sábado, 17 de dezembro de 2011

Em defesa de gerações mais éticas e mais íntegras

"Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. (...) Achava-me num deserto. A casa escura, triste; as pessoas tristes. Penso com horror nesse ermo, recordo-me de cemitérios e de ruínas mal-assombradas."

O trecho extraído do livro Infância, de Graciliano Ramos (1892-1953), poderia ser o relato de alguma das 6,5 milhões de crianças que anualmente, em pleno século 21, ainda são vítimas de violência doméstica no Brasil. Como o grande escritor alagoano, muitos hoje são os adultos que carregam as marcas da violência intrafamiliar. A memória não deixa apagar as cicatrizes justificadas pelo duplo vínculo: "Eu te bato, porque eu te amo".

Essas mensagens antagônicas, que muitas vezes pautam as relações humanas — os homens também fazem isso com as mulheres —, provocam a falta de reconhecimento e cisões na personalidade. Além disso, quem sofre agressões corre o risco de internalizar a violência contra si mesmo e de acreditar ser merecedor do tratamento cruel.

O uso da violência física na educação acaba por se configurar também num cículo vicioso, em que pais batem nos filhos, filhos batem nos irmãos e em colegas de escola, homens batem em suas namoradas, companheiras e esposas, que batem nos seus filhos. Mas é chegado o momento de promovermos mudanças positivas nas relações e de nos pautarmos não pela violência ou por constrangimentos, mas pelo respeito.

É nesse sentido que vem o Projeto de Lei nº 7.672/10, que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante. O grande desafio dessa etapa da história da humanidade é o resgate da condição humana, que foi coisificada numa sociedade mercantilizada.

A sociedade é mais ética quando as pessoas não têm que viver sob o medo de serem constrangidas, humilhadas. É importante, entretanto, frisar que não queremos interferir na educação que as famílias dão a seus filhos. Exposto na mídia de forma a minimizar a questão como Lei da Palmada, esse projeto não é uma afronta à família, como dizem alguns críticos. A nossa intenção é sensibilizar a sociedade sobre a importância de estabelecer limites, sim, para educar, mas sem a violência, que só diminui e anula o outro e não modifica estruturalmente o comportamento da vítima. A tortura despersonaliza o ser humano, e a vítima tende a ser pouco sincera. Se queremos uma sociedade ética, é essencial haver honestidade.

Quando houve a proibição do uso da palmatória, muitos professores se sentiram cerceados de exercer a educação. Hoje, já está legitimado na sociedade que a criança não pode sofrer violência física em nenhuma instituição. Urge agora que essa lógica de defesa dos direitos da criança e do adolescente entre também dentro de casa. Muitas mães que não admitem ninguém bater em seus filhos se permitem, todavia, espancá-los.

Um bom desenvolvimento implica que pais e cuidadores tenham a capacidade de exercer a sua autoridade, com amor e disciplina, sem precisar deixar marcas na pele e na alma das nossas crianças. Dessa forma, meninos e meninas se tornam adultos plenos, produtivos, solidários, bons cidadãos, bons pais e para sempre bons filhos. Não se formarão sob a óptica de que o mais forte pode dominar o mais frágil.

Outro ponto importante a ser frisado é que o projeto de lei não cria nenhum tipo de responsabilização nova, que não sejam as já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal. Não pretendemos punir os pais, mas sensibilizá-los sobre a importância de ter em casa relações mais afetivas, mais estruturantes. A maioria dos meninos que está na rua é foragida da violência doméstica.

A lei tem, portanto, caráter pedagógico, assegurando a implementação pelo Estado de políticas públicas para capacitar cuidadores, educadores e famílias para abolir a violência. É fundamental estabelecer limites, é certo, mas sem castigos corporais. Defendemos, assim, uma mudança no padrão de se educar as novas gerações, permitindo que elas sejam mais éticas, mais honestas, mais íntegras — seres com consciência crítica, capazes de enfrentar as injustiças e transformar o mundo. É hora de darmos uma resposta à angústia da mãe que nos pergunta: "Onde busco ajuda para parar de espancar a minha filha de quatro anos?".

Por Erika Kokay, Deputada (PT-DF), preside a comissão especial destinada a analisar o Projeto de Lei nº 7.672/10.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Contraditório, ampla defesa, direito de petição e ao juiz natural: questão de vida ou morte

Longe de ser um artigo, este texto é apenas uma nota de utilidade pública, ante o verdadeiro circo dos horrores que têm se tornado alguns concursos públicos no Brasil.

Essa semana fui surpreendido por um e-mail de uma ex-aluna, a qual, no último domingo (27/11/2011) se submeteu à prova objetiva para delegado de polícia do Estado de Minas Gerais, aplicada pela FUMARC – Fundação Mariana Resende Costa.

No e-mail, ela me solicitou auxílio para ajudá-la com uma questão de Direito Constitucional que foi cobrada na aludida avaliação. É a questão nº 05 de ambos os cadernos de prova, que diz:

Tipo de prova 1

(http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/01_delegado_de_policia_acadepol_tipo_1-20111129-104253.pdf)

QUESTÃO 05

Com base no “caput” do art. 5º da Constituição Federal, pode-se indicar como desdobramentos do direito a vida, RESPECTIVAMENTE:

a) a liberdade de associação, de reunião, de crença religiosa, de expressão, de pensamento.

b) o direito de herança, de propriedade, de sucessão de bens de estrangeiros situados no País.

c) o direito do contraditório, da ampla defesa, de petição, do juiz natural.

d) o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

Tipo de prova 2

(http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/01_delegado_de_policia_acadepol_tipo_2-20111129-104304.pdf)

QUESTÃO 05

a) o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

b) o direito do contraditório, da ampla defesa, de petição, do juiz natural.

c) o direito de herança, de propriedade, de sucessão de bens de estrangeiros situados no País.

d) a liberdade de associação, de reunião, de crença religiosa, de expressão, de pensamento.

Percebam que as questões são idênticas, tendo a banca examinadora apenas alterado a ordem das alternativas.

Pois bem. Aquele que se interessar a consultar as provas e gabaritos divulgados terão uma desagradável surpresa, a qual, para o bem da ciência jurídica, esperamos que tenha sido apenas um “deslize” na elaboração do gabarito.

No caso do tipo de prova 1, a FUMARC disponibilizou em seu gabarito a alternativa “c” como sendo a correta e, seguindo a lógica, no tipo de prova 2, a letra “b” como alternativa correta (http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/delegado-20111129-102754.pdf).

Socorro!!!

Desde quando o direito ao contraditório, à ampla defesa, direito de petição e ao juiz natural são desdobramentos do direito à vida, nos termos do caput do art. 5º da CF/88? Ninguém me avisou isso na faculdade ou em qualquer livro de Direito Constitucional que eu já li (e olha que já li José Afonso da Silva, Kildare Gonçalves Carvalho, Paulo Bonavides, Gilmar Mendes etc.)! E parece que os milhares de candidatos que se submeteram às mesmas provas também não foram avisados disso, como podemos notar nesta conhecida página que abriga tópicos de discussão sobre concursos no Brasil (http://forum.concursos.correioweb.com.br/viewtopic.php?p=6438354&sid=80868d1a86d1c349a7c4bc2d97cdb7a2)

Já que mencionei o prof. José Afonso da Silva, vejamos o que ele nos diz sobre o direito à vida: “vida, no texto constitucional, (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto – atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva”. E prossegue discorrendo sobre o direito à existência, como sendo o “direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo” (In Curso de Direito Constitucional Positivo, 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 194 – 195).

Para não cometer injustiças, já que citei o prof. Kildare Gonçalves Carvalho, são suas palavras: “o primeiro direito do homem consiste no direito à vida, condicionador de todos os demais. Desde a concepção até a morte natural, o homem tem o direito à existência, não só biológica como também moral (a Constituição estabelece como um dos fundamentos do Estado a ‘dignidade da pessoa humana’ – art. 1º, III).”

O candidato poderia, então, indagar: mas, se o direito à vida condiciona os demais, como dito pelo eminente constitucionalista, o contraditório, a ampla defesa, o direito de petição e ao juiz natural são, sim, desdobramentos do direito à vida e, portanto, tal assertiva estaria correta.

Pois bem. Se o direito à vida, de fato condiciona os demais, essa premissa não está errada. Porém, dentro da proposta da banca examinadora, se assim fosse, todas as demais alternativas da questão também estariam corretas, por dedução lógica!

Contudo, estamos diante de uma avaliação objetiva. Sobre isso, já tive a oportunidade de escrever um artigo, intitulado “Do controle jurisdicional de questões objetivas em concursos públicos”, em que ponderei:

De modo geral, é comum que as questões de múltipla escolha ou aquelas em que se faz uma afirmação, como é comum nas provas elaboradas pelo CESPE/UNB, não abordem temas de alta indagação e controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, uma vez que devem (ou ao menos deveriam) possuir conteúdo bem delineado na legislação, bem como, se for o caso, versar sobre posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais pacíficos, de modo a justificar sua denominação: questão objetiva. Do contrário, o examinador estaria avaliando os conhecimentos do candidato em campo inapropriado para tanto, na medida em que, conhecer os posicionamentos controversos dos estudiosos do Direito e dos órgãos jurisdicionais demanda maior articulação por parte do candidato, não cabendo no campo restrito de uma questão objetiva (http://atualidadesdodireito.com.br/vitorguglinski/2011/11/20/do-controle-jurisdicional-de-questoes-objetivas-em-concursos-publicos/#more-38).

Poderíamos conjeturar durante séculos sobre as questões metajurídicas envolvendo o assunto, discutindo sobre todos os campos da existência humana sobre os quais o direito à vida irradia sua influência. Contudo, não é em uma avaliação objetiva que isso deve ser discutido, uma vez que não há margem para argumentação em uma questão de múltipla escolha.

É óbvio, caro leitor, que a assertiva correta na questão examinada é aquela que aponta como desdobramentos do direito à vida o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

Vejamos o que dizem Celso Spitzcovsky e Leda Pereira da Mota sobre o assunto, elencando as hipóteses não exaustivas (numerus apertus) do texto constitucional:

Como desdobramento, torna-se proibida a ampliação de pena de morte no Brasil, ressalvada a exceção estabelecida pelo próprio Constituinte originário no art. 5º, XLVII, vale dizer, guerra declarada (…)

O segundo desdobramento do direito à vida diz respeito às “condições mínimas de sobrevivência”, aqui podendo ser incluído o direito ao trabalho remunerado, habitação, saúde, alimentação, educação, lazer etc. (…)

Por fim, tem-se o direito a um tratamento digno por parte do Estado, que se materializa, entre outras coisas, pela proibição de tortura, de penas cruéis ou degradantes. (..)

Também entre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos podem-se encontrar novos desdobramentos, quando então a Constituição não só proíbe explicitamente a prática de tortura, como a define como crime, estipulando, inclusive, aqueles que responderão por ele.

É o que se verifica da leitura dos incs. III, XLIII e XLIX do art. 5.º:

“Art. 5.º (…)

(…)

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(…)

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

(…)

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (SPITZCOVSKY, Celso; MOTA, Leda Pereira da. Direito Constitucional, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, pp. 383-386).

Por fim, o leitor mais atento poderá indagar: mas, e a proibição de venda de órgãos? Essa hipótese não está expressa no art. 5º da CF/88!

Muito bem. Ocorre que deve-se atentar para o disposto no § 2º do art. 5º da CF/88, cuja dicção é: § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Tendo em vista que a dignidade humana é tida como princípio reitor da Constituição Federal, a venda de órgãos atentaria contra tal princípio, com a potencialidade de estimular o mercado negro de comércio de órgãos, desencadeando matanças com essa finalidade. Aliás, não faz muito tempo que a mídia noticiou alguns casos a respeito.

Destarte, não se pode deixar de proceder a uma análise sistemática e teleológica do princípio da dignidade humana e do direito à vida. Como dito anteriormente, se formos considerar a alternativa apontada pelos gabaritos fornecidos pela FUMARC como sendo a correta, dever-se-á também considerar as demais e, se assim for, a questão deveria ser anulada, por multiplicidade de respostas corretas. Contudo, de modo a preservar a própria veracidade do texto constitucional, o correto seria a alteração do gabarito, considerando como desdobramentos do direito à vida o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

Manter como corretos os gabaritos divulgados beira a esquizofrenia.


Vitor Guglinski.

Fontes do Direito Penal (Imediatas e Mediatas)

Fontes Formais (Imediatas e mediatas)

Você já sabe quem é competente para produzir leis penais. A lei penal fora criada e está “estática”. Muito bem. Ocorre que quando o sujeito pratica um ilícito penal, o Estado tem de aplicar imediatamente, uma norma penal. Daí o surgimento das fontes formais. As normas penais podem ser imediatas e mediatas. Vejamos:

a) Imediatas – São as leis penais. Classificam-se em:

Normas penais incriminadoras: são aquelas estabelecidas no código penal ou leis penais especiais, que descrevem o crime. Essas normas possuem dois preceitos: primário (descreve o crime) e secundário (comina a pena).

Não incriminadoras: o nome é bastante sugestivo, não vão incriminar. Podem ser:

- a) permissivas justificantes (excludentes de ilicitude / antijuridicidade, art. 23, CP) e exculpantes (excludentes de culpabilidade. Ex: art. 26, caput, CP);

- b) explicativas (o legislador apenas explica, conceitua. Ex: art. 327, CP); e

- c) complementares (uma norma complementa a outra. Ex: o art. 68 complementa o artigo 59 do CP). Em momento oportuno estudaremos as referidas normas. Coloquei-as, apenas, para você saber quais são as fontes formais. Apenas para iniciarmos a estrutura do seu estudo.

b) Mediatas

Antes de tudo, deve saber e jamais esquecer que as fontes mediatas não criam leis, não revogam leis. Para isso há um processo legislativo. Mas professor, para que servem? Caro aluno, servem para integrar a norma. Servem, apenas, para auxiliar ao intérprete. São chamadas de aporia ou colmatação. As fontes mediatas são: analogia, costumes e princípios gerais do direito.

- Analogia: Deve-se observar que não existe analogia de norma penal incriminadora – in malem partem. Utiliza-se analogia apenas para beneficiar o acusado – in bonam partem. Mas que eu é analogia? É a análise por semelhança. É aplicar a alguma hipótese não prevista em lei, lei relativa ao caso semelhante. Mas não entendi, pode exemplificar? Sim, é claro. Vamos lá: Ex: você sabe que o art. 128 do CP prevê as hipóteses legais de abortamento. A hipótese mais clássica é aquela em que a mulher é vitima é estupro e fica grávida. A lei, nesse caso, admite a manobra abortiva. Mas o legislador impôs requisitos, quais sejam: que haja consentimento da gestante e seja realizado por médico. Isto é, não o abortamento não for realizado por médico, o agente que o praticou responderá pelo crime de aborto, ok? Mas imaginemos que Eva tenha ficado grávida em decorrência do estupro. E Eva mora em cidade longínqua que não há médico na região; há, apenas, uma parteira. Eva procura a parteira e esta realiza a manobra abortiva. Ocorre que a parteira responderá pelo crime de aborto, porque o legislador disse que tem de ser praticado apenas por médico. Para que não ocorra injustiça, teremos de fazer o uso da analogia, in bonam partem, para beneficiar a parteira.

- Costumes: Trata-se do conjunto de normas de comportamento que as pessoas obedecem de forma constante e uniforme, pela convicção de sua obrigatoriedade. Costume há obrigatoriedade; hábito não há obrigatoriedade. Obs.: os costumes não criam delitos, pois há o princípio da reserva legal. Servem, apenas, para integrar a lei penal. Ex: se uma garota for à praia com um biquíni extremamente curto, por nada responderá, pois está-se diante de um insignificante jurídico. Mas pergunto, e se essa garota entrar com essa mesma vestimenta em um Tribunal? Provavelmente enfrentará problemas.

- Princípios gerais do direito: São premissas éticas extraídas da lei, que orientam a compreensão do ordenamento jurídico para melhor elaboração, aplicação e integração das normas. Exemplifique professor. Sim. Vamos lá:
a) aos acusados em geral devem ser assegurados o contraditório e a ampla devesa;
b) ninguém será considerado culpado antes do transito em julgado de sentença penal condenatória, que trata do princípio da inocência;
c) ninguém é obrigado a produzir prova contra si, que decorre do direito ao silêncio etc.

Rodrigo Castello.

Natureza jurídica da imunidade

Imunidade Diplomática (regulada pela Convenção de Viena de 1961 das Relações diplomáticas) – não podendo o Diplomata ser processado – IMUNIDADE ABSOLUTA, ou seja, extensiva aos seus familiares.


Qual a natureza jurídica da imunidade?A natureza jurídica da imunidade é causa de exclusão da jurisdição da lei brasileira. Isto é, não exclui o crime, tampouco a pena.

A embaixada estrangeira situada no Brasil é território nacional?

Cuidado com essa pergunta, ok? Deve responder que sim, portanto se ocorrer um crime praticado por quem não tem imunidade, aplica-se a lei brasileira. Deve-se observar que a embaixada tem inviolabilidade, não podendo ninguém nela entrar sem autorização do embaixador, exceto em flagrante delito ou desastre.

Rodrigo Castello.

Princípio da ultra-atividade da lei penal.

Princípio da ultra-atividade


Pode ocorrer, ainda, a ultra-atividade da lei mais benéfica. Ex: Paulo praticou o crime na vigência da lei “A”, (mais benéfica), posteriormente revogada pela Lei “B” (prejudicial). Neste caso a lei “A” se projetará no tempo e produzirá seus efeitos na vigência na Lei “B”.

Questão de concurso

Antônio, quando ainda em vigou o inciso VII, do art. 107, do Código Penal, que contemplava como causa extintiva de punibilidade o casamento da ofendida com o agente, posteriormente revogado pela Lei n. 11.106, publicada no dia 29 de março de 2005, estuprou Maria, com a qual veio a casar em 30 de setembro de 2005. O juiz, ao proferir a sentença, julgou extinta a punibilidade de Antônio, em razão do casamento com Maria, fundamentando tal decisão no dispositivo revogado (art. 107, VII, do Código Penal), vez que por força do princípio da ultratividade da lei mais benéfica.

“Abolitio Criminis”

ABOLITIO CRIMINIS (Art. 2º, CP)

Art. 2.º Ninguém pode ser punido por fato de que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais (civis não) da sentença condenatória.

Quando a nova lei deixa de considerar um fato até então criminoso. Isto é, um indiferente penal. Ex: a lei 11.106/05 revogou o crime de adultério.

A natureza jurídica da abolitio criminis é causa de extinção de punibilidade (art. 107, III, CP). Observa-se que os efeitos civis permanecem (obrigação de reparar o dano).

Você deve saber, também, que o juízo que julga o processo, até o transito em julgado, é chamado de juízo da condenação, da causa, do processo. Já o juízo que cuida do processo na fase de execução, após o transito em julgado, é chamado de juízo das execuções. Dissemos isso porque não é rara a formulação da seguinte pergunta: Quem aplica a abolitio criminis após o trânsito em julgado? A resposta você encontrará na Súmula 611 do STF.

Súmula 611 – STF: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna.

Crime complexo FALSO

Crime complexo falso

Sabe-se que o crime complexo é a fusão de dois fatos típicos. Ex: art. 155 (furto) + art. 146 (constrangimento ilegal) = art. 157 (Roubo). Mas, agora, o que seria o crime complexo falso?. Falso razão da fusão de um fato típico e outro atípico. Ex: Art. 213 (estupro). Perceba que manter relação sexual com alguém, sem violência, sem grave ameaça ou sem utilização de qualquer meio que impossibilite ou reduza a capacidade de resistência da vítima, não é crime – insignificante jurídico. Agora, se o agante, além da relação sexual, empregar violência ou grave ameaça – art. 146 (constrangimento ilegal) = art. 213. Então 146 (constangimento) + fato atípico (relação sexual) = art. 213 (estupro).

TIPICIDADE CONGLOBANTE DE ZAFFARONI


BOBBIO. O Direito é um sistema. Não pode haver normas incompatíveis.

O corpo humano é constituído por diversas partes que são inter-relacionadas, ou seja, umas dependem das outras. Cada sistema, cada órgão é responsável por uma ou mais atividades. Tem-se os sistemas circulatório, digestório, reprodutor, etc. Quanto ao Direito, deve-se entender da mesma forma. Ele é uno. Divide-se em matérias apenas para facilitar. Mas todas as normas têm de ser compatíveis. Uma não pode incriminar e outra fomentar.

Ainda que haja um enquadramento formal, não haverá tipicidade, quando a prática do fato tiver sido ordenada ou fomentada pelo ordenamento jurídico, pelo direito. Para o mestre Zafarone, o estrito cumprimento do dever legal, exclui a tipicidade. Ex: o médico realiza no doente uma cirurgia cardíaca com sucesso, diante de um perigo atual.

Policial que comete furto de bombom tem direito ao princípio da insignificância?

Posição do STJ:

Para o Superior Tribunal de Justiça, o furto de uma caixa de bombons por um policial militar não pode ser insignificante. De acordo com a Quinta Turma, apesar de economicamente inexpressiva a lesão jurídica, há alto grau de reprovação na conduta do policial.

Posição do STF:

O mesmo fato foi analisado pela Segunda Turma do STF. Desta vez, ante o empate na votação, decidiu-se pela aplicação do princípio. De um lado, ponderou-se o valor do bem furtado (ínfimo). Mas o argumento dos Ministros que indeferiam a ordem no Habeas Corpus é a reprovação da conduta do autor do fato que, por representar uma instituição, não poderia dar o mau exemplo enquanto fardado.

Fonte:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. HC 192.242-MG, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 22/3/2011. Disponível no Informativo de Jurisprudência 467. Acesso em 15 dez. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. HC 108373/MG, Rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, Red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes. Julgado em 06 dez. 2011. Disponível no Informativo de Jurisprudência 651. Acesso em 15 dez. 2011.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

27% dos brasileiros não confiam nada na Polícia Militar

Medir o grau de confiança nas instituições estatais, sobretudo nas que visam a tutelar a segurança, é de extrema importância em um Estado democrático, vez que legitima a atuação de seus agentes no cotidiano da população.

Dentre os levantamentos divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2011 (disponibilizado no Fórum Brasileiro de Segurança Pública), há o que aferiu a Percepção dos Brasileiros sobre Polícia e Segurança Pública, do Sistema de Indicadores de Percepção Social 2010 do IPEA, cujo resultado foi de que 27% da população com mais de 18 anos não confia na Polícia Militar.

Considerados os que confiam na PM, apenas 4,2% confiam muito, 25,1% confiam e 43% confiam pouco. O interessante é que o grau de desconfiança diminui à medida que a idade do cidadão aumenta. Nesse sentido, 34,4% dos jovens entre 18 e 24 anos não confiam na PM, enquanto que apenas 19,7% dos respondentes com 55 anos ou mais não confiam.

Uma das razões para que os jovens não confiem na Polícia, segundo o Anuário, é que eles representam a maior parcela de autores e vítimas de crimes violentos, o que altera sua percepção. Conforme dados do Datasus (Ministério da Saúde), os jovens entre 15 e 29 anos representaram 54,1% das vítimas de homicídio em 2009 (Veja: O extermínio diário da adolescência brasileira: 11 assassinatos por dia e Homens e jovens: principais vítimas de homicídio no país).

Parte dessa desconfiança surge da insegurança (e não segurança) causada pela atuação policial violenta e agressiva no combate aos delitos, onde há enfrentamentos e trocas de tiros, que por vezes envolvem até inocentes, resultando em mortes por todos os lados.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, nos últimos cinco anos (2007/2011), houve um aumento de 13,65% no número de resistências seguidas de morte envolvendo a Polícia Militar. Só na atuação da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) houve um aumento de 63% no mesmo período (O Estado de São Paulo).

Dessa forma, se justifica que a credibilidade da Polícia junto à população seja atingida. Contudo, a falta de confiança da sociedade em seus órgãos e instituições evidencia o equívoco na forma como o Estado lida com suas mazelas, requerendo formas de atuação mais eficazes e menos desastrosas.

A violenta e sangrenta polícia militar programada pelo Estado brasileiro, para fazer à nossa guerra civil (não declarada), ignora completamente uma realidade cruel que é a seguinte: o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e esse é um dos maiores combustíveis na nossa “fábrica” de violência. O Gini, índice que mede a desigualdade social, varia de 0 – 1: quanto mais próximo de 0 mais igualitária é a sociedade. Assim, os índices considerados altos são os que estão a partir de 0,45. O Gini do Brasil é de 0,56, ou seja, a desigualdade no país é muito alta.

Desigualdade alta significa não só a existência de muita gente que é só corpo (sem conhecimento útil incorporado), como a sua desconsideração, chegando ao extremo da sua fácil eliminação, por se tratar de um descartável (economicamente, por não ser consumidor, e fisicamente por não ter conhecimento incorporado). Some-se a isso o nosso ancestral autoritarismo, assim como o controle social militarizado violento. Tudo isso explica porque o Brasil é o campeão mundial em homicídios, em números absolutos (51 mil mortes em 2009).


Luiz Flávio Gomes: Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001);

Mariana Cury Bunduky.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Síndrome da Alienação Parental

O tema da Síndrome da Alienação Parental, embora não seja recente no mundo da psicologia, foi abordado pela legislação brasileira apenas em 2010.

Antes

A dificuldade de se manter um ambiente saudável para os filhos após o divórcio já foi objeto de regulamentação legislativa em 2008.

A Lei 11.698/08 alterou a redação de dois artigos do Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

Entende-se por guarda compartilhada a “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1583, CC).

Depois

Em 2010, no entanto, a Lei 12.318 veio dispor sobre a alienação parental, assim entendida como a interferência na formação psicológica do menor para que repudie seu genitor ou outra forma que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

O comportamento denominado de SAP (Síndrome de Alienação Parental), pelo psicólogo americano Richard Gardner (1985), tem sido abordado pelo Judiciário, principalmente, em hipóteses nas quais um dos genitores muda-se do local onde residia para dificultar ou evitar que o outro possa continuar mantendo contato com o menor.

O STJ já se posicionou, nestas hipóteses, que em conflito de competência aplica-se o Código de Processo Civil (art. 87) em detrimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 147, I), excepcionalmente, quando é clara “a existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da mãe com o único intuito de deslocar artificialmente o feito”.

Fonte:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Alienação parental: Judiciário não deve ser a primeira opção, mas a questão já chegou aos tribunais. Disponível em: http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103980. Acesso em 28 nov. 2011.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Qual a diferença entre a plenitude de defesa e a ampla defesa?

Partimos do pressuposto de que se o constituinte atribuiu expressamente denominações distintas, é porque realmente pretendia distinguir.

Ambas as expressões estão contidas no rol dos direitos e garantias fundamentais:

Art. 5º (…)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

(…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

A plenitude de defesa é aquela atribuída ao acusado de crime doloso contra a vida, no Plenário do Júri e, vale dizer, é bem mais “ampla” do que a ampla defesa garantida a todos os litigantes em processo judicial ou administrativo.

Na plenitude de defesa, a defesa técnica e a autodefesa possuem total liberdade de argumentos, não se limitando aos jurídicos.

Daí porque no Tribunal do Júri são invocados argumentos que saem da esfera jurídica, em razão da plenitude de defesa.

E isso se justifica pelo juiz natural do Tribunal do Júri, que são cidadãos leigos. É que aquele que pratica crime doloso contra a vida deve ser julgado pelos seus pares.


LUIZ FLÁVIO GOMES

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Lutando contra moinhos de ventos

Vê lá, amigo Sancho Pança, aqueles trinta
ou poucos mais desaforados gigantes.
Que gigantes?- disse Sancho Pança.
Não são gigantes, e sim moinhos de ventos.

O clássico livro escrito por Miguel de Cervantes é realmente único. Na épica batalha mencionada acima, Dom Quixote parte desenfreado para atacar dezenas de moinhos de ventos. Nosso cavaleiro andante, para muitos um louco desvairado, enfrenta diversas batalhas pelo simples significado da luta por um ideal e por princípios, independentemente da vitória ou da derrota. Ao todo, no único livro que Cervantes publicou na vida, o cavaleiro, juntamente com o seu fiel escudeiro Sancho Pança, participa de 40 batalhas, vencendo 20 e perdendo outras 20.

Desta forma, o escritor cria uma complexa relativização da vitória e da derrota, demonstrando que o principal é a própria luta, e não o seu resultado. A luta faz, e deve sempre fazer, parte do ser humano e de uma sociedade. Mesmo uma luta que para muitos possa parecer sem grandes significados. Quando lutamos por uma saúde digna, contra a corrupção, por uma educação de qualidade, por mais humanidade, por liberdade, pelo meio ambiente, entre tantas outras batalhas, lutamos, muitas vezes, contra um sistema de imposições muito injusto, desigual e cruel, e contra o qual talvez possamos lutar por uma vida inteira sem nunca vencer. Quando lutamos, lutamos não só por nós mesmos, mas principalmente por toda a humanidade.

Quando defendemos qualquer coisa na qual acreditamos, devemos nos alegrar pelo simples motivo de lutar, de tentar, de sofrer tentando, de perder ou vencer. Não é a vitória ou a derrota que move um lutador. O que move um lutador é um ideal, são princípios, por mais louco que possa parecer para alguns.

As palavras do escritor “quixotesco” Darcy Ribeiro são das poucas que conseguem expressar minimamente a importância da luta pelo que se acredita, em que pese vencer ou não: “Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Lutemos, então, por tudo aquilo que acreditamos, mesmo que estejamos lutando contra moinhos de ventos!
 
Por Rodrigo Puggina
Manual sobre armas de fogo - Para operadores de Direito

Autor: Felício Soares (Promotor de Justiça - MP/TO)

Editora: Impetus



Ano: 2011

O autor compilou, em um único volume, material teórico-prático das diversas vertentes sobre armas de fogo, assunto de conhecimento imprescindível para quem trabalha na área criminal (membros do Ministério Público e da Magistratura, Delegados de Polícia, Advogados, Defensores, Peritos etc).

Felício Soares aborda Balística forense, Medicina Legal, aspectos administrativos e doutrina sobre legislação criminal (sob uma vertente ainda inédita no mercado editorial), entre outros assuntos.

A obra traz, ainda, sugestões de quesitos para cada aspecto pericial analisado, proporcionando ao operador do Direito obter base teórica para uma interpretação precisa sobre fatos que envolvem a dinâmica de armas de fogo; o que resulta na sustentação (ou refutação) de uma tese, baseada em técnicas científicas das mais modernas.

Além de vasta compilação de jurisprudência dos tribunais superiores e da principal legislação sobre o tema, a obra já vem atualizada pela recente reforma processual sobre medidas cautelares (Lei Federal nº 12.403/2011).

HC: deve ser restringido o seu uso?


STJ e STF estão diante de um impasse no tema habeas corpus.

Majoritariamente, a Segunda Turma do STF entendeu que o STJ deve conhecer de habeas corpus, independemente de “esgotamento de vias recursais”. Por outro lado, o STJ sustenta a não banalização do writ constitucional.

Recentes decisões demonstram a discordância no posicionamento das altas cortes nacionais.

Ao julgar o HC 110.118/MS (22.11.11), os Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ayres Britto entenderam que o STJ deve conhecer de habeas corpus, ainda que a defesa do paciente não tenha interposto REsp no STJ e RE no STF. Isso porque, o habeas corpus é um dos mais caros remédios constitucionais a preservar o regime democrático.

Votou em sentido contrário, no entanto, o Ministro Ricardo Lewandowski para quem o uso do HC deve ser visto numa compreensão de racionalidade recursal e economia processual, evitando-se a sua “vulgarização”.

Concomitantemente, noticiou-se na página do Tribunal da Cidadania (linkar) julgamento proferido nos autos do HC 201.483/SP (27.10.11), relatado pelo Min. Gilson Dipp, cujo posicionamento firmado foi: Habeas corpus que tenta substituir recurso especial não pode ser conhecido.

Para a Quinta Turma do STJ, “deve-se prestigiar a função constitucional excepcional do habeas corpus, evitando sua utilização indiscriminada, sob pena de desmoralizar o sistema ordinário de recursos”.

Razão assiste ao STF. A função constitucional essencial do HC é que deve ser prestigiada, porque ele tutela a liberdade de locomoção. Os recursos são necessários, mas muito morosos. Quando se trata da liberdade, o tempo não espera. Cada dia ou cada hora dentro de um presídio, sabendo-se que a prisão é ilegal, é uma tortura inqualificável. Não deveria nunca o HC ser restringido, sim, preservado em sua função de tutela da liberdade. O posicionamento do STJ viola o princípio da vedação de retrocesso. Se o direito brasileiro conquistou determinado patamar em matéria de proteção da liberdade, não pode agora retroceder. Em matéria de direitos humanos, depois de atingido um determinado “status” não se pode retroagir.


LUIZ FLÁVIO GOMES.





Homens e jovens: principais vítimas de homicídio no país

O Brasil está explodindo no item violência (campeão do mundo em 2009 em homicídios, considerando-se os números absolutos), enquanto a Europa experimentou, desde o século XVII, uma drástica redução dos homicídios. Por quê? São várias as causas, como bem aponta Robert Muchembled (Una historia de la violência): diminuição dos conflitos, mudança no conceito de honra, apaziguamento das relações humanas e civilização dos costumes (Norbert Elias) etc.

Todos esses fatores redutores da violência funcionam ao contrário no nosso país. Os últimos dados dos homicídios no Brasil (Datasus – Ministério da Saúde), referentes ao ano de 2009, levando-se em consideração o gênero e a idade, bem revelam quais são os tipos de pessoas mais atingidas.

Dos 51.434 homicídios contabilizados em 2009, a esmagadora maioria, mais especificamente 47.109, foram praticados contra homens. Ou seja, 91,6% do total foram praticados contra pessoas do sexo masculino. Apenas uma pequena parte (8,3% ou 4.260 mortes) atingiu as mulheres. Observa-se, então, uma grande discrepância relacionada ao sexo da vítima.

No tocante à faixa etária, o Brasil adota um padrão internacional relacionado a fatores sociais e históricos, no qual são considerados jovens os indivíduos com idade entre 15 a 29 anos, sendo considerados “adolescentes-jovens” aqueles que têm entre 15 e 17 anos, “jovens-jovens” aqueles com idade entre 18 e 24 anos e os “jovens adultos” os que têm entre 24 e 29 anos.

Dessa forma, os jovens, assim considerados pela Secretaria Nacional da Juventude (pag. 5), indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, representaram 54% do total de assassinados em 2009.

Demonstrou-se também que a faixa etária de 20 a 29 anos (“jovens adultos”) foi a mais atingida, representando 39,5% do total.

Unindo-se os dois critérios (sexo masculino + jovens: indivíduos com idade entre 15 e 29 anos) chegou-se a um total de 25.967 mortos, ou 50% de todos os homicídios.

Exemplo triste dessa realidade foi o assassinato do filho do coreógrafo Carlinhos de Jesus, morto com oito tiros ao sair de um bar em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro (na última quarta-feira, 19 de novembro).

Evidencia-se, portanto, que os homens e jovens são os mais vitimados com toda esta brutalidade e assassinatos e isto se dá tanto em razão de sua maior vulnerabilidade, maior disposição para o embate, maior envolvimento com tráfico e crimes organizados.

Assim, ao serem criados meios e políticas de combate à violência no Brasil – que é o 3º colocado na América Latina e o 6º colocado no planeta dentre os países mais homicidas a cada 100 mil habitantes (com uma taxa de 26,6) – devem ser considerados também e, principalmente, os fatores etários e de gênero. Mais profundamente, não devemos nunca deixar de considerar ainda a brutal desigualdade existente no nosso país.


Luiz Flávio Gomes
Mariana Cury Bunduky

A composição do Tribunal do Júri está prevista no Código de Processo Penal

Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

Resumidamente, temos o seguinte: são necessários 25 jurados, mas o juiz presidente pode declarar instalados os trabalhos, se presentes ao menos 15 (art. 463, CPP); deste total, 7 formarão o Conselho de Sentença.

Está equivocado afirmar que o Ministério Público compõe o Tribunal do Júri, pois seria o mesmo que afirmar que o parquet integra o Poder Judiciário.

Luiz Flávio Gomes.

A partir desta quinta-feira (1°) os taxistas licenciados em Salvador têm autorização para cobrar bandeira 2 para qualquer dia ou horário. A medida vale até 31 de dezembro e funciona como uma espécie de 13º salário para os taxistas. O aumento está prevista no Decreto 17.004, de 29.11.2006. A bandeirada em Salvador custa R$ 3,75. O quilômetro rodada na bandeira 2 custa R$ 2,59.

Salvador tem mais casos de filhos sob guarda compartilhada

Em Salvador, 46,54% dos filhos menores de casais que se divorciaram em 2010 (1.196 pessoas) ficaram sob responsabilidade de ambos os cônjuges. Esta é a maior proporção de guarda compartilhada do país. Entre os estados, Bahia se destacou com 17,27% dos filhos menores cuja guarda foi compartilhada entre os dois pais. A pesquisa mostra que as mulheres ainda detêm a hegemonia na responsabilidade pela guarda dos filhos menores (87,3%), mas houve um crescimento do compartilhamento da guarda dos filhos menores entre os cônjuges, que passou de 2,7% em 2000 para 5,5% em 2010. No país, apenas 5,6% dos filhos menores ficaram sob a guarda dos homens no ano passado.


Informação: Site BN.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O bairro de Itapuã foi maquiado e não revitalizado

O bairro de Itapuã foi maquiado e não revitalizado. Basta uma passada na ladeira que liga o Abaeté à rua Av. Dorival Caymmi. A operação “tapa buraco” é exclusiva para beneficiar e atrair turistas ou para beneficiar os moradores de Itapuã? Não aprovamos integralmente o projeto do alcaide, pois diversas ruas encontram-se abandonadas, distantes de serem inclusas em qualquer projeto. Temos a Rua do Malê, localizada no Abaetê que não somente os buracos incomodam a população, mas a falta de varrição também é visível. Que o João, atenda plenamente a necessidade do bairro da Liberdade, e não deixe a desejar daqueles que habitam por lá assim como “tirou o doce da boca dos moradores de Itapuã”.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Após 19 anos preso, ex-mecânico morre após saber que ganhou indenização

Após passar 19 anos preso por um crime que não cometeu, Marcos Mariano da Silva, de 63 anos, morreu horas depois de saber que havia ganhado a última parte de uma indenização de R$ 2 milhões contra o governo de Pernambuco, estado em que viveu e que o condenou pelo crime de homicídio. Marcos foi condenado em 1976 por ter o mesmo nome do assassino. Ele chegou a ser solto após três anos, mas foi novamente preso após parar em uma blitz e ser outra vez reconhecido como o criminoso. O juiz que julgou o caso não consultou o processo anterior e o condenou por violação de liberdade condicional. Marcos saiu da prisão tuberculoso e cego, além de ter sido abandonado pela primeira mulher. O governo pernambucano chegou a recorrer da decisão e se propôs a pagar uma pensão vitalícia de R$ 1.200, recurso negado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que considerou o caso como “o maior e mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira”.

 Informações do G1.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O emprego de arma no crime de roubo

O roubo está inserido no roll de crimes contra o patrimônio, acarretando circunstâncias especiais na ação de subtrair.

O Código Penal brasileiro prevê o crime de no roubo no art. 157 que afirma:

“Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência; pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa”.

O uso de arma na execução do tipo penal qualifica o crime, sujeitando-o a aumento de pena, enaltecido no parágrafo 2º do artigo em questão.

A tutela jurídica do tipo penal está relacionada a acobertar o patrimônio contra outrem. O roubo é um crime complexo, pois a previsão normativa visa a proteção do patrimônio, integridade física e liberdade pessoal.

Como crime comum pode ser executado por qualquer indivíduo, não necessitando de legitimidade para sua pratica, divergindo do crime de infanticídio. O tipo penal prevê uma relação de apossamento a condições determinadas. A violência enquadra-se em física, quando há um esforço contra a vítima, moral, a ameaça, e qualquer outro meio que reduza a capacidade de ação do sujeito passivo. A ação do sujeito ativo deve provocar temor à vítima, observando um mínimo de “perturbação” psíquica e física, afetando o domínio de resistência da mesma. Entretanto, tal agressão física e mental, se observadas conjuntamente ou isoladamente, devem possuir um baixo grau de lesividade para não configurar outro tipo penal.

O emprego de arma no crime de roubo está relacionado ao maior potencial lesivo da conduta típica, não sendo imprescindível a apreensão e perícia para incidir a majorante no tipo penal. O aumento da pena, advindo do uso de instrumento, relaciona-se a maior intimidação e potencial ofensivo que o objeto pode causar a vítima, frente à vulnerabilidade dos bens jurídicos tutelados, vida, integridade física, liberdade e propriedade.

Em conceito, arma é qualquer instrumento apto a lesionar a integridade física ou matar alguém, podendo ser próprio, quando a finalidade do objeto é agredir, matar, ou impróprio, o objeto não possui a princípio o fim de lesionar, ferir, mas pode ser utilizado para alcançar tal objetivo.

Quanto ao uso da arma, na execução do tipo penal, a diversas visões acerca do tema. Os estudiosos Bitencourt e Damásio de Jesus, em interpretação do termo empregar, defendem o uso efetivo do instrumento para a qualificação no crime de roubo. Já Fernando Capaz entende que o simples manejar da arma pelo agente em direção a vitima é condição para aplicação da qualificadora no tipo penal.

Segundo algumas correntes doutrinárias, apenas o porte ostensivo da arma, ocasionando uma ameaça implícita é fator iminente da majorante prevista, pois vislumbra que tal ato é capaz de intimidar e reduzir a resistência da vítima.

Tanto a doutrina majoritária, quanto a jurisprudência são adeptas do critério objetivo, visando o aumento da pena em correlação ao maior potencial lesivo do uso do instrumento na execução do crime. Tal posicionamento resultou na revogação da súmula 174 do STJ, em virtude do principio da legalidade, pois o Superior Tribunal da Justiça entende que a arma de brinquedo não possui natureza jurídica de arma propriamente dita. Logo, enaltece a existência do potencial ofensivo do instrumento para o aumento da pena.

Por outro lado, a parcela minoritária da doutrina brasileira, fundamentada no critério subjetivo, defende que a simples intimidação do objeto está associada à capacidade de resistência da vítima, acarretando na qualificadora do crime de roubo.

Mirabete entende que a qualificadora do delito está diretamente associada ao meio idôneo na pratica da ameaça. Na mesma visão, encontra-se Bitencourt ao defender que a majorante do tipo penal está ligada a possibilidade do dano que o uso da arma possa desencadear e não ao simples porte ostensivo do instrumento ou temor da vítima. Enquanto que o professor Rogério Greco afirma que a qualificadora do crime de roubo encontra-se contemplada na união da intimidação sobre o sujeito passivo e a potencialidade ofensiva do instrumento em execução. Nélson Hungria, dividindo o posicionamento com Rogério Greco, intensifica que a ameaça com objeto não idôneo, desconhecendo a vítima tais circunstâncias, configura semelhante intimidação se a mesma fora realizada por arma idônea, acarretando na diminuição da capacidade de ação do sujeito passivo.

O tema exposto apresenta-se bastante polêmico, configurando várias interpretações, refletindo, também, no posicionamento do STF que tanto adota o critério objetivo, quanto o subjetivo no emprego de arma no crime de roubo.

A violência prevista no delito, podendo ser antes, durante e até após – violência psíquica - a pratica do crime, está diretamente relacionada ao possível emprego da arma no tipo penal. Logo, a simples ação de roubar apresenta-se bastante ofensiva. Sob a ótica do sujeito passivo, o temor que o tipo penal exige para existir e irrelevante quanto à idoneidade do instrumento, pois não há dúvida que a simples ameaça de porte de arma e a afirmação da mesma no momento do crime causam o mesmo efeito sobre a vítima.

A “margem de liberdade” que a legislação penal brasileira oferece ao juiz no momento de analise do crime de roubo, em aumentar a pena se observado o emprego de arma, é de fundamental importância, pois o temor visual que uma arma com munição provoca é o mesmo que uma arma desmuniciada, entretanto o dano que poderão desencadear é divergente. Logo, na aplicação da qualificadora no tipo penal é de suma relevância identificar a ofensividade do instrumento, através de uma possível perícia ou apreensão.

Como vítima o temor que o tipo penal exige é independente da idoneidade, potencial agressão do objeto em uso, pois o simples ato de subtração ou ameaça do agente é suficiente para provocar dano à mesma.

Por outro lado, em vista do Estado Democrático de Direito, submete-se o direito de alguns em detrimento de outros, em prol do bem comum. Segundo Fernando Capez, “a função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão punitiva estatal” em vista da dignidade da pessoa humana, prevista na Constituição Federal brasileira. A idoneidade, capacidade lesiva do instrumento, surge como um limitador do poder punitivo do Estado em um país onde a relevante prática de crimes advém da desigualdade social.
 
Por Amanda Raissa Abreu e Lima

Artigo 157, § 2º, inciso I do Código Penal

Para analisarmos o parágrafo segundo, inciso I do artigo157 do Código Penal, e necessário que primeiro façamos um conceito do crime tipificado neste artigo: roubo. A figura típica do roubo é constituída pela subtração, mais o uso de grave ameaça ou violência. Então, concluímos que o roubo é composto por: subtrair, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça a pessoa, coisa alheia móvel.

O parágrafo segundo, inciso I, deste artigo, diz:

§2º A Pena aumenta-se de um terco até metade:

I- se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

É importante, entender corretamente o que seria considerado como arma, pois vários objetos Podem ser utilizados com o fim de Intimidar a vítima e causá-la danos físicos. A arma, aqui tipificada, pode ser a própria ou a imprópria. A arma própria é aquela que possui como função primordial o ataque ou a defesa, como, por exemplo, as armas de fogo, as armas brancas e os explosivos. A arma imprópria é aquela que não foi criada com o fim de ataque ou defesa, como, por exemplo, a faca de cozinha, uma barra de ferro, ou até mesmo um taco de beisebol.

A utilização de arma de fogo majora a pena, pelo fato de possuir um grande potencial ofensivo, além de um grande poder de intimidação sobre a vítima. Então conclui-se que tal aumento não pode ser utilizado, quando o agente, no momento do crime, não tinha potencialidade ofensiva, seja por não ter munição, ou por possuir uma arma defeituosa. Portanto, entende-se que mesmo o agente tendo o poder de Intimidar a vítima através de sua arma, não poderá ter sua Pena majorada se não possuir uma potencialidade ofensiva.

Outra questão bastante discutida a respeito deste aumento especial da pena, trata da utilização de arma de brinquedo. O STF, por apenas levar em conta o poder de intimidação sobre a vítima, sumulou:

Súmula 174. No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena.

Entretanto, tal súmula sofreu muitas críticas doutrinárias, pois contrariava o fundamento de tal agravante, que é exatamente o fato de ser indispensável que a arma utilizada pelo agente tenha a possibilidade de causar ofensas a incolumidade física da vítima. Portanto, foi cancelada durante a sessão ordinária de 24 de outubro de 2001, que foi publicada no DJU de 6 de novembro deste mesmo ano. A partir disso, decidiu o STJ:

"É ilegal o aumento de Pena pelo uso de armas no cometimento do roubo, se o objeto encontrar-se desmuniciado, sendo instrumento incapaz de gerar situação de perigo à integridade da vítima. O emprego da arma desmuniciada no delito de roubo não se presta para fazer incidir a causa especial aumento prevista no Código Penal."

Outra questão bastante discutida pela doutrina trata do emprego da arma. Indaga-se, se seria necessário para o aumento de Pena, o emprego efetivo da arma ou se bastaria seu uso ostensivo. Segundo tal questionamento a doutrina é discrepante, enquanto uns afirmam ser necessário o efetivo emprego da arma, outros dizem bastar apenas seu uso ostensivo.
 
Por Camila Pimentel de Oliveira Ferreira

Patrimônio

O Título II do Código Penal trata Dos Crimes Contra o Patrimônio nos quais a preocupação fundamental é a garantia aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à propriedade, que é considerado um dos direitos humanos fundamentais. Assim, segundo a doutrina, tais tipificações dos crimes patrimoniais, previstos neste Título em que estamos estudando, originam-se, em sua essência, da ausência do Estado Social, que cria, dada a sua má administração, um abismo entre as classes sociais, gerando consequentemente, um clima de tensão, altamente propício ao desenvolvimento de uma mentalidade voltada a pratica de tais infrações penais. Aqui, será fundamental ao enxergar utilizar a interpretação denominada Sistêmica ou Sistemática para que se tenha melhor compreensão dos tipos penais.

Após breves considerações gerais a respeito do Título II, aprofundaremos na questão pertinente alocada no Capítulo I, Artigo 155 § 2º do Código Penal brasileiro.

Primeiramente, é valido explicar o caput do Artigo 155, que como se sabe, trata do Furto Simples e assim versa: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Segundo Guilherme de Souza Nucci no seu conceito de furto diz que “furtar significa apoderar-se ou assenhorear de coisa pertencente a outrem, ou seja, torna-se senhor ou dono daquilo que juridicamente não lhe pertence.

O nomen júris do crime, por si só, dá uma bem definida noção do que vem a ser a conduta descrita no tipo penal.” Nucci complementa dizendo que “subtrair significa tirar, fazer desaparecer ou retirar e somente em última análise, furtar (apoderar-se). É verdade que o verbo ‘furtar’ tem uma alcance mais amplo do que ‘subtrair’, justamente por isso o tipo penal preferiu identificar o crime como sendo de FURTO e a conduta que o concretiza como subtrair, seguida, é lógico, de outros importantes elementos descritivos e normativos. Assim, o simples fato de alguém tirar coisa pertencente a outra pessoa não quer dizer, automaticamente, ter havido um furto, já que se exige, ainda, o animo fundamental, componente da conduta de furtar, que é assenhorear-se do que não lhe pertence.”

Então, Furto é a subtração de coisa alheia móvel que o agente realiza para tê-la como sua ou para que outra pessoa dela se torne senhora. Como foi dito anteriormente, o bem jurídico protegido é, primordialmente, a posse da coisa e, secundariamente, a propriedade. Posse é a relação de fato entre uma pessoa e uma coisa, que faz com que aquele a detenha e dela faça uso. O possuidor usa, goza e frui da coisa. O proprietário é a pessoa que pode dispor da coisa, porque lhe pertence. Às vezes, o proprietário não tem a posse da coisa, que empresta ou aluga à terceira pessoa, que passa a usufruí-la, exercendo, portanto, sua posse. Mas ambos têm direitos sobre ela. O proprietário, mesmo sem a posse, continua sendo o único a poder dela dispor. O possuidor, mesmo dela não podendo dispor, porque não lhe pertence, é, entretanto, quem a tem consigo, usando como se sua fosse. A posse protegida é a legítima, a que decorre da propriedade ou de contrato que o proprietário sobre ela tenha feito, inclusive a título gratuito.

Segundo os Tribunais Superiores não é necessária a posse tranquila sobre a coisa, conforme se observa a ementa em seguida: “Recurso especial. Penal. Furto. Delito Consumado. Posse tranquila da res subtraída. Desnecessidade.

1 – Considera-se consumado o delito do furto, bem como o de roubo, no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída, ainda que não obtenha a posse tranquila do bem, sendo prescindível que saia da esfera de vigilância da vítima. Precedentes do STF e do STJ.

2 – Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp.668857/RS; Recurso Especial 2004/00839-8, 5ª Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz)

O § 2º do Art. 155 é classificado pela doutrina como sendo Furto Privilegiado, pois como diz o próprio parágrafo: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.

O que vem a ser criminoso primário? A primariedade é o primeiro requisito para o reconhecimento do furto privilegiado. Agente primário é aquele que não é reincidente. Reincidente é quem, depois de estar condenado por sentença penal transitada em julgado, vem a cometer novo fato típico. Ao ser condenado por este fato cometido após o trânsito em julgado daquela primeira sentença condenatória, não será considerado primário. Como bem lembrou Damásio de Jesus, “para o Direito brasileiro o agente é primário ou não é. Se não é primário é porque é reincidente. Se é reincidente, não é primário. Se não é reincidente, é primário e ponto final.”

É importante salientar que o que está dito no parágrafo é ser o individuo primário, o que não se confunde com o agente com maus antecedentes. A lei exige apenas ser o criminoso primário para que o juiz possa substituir a pena de reclusão por detenção e diminuí-la. Pode, segundo Rogério Greco o “agente ter sido condenado em outros processos, por exemplo, que não se prestem para efeitos de forjar a reincidência, sendo, outro sim, portador de maus antecedentes.” Para finalizar, basta observar o que é dito no Artigo 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.

O segundo requisito para o reconhecimento do Furto privilegiado é ser o objeto do furto de pequeno valor, o que a doutrina e jurisprudência divergem em algumas interpretações, tendo em vista que se leva em conta ora o valor do prejuízo causado à vitima,ora o valor da coisa em si.

Guilherme de Souza Nucci adota a postura que entende a “interpretação literal, ou seja, deve-se ponderar unicamente o valor da coisa, pouco interessando se para a vitima, o prejuízo foi irrelevante”. Seguindo esse pensamento esta Rogério Greco que afirma “que pequeno valor diz respeito à coisa furtada, sendo objetivo esse dano, não fazendo menção a lei penal a pequeno prejuízo, cujo raciocínio poderia nos conduzir a pessoa da vítima”, o que seria subjetivo.

Por outro lado, Moura Teles diz que “Não se deve buscar um critério único, como o valor do salário mínimo, mas utilizá-lo apenas como ponto de partida, valorando a coisa subtraída em sua qualidade e quantidade, tanto para o sujeito ativo quanto para o sujeito passivo. Coisa de valor de troca irrisório ou inferior ao do salário mínimo – a única fotografia da ex-namorada dos sujeitos do crime – tem um enorme valor estimativo para a vítima e pode ter também para o agente, tanto que este a subtraiu, logo não poderá ser considerada de pequeno valor.” Para ele, não basta que apenas seja de pequeno valor o objeto em si, e sim também subjetivamente, a significância e importância da coisa furtada para o sujeito passivo, a vítima.

O TJPB (Tribunal de Justiça da Paraíba) diz que “De outra parte, o conceito de pequeno valor da coisa furtada há que ser delimitado pela capacidade econômica da vítima. Então, se aquela é pessoa pobre, simples trabalhador braçal, as sandálias que usa e a pequena quantidade de dinheiro que conduz na carteira representam bens de induvidosa relevância para sua pessoa, afastada resta a possibilidade de desclassificação do furto para sua modalidade privilegiada.” (Ap.200.2004.023798-0/001, rel. Raphael Carneiro Arnaud, 01.06.2006).

A título de curiosidade, pequeno valor é diferente de insignificante. Como foi dito em aula ministrada pelo Prof. João Franco, quando há um delito no qual o objeto é de pequeno valor, instaura-se a ação penal e o processo, pois, significou uma perda do patrimônio da vítima, mas por ser de pouco valor, o juiz atenuará a pena ou extinguirá se os requisitos legais forem obedecidos. Por outro lado, quando o objeto do delito for insignificante, isto é, não significou perda de patrimônio e nem de nenhum valor jurídico, não cabe ação nem o processo.

Após a análise dos dois requisitos contidos no parágrafo 2º deve-se analisar seu complemento. A expressão “pode”, contida no § 2º do art. 155, não significa que a concessão do benefício seja uma faculdade do juiz porque é empregada no sentido de permitir-lhe escolher entre as opções: substituição da pena de reclusão pela de detenção, diminuição de um a dois terços ou aplicação exclusiva da pena de multa. Fica, pois, na faculdade do juiz escolher qual dos benefícios conceder ao réu, o que será feito levando em conta as circunstâncias judiciais do art. 59, que é a fixação da pena.

Estas só devem ser analisadas para orientar a opção do juiz, não para o reconhecimento do privilégio, que está sujeito apenas à verificação das duas condições – a primariedade e o pequeno valor da coisa. Há, entretanto, pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido contrário, de que, além dos requisitos objetivo e subjetivo do § 2º, deve o juiz verificar se o agente reúne outras condições, como as que a lei exige para a concessão do sursis ou algumas para o livramento condicional. Negar o privilégio porque o agente tem maus antecedentes, não tem conduta social adequada ou tem contra si sentença condenatória recorrível, é negar vigência à norma do § 2º do art. 155, impondo o juiz – e, portanto, legislando, o que lhe é defeso – condições que a lei não criou. Ademais, o privilégio é causa de diminuição de pena, de sua substituição ou de facultar a aplicação de penas cominadas cumulativamente.

Por fim, merece a devida atenção a possibilidade defendida por parte da doutrina, como Rogério Greco, de ser aplicado o § 2º do Art. 155 às modalidades do Furto Qualificado que estão previstas no § 4º do mesmo artigo, denominados de Furto Qualificado-Privilegiado, ou da não aplicação, segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores e parte da doutrina.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça “O pensamento dominante preconizado no seio desta Corte Superior contraria a pretensão heróica e se assemelha aos fundamentos do acórdão vergastado, uma vez que a incidência do privilegio não pode ter, indiferentemente, o mesmo efeito na forma qualificada do que tem na forma básica, pois a existência da qualificadora inibe a sua aplicação, mesmo se primário o réu e de pequeno valor a coisa ou, ainda, ausente o prejuízo. Assim, em que pesem os argumentos da defesa, não há como reconhecer o furto qualificado-privilegiado.” (REsp. 664272/SP; Recurso Especial 2004/0068153-1, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma).

Em outro caso o STJ assim decidiu: “É incabível a aplicação do privilégio constante no art. 155, § 2º, do Código Penal, mesmo sendo primário o réu e, a coisa furtada, de pequeno valor, em face da incidência da circunstancia qualificadora do concurso de agentes. Precedentes” (REsp. 706240/RS; Recurso Especial 2004/0168026-1, 5ª Turma, relator Ministro Gilson Dipp).

Por Hérico Almeida Gomes Salgado

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O homem que se gaba de só dizer a verdade

O homem que se gaba de só dizer a verdade é simplesmente um homem sem nenhum respeito por ela. A verdade não é uma coisa que rola por aí, como dinheiro trocado; é algo para ser acalentada, acumulada e desembolsada apenas quando absolutamente necessário. O menor átomo da verdade representa a amarga labuta e agonia de algum homem; para cada pilha dela, há o túmulo de um bravo dono da verdade sobre algumas cinzas solitárias e uma alma fritando no Inferno.

 (H.L. Mencken)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sentido, fins e limites dos crimes contra a dignidade sexual

Os crimes sexuais constituem um dos capítulos mais interessantes e curiosos do direito penal, pleno, não raro, de paternalismo1, hipocrisia e preconceitos morais.

Aliás, no particular tão íntima é a relação entre direito e moral que é praticamente impossível precisar onde começa um e termina o outro.2 Justamente por isso, convém formular e responder, inicialmente, à seguinte pergunta, sobre os limites e fins da intervenção penal no campo da sexualidade: por que reprimir práticas sexuais, se a atividade sexual é (ainda) essencial à perpetuação da espécie? Ou, mais, por que punir algo tão necessário e útil (e mesmo prazeroso) à espécie?

A resposta mais provável seria: não se pune a atividade sexual em si mesma, mas a relação sexual violenta, não consentida ou indesejada, razão pela qual o que se busca proteger é a própria liberdade de autodeterminação sexual de homens e mulheres.3

Mas isso não é de todo exato, uma vez que em diversos momentos o legislador (no Brasil e no mundo) criminaliza, direta ou indiretamente, condutas sexuais não violentas e livremente consentidas, contrariamente à própria vontade dos sujeitos sexualmente envolvidos.

Parece-nos, pois, que, para além da autodeterminação sexual, o legislador, confessada ou inconfessadamente, pretende também ditar uma determinada moral sexual (dominante), que, segundo a sua perspectiva, seria a moral sexual saudável, honesta, digna, enfim.4

E mais, trata-se, em geral, de uma pretensão de moralização da sexualidade grandemente conservadora, anti-hedonista e pouco secular, que de algum modo vê o ato sexual como perigoso e capaz de corromper e degradar o sujeito. Cuida-se, enfim, de uma moral sexual que, a pretexto de ditar a moral sexual digna, parece não perceber que a atividade sexual é, antes de tudo, uma atividade fisiológica tão natural e necessária e prazerosa quanto qualquer outra, a exemplo de comer, beber etc.

Parece, enfim, que, apesar de tudo, o homem atual ainda se envergonha de sua sexualidade e por isso busca, com alguma freqüência, reprimir formas legítimas de manifestação da liberdade sexual ou que de nenhum modo lesionam bens jurídicos. Só assim se explica, aliás, o excesso de tipos penais sexuais e a previsão de crimes sem vítima ou mesmo irrelevantes.5

A história dos crimes sexuais é, em última análise, a história da secularização dos costumes e práticas sexuais.6 E é também uma parte significativa da repressão ao corpo e prazer, sobretudo repressão ao corpo e prazer femininos.7

De todo modo, temos que a intervenção penal no âmbito da sexualidade só faz sentido se se prestar à proteção da própria liberdade de autodeterminação sexual de adultos e à proteção do desenvolvimento pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral, isto é, só faz sentido quando vise a tutelar o indivíduo contra ações de terceiros (o Estado, inclusive) que violem o direito de toda pessoa humana de se relacionar ou não se relacionar sexualmente com quem quiser, quando quiser, se quiser, como quiser.8

Cumpre, por isso, não perder de vista que a dimensão sexual é apenas uma das possíveis formas de expressão da liberdade humana; logo, a liberdade (substantivo) há de vir primeiro; e o sexual (adjetivo), depois.

Afinal, os crimes sexuais são puníveis pelas mesmas razões que são puníveis os demais crimes: são condutas que importam numa grave violação à liberdade de outrem.

Consequentemente, o Estado não pode, a pretexto de afirmar a liberdade (ou dignidade) sexual, negá-la ou limitá-la sem uma justificação plausível.

Os crimes sexuais devem, por conseguinte, prestar-se a dois objetivos primordiais: proteger a liberdade individual de autodeterminar-se sexualmente e assegurar as condições necessárias ao desenvolvimento sexual pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral.9

E ainda que não seja o único bem jurídico tutelado, a liberdade sexual - entendida como a faculdade de toda pessoa humana de determinar-se autônoma e livremente quanto ao exercício de sua sexualidade10- constitui o interesse fundamental a ser protegido jurídico-penalmente e que deve, por isso, orientar todos os demais.

Exatamente por isso, deve ser objeto de descriminalização tudo quando não representar grave violação ao direito do próprio indivíduo de autodeterminar-se sexualmente.

Não fazem, pois, sentido, entre outros, os seguintes tipos penais: mediação para servir a lascívia de outrem (CP, art. 227), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (CP, art. 228), casa de prostituição (CP, art. 229), rufianismo (CP, art. 230), tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (CP, art. 231), tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (CP, art. 231-A), ato obsceno (CP, art. 233), escrito ou objeto obsceno (CP, art. 234).

É que nenhuma dessas infrações importa, em princípio, numa violação grave da liberdade de autodeterminação sexual, razão pela qual hão de ser abolidas. E mais, independentemente da descriminalização aqui proposta, eventuais abusos contra a liberdade são passíveis de configuração de outros delitos (v.g., seqüestro ou cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo etc.), especialmente no que diz respeito ao exercício da prostituição.

Finalmente, e conforme vimos (parte geral), o direito penal é a fortaleza e os canhões dos demais direitos (Alfonso de Castro), razão pela qual sua intervenção, como ultima ratio do controle social formal, há de pressupor o fracasso de outras instâncias de prevenção menos lesivas e socialmente mais adequadas.

1 Sobre o assunto, Heloisa Stellita. Paternalismo, moralismo e direito penal: alguns crimes suspeitos em nosso direito positivo. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 179, p.17-18, out. 2007.

2 Prova dessa confusão entre direito e moral está (também) no próprio tom dos comentaristas, pois em nenhum outro lugar se vê linguagem e comentários tão frequentemente duros e carregados de reprovação moral. Nelson Hungria, por exemplo, escreveu, a propósito da exploração da prostituição: “E esta é uma nota comum entre proxenetas, rufiões e traficantes de mulheres: todos corvejam em torno da libidinagem de outrem, ora como mediadores, fomentadores ou auxiliares, ora como especuladores parasitários. São moscas da mesma cloaca, vermes da mesma podridão (…). De tais indivíduos se pode dizer que são os espécimes mais abjetos do gênero humano. São tênias da prostituição, os parasitas do vil mercado dos prazeres sexuais.”. Por sua vez, Rogério Greco, referindo-se a esse mesmo trecho de Hungria, observa: “Genial a passagem escrita pelo maior penalista que o Brasil já conheceu. Se Hungria já se indignava com a existência do proxeneta tradicional, que diria ele a respeito daquele que, como ocorre nos dias de hoje, explora nossas crianças e adolescentes menores de 14 (catorze) anos? Esses, realmente, fazem parte da escória da sociedade.”. Direito Penal, cit., p. 544.

3 Jorge de Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.445) fala de autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa, relativamente aos crimes contra a liberdade sexual previstos no Código Penal português.

4De acordo com Vera Regina Pereira de Andrade, os tipos penais sexuais se prestam, em verdade, a proteger “a moral sexual dominante, e não a liberdade sexual feminina, que, por isso mesmo, é pervertida (a mulher que diz ‘não’ quer dizer ‘talvez’; a mulher que diz ‘talvez’ quer diz ‘sim’…), pois o sistema penal é ineficaz para proteger o livre exercício da sexualidade feminina e o domínio do próprio corpo”. Ainda de acordo com a referida autora, a intervenção penal é ineficaz e arbitrariamente seletiva, visto que “além da violência sexual representada por diversas condutas masculinas (estupro, assédio), a mulher torna-se vítima da violência institucional (plurifacetada) do sistema penal que expressa e reproduz a violência estrutural das relações sociais capitalistas (a desigualdade de classes) e patriarcais (a desigualdade de gêneros) de nossas sociedades e os estereótipos que elas criam e se recriam no sistema penal e são especialmente visíveis no campo da moral sexual dominante. Consequentemente, a criminalização de novas condutas sexuais só ilusoriamente representa um avanço do movimento feminista no Brasil ou que esteja defendendo melhor os interesses da mulher ou a construção de sua cidadania.” Sistema penal máximo x cidadania mínima. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, pp. 100 e 86.

5 Essa obsessão por reprimir práticas sexuais é antiga. Exemplo frisante disso é o Livro V das Ordenações Filipinas (1603-1830), que punia um sem número de condutas sexuais, tais como: “dos que cometem pecado de sodomia e com alimárias”; “do infiel que dorme com alguma cristã e do cristão que dorme com infiel”; “das que dormem com suas parentes e afins”; “do que dorme com mulher virgem ou viúva que estiver em poder de seu pai”; “do que dorme com mulher virgem ou viúva honesta”; “do que dorme com mulher casada” etc.

6 A propósito do tratamento da sexualidade no Islã, escreve Ayaan Hirsi Ali: “Afirmar que a opressão das mulheres nada tem a ver com o islã e é ‘apenas’ um costume tradicional consiste numa desonestidade intelectual, numa falácia. Os dois elementos são indissociáveis. O código de honra e vergonha pode ser tribal e pré-islâmico, nas suas origens, mas é hoje uma parte integral da religião e dos costumes do islã. Os assassinatos cometidos em nome da honra afirmam aquilo que os islã também afirma: que as mulheres são subordinadas aos homens e devem manter-se como propriedade sexual deles.”. Nômade. São Paulo: Companhias das Letras, 2011, p. 238.

7 Não é por acaso que até recentemente a doutrina entendia que mulher casada não podia ser vítima de estupro praticado pelo marido; que o casamento com o estuprador ou terceiro extinguia a punibilidade; que só a mulher honesta era passível de proteção por determinados tipos; que o homem podia matar a mulher em legítima defesa da honra, em virtude de adultério etc.

8 Como assinala Jorge de Figueiredo Dias, “cada pessoa adulta tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao (s) parceiro (s), também adulto (s), com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este (s) nelas consinta (m). Se e quando esta liberdade for lesada de forma importante a intervenção penal encontra-se legitimada e, mais do que isso, torna-se necessária.”. Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.445.

9De acordo com Francisco Muñoz Conde, quanto à proteção sexual de incapazes, o que se busca proteger é sua liberdade futura, isto é, a normal evolução e desenvolvimento de sua personalidade, para que, quando adulto, decida livremente sobre seu comportamento sexual; e no caso de incapaz ou deficiente mental, evitar que seja utilizado como objeto sexual de terceiros que abusem de sua situação para satisfazer seus desejos sexuais. Derecho Penal, parte especial. Valencia: Tirant lo blanch, 2010, p.217. Apesar disso, reconhece (idem, p. 218) que, no caso de menores, o exercício da sexualidade é proibido na medida em que pode afetar a evolução e desenvolvimento de sua personalidade e produzir alterações importantes que incidam em sua vida ou em seu equilíbrio psíquico no futuro. Certo é, porém, que esse presumido prejuízo ao desenvolvimento mental saudável não está comprovado cientificamente e, inclusive, quando não existe violência, pode, ao contrário, favorecer o desenvolvimento psíquico e uma maior afetividade nas relações interpessoais futuras.


 
10Tomás S. Vives Antón e outros. Derecho Penal, parte especial. Valencia: Tirant lo blanch, 2010, p.223

Professor, e se, sob coação para roubar, ele matar?

José Osterno Campos de Araújo
Procurador Regional da República
Mestre em Ciências Criminais
Professor do UniCEUB

Na sala de aula, após explicação e exemplo, a pergunta do aluno: “Professor, e se, sob coação para roubar, ele matar?”.

Tratava-se, na exposição, de culpabilidade, ou, melhor, de exigibilidade de conduta conforme o direito, ou, melhor ainda, de coação moral irresistível, na forma posta no artigo 22 do Código Penal.

O professor leu referido artigo 22 e exemplificou: “Imagine-se que Jonas sequestre o pai de Pedro e o próprio Pedro. Em seguida, diga a este: ‘Se você não for à Faculdade de Direito e roubar o banco ali localizado, eu mato seu pai. Dou-lhe 3 horas para me trazer o dinheiro. É pegar ou largar’”.

Sem opção, Pedro concorda com o crime.

Arma-se e - a sorte estava lhe ajudando – vê-se já dentro da agência bancária, onde, incontinenti, anuncia o assalto.

Ocorre que o segurança do banco, forte e intimorato, intervém, para evitar o crime. Com nervos destroçados, Pedro atira e o mata.

Afinal, era isso ou não teria o dinheiro. O morto, então, seria seu pai.

Pedro retorna ao cativeiro, onde entrega o produto do roubo a Jonas.

Aqui, a hora de se enfrentar a pergunta do aluno interessado: “Pelo havido latrocínio, detém Pedro responsabilidade penal, já que fora coagido para roubar?”.

A questão se cinge ao que se pode chamar de limites do mandato outorgado para atuação criminosa.

De fato, a questão trata da demarcação dos limites da coação imposta por Jonas a Pedro. Noutro dizer, estava na linha de previsibilidade normal da coação, para roubar, que o coagido, em sua atuação, pudesse, para realizar em plenitude o “mandato” criminoso, vir a matar, transformando, pois, o roubo em latrocínio?”.

No encalço de resposta, lança-se mão, pela pertinência, da normatividade do artigo 29 do Código Penal, mormente do que respeita à chamada cooperação dolosamente distinta, a saber: “Art. 29. Omissis. § 1º. Omissis. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Na hipótese, o latrocínio – sim - era plenamente previsível por Jonas, encontrando-se, pois, sua prática dentro dos limites do “mandato” criminoso por ele outorgado a Pedro, não se podendo dizer o mesmo de eventual estupro que Pedro viesse a cometer, ao roubar.

Em verdade, ao roubar o banco e matar o guarda, Pedro viu-se – no dizer popular – entre a cruz e a espada. A cruz, a morte do guarda; a espada, a de seu próprio pai.

Tinha, pois, Pedro, para salvar a vida do pai, que fazer tudo aquilo, e somente “tudo aquilo”, que fosse necessário para ter o dinheiro e entregá-lo a Jonas.

E foi somente o que fez: o necessário. Armou-se, roubou e matou, pela vida do pai cativo.

No caso, à míngua de culpabilidade, também em relação ao latrocínio, dada a inexigibilidade de conduta diversa, Pedro estaria isento de pena e a responsabilidade pelo havido roubo seguido de morte seria, integral e exclusiva, de Jonas, agente da coação, criminoso único, autor mediato.