segunda-feira, 27 de junho de 2011

O TRABALHADOR SUICIDA QUE VIROU SANTO




I



A novidade num pulo

corria de boca a ouvido

fazendo terrível alarido

assustando até criança:

Saturnino destemido

voltava clamando vingança.







II



Logo que o povo inteirou-se

do caso de cabo a rabo

todos eles homes brabo

desde o tempo de menino

deram apoio a Saturnino

que com eles foi criança

correndo na vizinhança

jogando bola na terra

caçando bicho no mato

superando morro e serra

metendo anzol no regato.



Sempre achou toda a cidade

não ser capaz de maldade

o jovem rapaz Saturnino

moço de trato fino

os pé dentro dos sapato.







III



O caso que resultou

na morte de Saturnino

há um ano se passou

no interior nordestino

onde havia mil fazendas

produzindo muitas rendas

com tudo que é plantação.

No fim de tudo, a colheita

para o pobre ia a receita

e o remédio pro patrão







IV



Numa dessas fazendas

de cana, feijão e milho

Saturnino, moço de brilho

Empregava suas prendas.

Honesto, decente e bom filho

tinha feito um juramento:

trabalhar e andar direito

ter dinheiro e ter respeito

e pedir Rosa em casamento.



Mas nessa mesma fazenda

de milho, feijão e cana

tinha também um banana

puxa-saco e impertinente

perseguia Deus e o mundo

com seu cargo de gerente.

Mandava bater em peão

representando o patrão

maltratava toda a gente.





V



Acontece que o gerente

não gostou que Saturnino

progredisse a cada mês.

E enquanto olhava o inocente

pensava em que destino

podia num golpe fino

aplicar-lhe de uma vez.



Surra não vale a pena

que logo ele volta à cena

eu almoço, ele me ceia.

Bala até que valia

mas se me descobrem um dia

eu posso parar na cadeia.





VI



O gerente que há tempo

com ambição no pensamento

queria ser sócio do dono

temendo ser superado

pelo rival empregado

não desistia do plano

cruel e bem desumano

nascido no peito assassino:

um fim qualquer haveria

de dar ao bom Saturnino.







VII



Um dia o patrão viajava

na fazenda só estava

sua filha moça feita.

O gerente na espreita

viu chegado seu momento

partindo logo pra ação.

Na casa grande entrou lento,

barulho, o do coração.

No quarto da pobre pequena

que pobrezinha dormia

ele entrou e sem ter pena

quis ter logo a primazia.





VIII



A moça, branca e assustada,

gritava e se retorcia

mas logo logo seu berro

de força diminuía

trespassada pelo ferro

era dor e agonia.

Seu sonho de jovem morreu

seu coração se aniquila

o homem que ela escolheu

não foi o primeiro da fila.



Gritou e bateu no gerente

fez-se fera em sua frente

na cara dele cuspiu.

Ele ruim como o cão

mandou-a de um tapa ao chão

chutou-lhe a cara e sorriu.

Caiu em cima da moça

já fraca de estupro e de surra

e disse: ói sua burra

vou agora te matar

Meteu-lhe a mão no pescoço

e ela não teve esforço

para poder se salvar.





IX



Devidamente espalhado

o fato fez-se tragédia

caso até nacional

como desvio sexual

misturado com ambição

fosse mesmo coisa rara

nas alcovas da nação.

No dia seguinte do crime

com água, escova e sabão

o sangue daquela moça

estava lavado do chão

mas o caso deu entrevista

foi parar nas revista

jornal e televisão.





X



Na fazenda foi tristeza

foi mesmo o fim da beleza

Com a morte daquela flor.

Amuado que nem jerico

o pai o que tinha de rico

Passou a ter só de dor.







XI



Esse ambiente pesado

quadro com a morte moldura

o gerente da amargura

usou para se safar.

Chegou-se ao dono com tino

e segredou: Saturnino

vai ter coisa pra contar.

Que aqui ninguém nos ouça

Mas ele olhava pra moça

Com olhos de gavião

Disse a ela muita graça

E sem conferir sua raça

Quis até correr a mão.







XII



O patrão ainda hesitou

em acreditar nessa história

sabia de boa memória

como era o Saturnino

que na igreja tocou sino

servindo de sacristão.

Se adoecia o padeiro

ele só fazia o pão.

Menino educado e ordeiro

pra todos era um irmão.



Mas depois raciocinou:

por que esse meu gerente

com dez anos de batente

iria assim me mentir?

Assim resolveu decidir:

com uma carroça de dinheiro

contratou dez bandoleiro

botou eles para agir.





XIII



Pegaram o bom Saturnino

dormindo o sono dos justos

ele acordou-se num susto

sem entender patavina

mas logo manjou a chacina

que iria acontecer.



Arrancado de sua gente

e gritando o inocente

pra fazenda foi levado.

Com o gerente ao seu lado

promotor da desavença

o velho deu a sentença:

o homem vai ser capado.



Dito isto, isto feito

na raça, na força e no peito

começou a operação.

Num golpe de açougueiro

foi-se o pênis inteiro

no outro voou o cuião.







XIV



Consumada a injustiça

como tudo fosse nada

marraram o pobre na estrada

para servir de carniça

aos bando de carcará.

Saturnino se soltou

mas vendo bem seu estado

deu um grito calado

na vida não quis mais pensar.

Não ia viver de vício

jogou-se num precipício

o jeito era se matar.







XV



O povo do povoado

amarrado e amordaçado

pelo poder do senhor

fechou-se todo de dor

mas todos tinham esperança

na lenda que já corria

dizendo que vinha vingança

ainda que fosse tardia.







XVI



Justamente quando tinha

um ano passado o fato

foi que na cidadezinha

aconteceu o insensato:

em dia de sol bem claro,

como o sol, se bem comparo,

Saturnino apareceu.

Vinha vestido de santo

tudo nele era encanto

o céu ele mereceu.







XVII



Assombrado, mas feliz,

o povo foi pra matriz

e pôs o sino a tocar.

E quando mais badalava

era gente que mais chegava

querendo ver bem de perto

as provas desse milagre.

Levaram vela e vinagre

três móio de lírio aberto

queriam saudar o menino

que vinha do lado de Deus

o bom santo Saturnino

chegando pra ver os seus.



E o povo logo se atiça

pedindo ao santo justiça

contra todos os ateus.





XVIII



A cidade reunida

No aconchego da matriz

foi toda ela atraída

pela aura cor de anis

saindo do corpo do santo

quem viu o fato é quem diz.

Lá não tinha diferença

de pobre, médio e doutor

fosse o rei da desavença

naquela pacata cidade

ou fosse o maior covarde

que por lá já apareceu

que nesse dia não houve

privilégio pra ninguém.

As contas do mal e do bem

é que estavam em julgamento,

muita gente passou mal

dos humilde ao maioral,

o dono da prefeitura.

Parecia miniatura

do próprio Juízo Final.







XIX



Quando toda a população

lotava a velha igrejinha

ouviu-se uma ladainha

nascida parece no céu.

Só se viu subir chapéu

em ferrenha reverência

pra ver se as deferência

Do Santo Pai Criador

salvava algum pecador.







XX



No topo do grande altar

Saturnino contemplava

seu povo, sua audiência.

E falou com contundência

a filhos, pais e avós.

Sendo ele porta-voz

do Senhor que nos governa

todos prestavam atenção

sabiam que santo não erra

pois todo o saber que ele encerra

brota do coração.







XXI



Saturnino então falou

olhando os olhos do povo.

A voz dele ressoou

todo mundo ouviu de novo

ele dizer que vingança

Não é uma coisa que preste

que só a fé e a esperança

ele trazia ao Nordeste.

Perdão ele só não tinha

para quem já tirou vida

pois cada crime é ferida

que abre na carne do Pai.

Quem matou portanto vai

bengala, chapéu e terno

curtir calor no inferno.





XXII



Na plateia o pai da moça

escutando tais palavras

azul de medo já estava

ele que já cometeu.

Pediu perdão, se benzeu

mas já estava decretada

a sorte que ele ia ter

a sorte igualmente

atingiria o gerente

seu fim era apodrecer.







XXIII



Aos pobres desconsolados

que tinham bom coração

que eram todos explorados

por tudo que era patrão

a palavra resoluta

pregando trabalho e luta

de Saturnino encantou.



O bom Deus, o bom Senhor

nada daria de graça

cada um que por si faça

que Ele lhe ajudará.

Se todos se derem as mãos

em busca de um ideal

um dia o fruto do mal

vai se erradicar do mundo

A Justiça há de vencer

mandando o que é torto e imundo

para o fogo mais profundo

para as mãos do satanás.



Os bons vão viver em paz,

viver felizes da vida.

O que se quiser se faz.

Casa, roupa e comida

isso haverá até demais.

Quem foi justo há de ter

vida eterna e muito mais.







XXIV



De cima olhando pra tudo

o olhar de Deus descobre

que o povo já não é mudo

que a terra já chega pro pobre

que a Justiça já é justa

que se ri mais que se chora

e que a felicidade mora

no peito de cada um.







XXV



Um coral de dez anum

nove boi, oito macaco

sete marreco, seis pato

cinco cobra, quatro jia

três jegue, duas cotia

e um coelho, com alegria

vai se formar na floresta

para abrilhantar a festa

do povo desse lugar.







XXVI



Dito isso Saturnino

lembrando os tempo remoto

o seu tempo de menino

deu um salto de felino

deixando besta os devoto

desapareceu no ar.











Salvador, 10 e 11 de junho de 1977

Luís Augusto Gomes



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