Estupro significa, no Código Penal, constranger alguém, mediante violência física ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato de libidinagem, geralmente a conjunção carnal (crime do art. 213). A indicação nominal é muito clara: estupro e não estrupo.
Falar estrupo, na versão típica de crime, configura erro grosseiro, capaz de sufocar o sonho de qualquer candidato a carreira jurídica.
A respeito do preconceito linguístico, recebi um e-mail segundo o qual a Academia Brasileira de Letras (ABL) admite a expressão estrupo. Essa palavra não existe, me esclareceram. Provaram. Lá está, apresentada pela ABL, a terrível expressão: ESTRUPO. Já sabia, desde o meu segundo ano da faculdade, que a palavra correta é estupro e não estrupo.
À primeira vista, fiquei espantado. Mas, como me ensinou meu pai, é preciso ver bem para depois falar. E não basta ver; é necessário enxergar, dizia minha vó Lili. Pesquisei e espantei meu espanto. Realmente, a palavra ESTRUPO existiu, mas não no sentido de crime contra a dignidade sexual. Ela está registrada pelo vocabulário da ABL e pelo Caldas Aulete.
O Cândido de Figueiredo, de 1899, também a menciona, fazendo constar a forma antiga com o significado de estrondo, o mesmo que tropel. Anota, ainda, estrupício, informando ser brasileirismo da região Norte, querendo dizer barulho, desordem. O Silveira Bueno, Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, edição de 1965, aponta “ESTRUPIR – v. t. produzir estrépito, barulho, tropear. O mesmo que estripitar, de estrépito, com substit. de i por u para reforçar a onomatopeia. Formado de ESTRUPO, tropel, palavra arcaica e suf. ir”. Por tudo isso, justifica-se a presença da palavra estrupo no vocabulário da ABL, não como variante inculta de estupro, mas com o sentido antigo.
Encontrei, também, estrupada, que indica lufada de vento. Pronto, está salva a ABL. E eu nunca mais vou rir de quem fala estrupo: primeiro preciso saber em que sentido a palavra está sendo empregada. Mas, melhor mesmo é nunca falar estrupo.
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Um Comentário
Joao Bolognesi
2 de Junho de 2011 10:59
Prof. Damásio,
sempre digo aos alunos que o ato de aprender exige humildade, pois aprender sempre causa uma mudança, alguma coisa se transforma em nós. Por isso, parabéns pelo exemplo e pela pesquisa.
Trata-se de palavras parônimas, ou seja, palavras parecidas, porém uma de uso contemporâneo e a outra apenas um registro histórico. Mas ambas “equisistem”, como diria aquele religioso.
Nos meus 20 e tantos anos de magistério uma coisa aprendi bem: na língua portuguesa, o sempre às vezes falta e o nunca volta e meia aparece.
Quando um aluno, diante de um tema movediço, me pergunta se “é sempre assim”, respondo que “quase sempre”.
Faz mais de 10 séculos que nosso idioma existe, já viu passar tantos povos, costumes e culturas. Para nós, em pleno século de tantas tecnologias e vastas informações, resta-nos aprender a cultuá-la, manter sua beleza e sua alma de criança.
Prof. Bolognesi:
Estou sempre aprendendo como meu querido professor e amigo.
Um grande abraço afetivo de seu admirador.
Damásio
Damásio de Jesus.

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