sexta-feira, 17 de junho de 2011

Violência contra a mulher

O ciclo da violência é perverso.

Primeiro vem o silêncio seguido da indiferença. Depois surgem as reclamações, reprimendas, reprovações e começam os castigos e as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima, o varão destrói seus objetos de estimação, a humilha diante dos filhos. Sabe que estes são os seus pontos fracos e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.

No entanto, socialmente o agressor é agradável, encantador. Em público se mostra um belo companheiro, a não permitir que alguma referência a atitudes agressivas mereça credibilidade. O homem não odeia a mulher, ele odeia a si mesmo. Muitas vezes ele foi vítima de abuso ou agressão e tem medo, precisa ter o controle da situação para se sentir seguro. A forma de se compensar é agredir.

Facilmente a vítima encontra explicações. Acredita que é uma fase, que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo. Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado. Torna-se insegura e, para não incomodar, começa a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios. Nesse momento, a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser o seu cotidiano. Questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Nã o há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.

O homem sempre atribui a culpa à mulher, tenta justificar seu descontrole na conduta dela: suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os filhos. Alega que foi a vítima quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão. O medo da solidão a faz dependente, sua segurança resta abalada. A mulher não resiste à manipulação e se torna a prisioneira da vontade do homem, surgindo o abuso psicológico.

Depois de um episódio de violência, vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas. Cenas de ciúmes são recebidas como prova de amor, e ela fica lisonjeada. O clima familiar melhora e o casal vive uma nova lua-de-mel. Ela sente-se protegida, amada, querida, e acredita que elevai mudar.

Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça, grito, tapa...

Forma-se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite.

A ideia da família como uma entidade inviolável, não sujeita à interferência nem da Justiça, faz que com a violência se torne invisível, protegida pelo segredo. Agressor e agredida firmam um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro círculo vicioso: a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não impõe nenhuma barreira. A falta de um limite faz a violência aumentar. O homem testa seus limites de dominação. Quando a ação não gera reação, exacerba a agressividade, para conseguir dominar, para manter a submissão.

A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da auto-estima, o sentimento de menos valia, a depressão, essas são feridas que não saram.

(DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: RT, 2008, pp. 18-20)

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