieza do "pibinho" (2,7%), experimentando expansão pelo menos oito vezes maior do que a da economia, enquanto o número de operações realizadas pelo dinheiro de plástico cresceu mais de seis vezes que a expansão do Produto Interno Bruto. E para este ano as projeções mais otimistas do governo para o desempenho da economia (4%) nem arranham o cenário com que trabalha a Abecs, que não deixa suas expectativas por menos de 20%. A propósito, deveria intrigar ao governo a constatação de que, na contramão das mais elementares regras de mercado, quanto maior o movimento dos cartões, mais caro eles cobram da clientela.

REMÉDIOS MAIS CAROS

CORREIO BRAZILIENSE
22/3/2012

É preocupante o anúncio de elevação do preço dos medicamentos a partir de 1º de abril. O aumento pode chegar a 5,85% — percentual correspondente à inflação oficial entre fevereiro de 2011 e março de 2012. A variação do índice depende da participação dos genéricos na rentabilidade da empresa. Se for igual ou superior a 20%, o reajuste bate no teto. Se ficar entre 15% e 19%, pode chegar a 2,8%. Se inferior a 15%, há a possibilidade de redução do custo em 0,25%.
Os critérios para a pancada no bolso do consumidor merecem considerações. A introdução dos remédios sem marca no país acenderam a esperança de finalmente o brasileiro ter a possibilidade de se tratar sem despender recursos extorsivos. Por não serem obrigados a investir em propaganda, os fabricantes abasteceriam o mercado com produtos da mesma qualidade dos apresentados com grife porém com preço reduzido.
Ocorre que, passados mais de 12 anos, a indústria mostrou-se incapaz de produzir genéricos em grande escala apesar das condições favoráveis de que desfruta. O investimento é praticamente sem risco porque o sistema SUS compra quase a metade da produção. Com o mercado cativo, era de esperar que houvesse investimento maior que o realizado. Não é, porém, o que se verifica.
O governo também fabrica pouco. Manguinhos, da Fiocruz, a Fundação do Remédio Popular (Furp), o Instituto Butantã estão mais voltados para o remédio "de pobre", fatia por que os laboratórios multinacionais não têm interesse em razão da baixa rentabilidade. Além disso, algumas empresas de genéricos se desviaram do rumo. Investem em propaganda e, pouco a pouco, se aproximam dos remédios de marca.
Ao autorizar aumento maior nos segmentos em que os genéricos têm maior participação na produção e nas vendas, o governo quer estimular a competição, que, teoricamente, induziria a reajustes menores. Mas de nada adianta esse incentivo se não for atacado o principal problema do setor: a pesada carga tributária. Os impostos médios pagos pelos brasileiros ao comprar um simples comprimido é de 33,9%. A média mundial não ultrapassa 6%. Reino Unido, Canadá, Colômbia, Suécia, Estados Unidos e México não tributam o setor.
O Brasil conquistou o indesejável rótulo de país caro. Comparado, o preço de carros, imóveis, roupas, sapatos, alimentos, bebidas é muitas vezes mais alto aqui que na maioria dos Estados vizinhos ou distantes. Não é por acaso que brasileiros viajam não em busca de lazer, mas de produtos mais baratos. Tornou-se corriqueiro grávidas comprarem enxoval do filho em Miami, ou noivas adquirirem o tradicional vestido no exterior. Não será surpresa se remédios passarem a contribuir para o excesso de peso na bagagem.

EXPLICAÇÕES DEVIDAS

FOLHA DE S. PAULO
22/3/2012

"Se vocês não se retratarem, não explicarem direitinho isso aí, vão receber 354 ações. Eu vou acionar e vou ganhar uma boa grana de vocês (...). Pode pôr no seu texto."
Tais foram os termos, de clara índole intimidatória, que o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, dirigiu ao repórter Flávio Ferreira, da Folha, que o entrevistava sobre inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A origem do destempero foi o uso do verbo "investigar" para descrever a ação do CNJ. O desembargador o considerou ofensivo.
É certo que o procedimento do CNJ, que ainda pode ser estendido de 70 desembargadores para vários outros 354 integrantes do tribunal, não serve para lustrar a imagem da corte, seja ele qualificado como inspeção, apuração de rotina ou investigação.
Não é de semântica que se trata aqui, e sim de verificação de cálculos usados para efetuar pagamentos extraordinários a vários desembargadores. São valores devidos aos juízes por pendências trabalhistas, mas surgiram questionamentos sobre o fator de correção empregado e sobre privilégios a alguns magistrados.
Dezenas de desembargadores obtiveram pagamentos acima de R$ 100 mil. Cinco deles foram agraciados com desembolsos vultosos, de R$ 400 mil a R$ 1,5 milhão.
O envolvimento do CNJ despertou forte reação corporativa dos magistrados, como era de prever, e não só em São Paulo. A questão é de patente interesse público e ganhou destaque na imprensa, para incômodo daqueles juízes que se consideram isentos da obrigação republicana de prestar contas de seus atos perante a sociedade.
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, confundindo talvez o renome da instituição que dirige com os interesses dos integrantes de sua cúpula, tem tomado as dores da ala da Justiça mais refratária ao escrutínio pelo CNJ e pela imprensa. Nessa visão distorcida, estaria em andamento uma campanha para "denegrir" o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Mais até que para os outros dois Poderes da República -afinal, Executivo e Legislativo provêm do voto popular-, o controle externo tem relevância decisiva para aperfeiçoar o Judiciário. Nenhum grupo social extrairia benefício da erosão de sua autoridade, que de resto não se encontra em causa.
Se há maus juízes, os pares não devem protegê-los. São eles a prejudicar a reputação da Justiça, e não quem expõe suas mazelas perante o público.