sábado, 17 de dezembro de 2011

Em defesa de gerações mais éticas e mais íntegras

"Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. (...) Achava-me num deserto. A casa escura, triste; as pessoas tristes. Penso com horror nesse ermo, recordo-me de cemitérios e de ruínas mal-assombradas."

O trecho extraído do livro Infância, de Graciliano Ramos (1892-1953), poderia ser o relato de alguma das 6,5 milhões de crianças que anualmente, em pleno século 21, ainda são vítimas de violência doméstica no Brasil. Como o grande escritor alagoano, muitos hoje são os adultos que carregam as marcas da violência intrafamiliar. A memória não deixa apagar as cicatrizes justificadas pelo duplo vínculo: "Eu te bato, porque eu te amo".

Essas mensagens antagônicas, que muitas vezes pautam as relações humanas — os homens também fazem isso com as mulheres —, provocam a falta de reconhecimento e cisões na personalidade. Além disso, quem sofre agressões corre o risco de internalizar a violência contra si mesmo e de acreditar ser merecedor do tratamento cruel.

O uso da violência física na educação acaba por se configurar também num cículo vicioso, em que pais batem nos filhos, filhos batem nos irmãos e em colegas de escola, homens batem em suas namoradas, companheiras e esposas, que batem nos seus filhos. Mas é chegado o momento de promovermos mudanças positivas nas relações e de nos pautarmos não pela violência ou por constrangimentos, mas pelo respeito.

É nesse sentido que vem o Projeto de Lei nº 7.672/10, que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante. O grande desafio dessa etapa da história da humanidade é o resgate da condição humana, que foi coisificada numa sociedade mercantilizada.

A sociedade é mais ética quando as pessoas não têm que viver sob o medo de serem constrangidas, humilhadas. É importante, entretanto, frisar que não queremos interferir na educação que as famílias dão a seus filhos. Exposto na mídia de forma a minimizar a questão como Lei da Palmada, esse projeto não é uma afronta à família, como dizem alguns críticos. A nossa intenção é sensibilizar a sociedade sobre a importância de estabelecer limites, sim, para educar, mas sem a violência, que só diminui e anula o outro e não modifica estruturalmente o comportamento da vítima. A tortura despersonaliza o ser humano, e a vítima tende a ser pouco sincera. Se queremos uma sociedade ética, é essencial haver honestidade.

Quando houve a proibição do uso da palmatória, muitos professores se sentiram cerceados de exercer a educação. Hoje, já está legitimado na sociedade que a criança não pode sofrer violência física em nenhuma instituição. Urge agora que essa lógica de defesa dos direitos da criança e do adolescente entre também dentro de casa. Muitas mães que não admitem ninguém bater em seus filhos se permitem, todavia, espancá-los.

Um bom desenvolvimento implica que pais e cuidadores tenham a capacidade de exercer a sua autoridade, com amor e disciplina, sem precisar deixar marcas na pele e na alma das nossas crianças. Dessa forma, meninos e meninas se tornam adultos plenos, produtivos, solidários, bons cidadãos, bons pais e para sempre bons filhos. Não se formarão sob a óptica de que o mais forte pode dominar o mais frágil.

Outro ponto importante a ser frisado é que o projeto de lei não cria nenhum tipo de responsabilização nova, que não sejam as já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal. Não pretendemos punir os pais, mas sensibilizá-los sobre a importância de ter em casa relações mais afetivas, mais estruturantes. A maioria dos meninos que está na rua é foragida da violência doméstica.

A lei tem, portanto, caráter pedagógico, assegurando a implementação pelo Estado de políticas públicas para capacitar cuidadores, educadores e famílias para abolir a violência. É fundamental estabelecer limites, é certo, mas sem castigos corporais. Defendemos, assim, uma mudança no padrão de se educar as novas gerações, permitindo que elas sejam mais éticas, mais honestas, mais íntegras — seres com consciência crítica, capazes de enfrentar as injustiças e transformar o mundo. É hora de darmos uma resposta à angústia da mãe que nos pergunta: "Onde busco ajuda para parar de espancar a minha filha de quatro anos?".

Por Erika Kokay, Deputada (PT-DF), preside a comissão especial destinada a analisar o Projeto de Lei nº 7.672/10.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Contraditório, ampla defesa, direito de petição e ao juiz natural: questão de vida ou morte

Longe de ser um artigo, este texto é apenas uma nota de utilidade pública, ante o verdadeiro circo dos horrores que têm se tornado alguns concursos públicos no Brasil.

Essa semana fui surpreendido por um e-mail de uma ex-aluna, a qual, no último domingo (27/11/2011) se submeteu à prova objetiva para delegado de polícia do Estado de Minas Gerais, aplicada pela FUMARC – Fundação Mariana Resende Costa.

No e-mail, ela me solicitou auxílio para ajudá-la com uma questão de Direito Constitucional que foi cobrada na aludida avaliação. É a questão nº 05 de ambos os cadernos de prova, que diz:

Tipo de prova 1

(http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/01_delegado_de_policia_acadepol_tipo_1-20111129-104253.pdf)

QUESTÃO 05

Com base no “caput” do art. 5º da Constituição Federal, pode-se indicar como desdobramentos do direito a vida, RESPECTIVAMENTE:

a) a liberdade de associação, de reunião, de crença religiosa, de expressão, de pensamento.

b) o direito de herança, de propriedade, de sucessão de bens de estrangeiros situados no País.

c) o direito do contraditório, da ampla defesa, de petição, do juiz natural.

d) o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

Tipo de prova 2

(http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/01_delegado_de_policia_acadepol_tipo_2-20111129-104304.pdf)

QUESTÃO 05

a) o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

b) o direito do contraditório, da ampla defesa, de petição, do juiz natural.

c) o direito de herança, de propriedade, de sucessão de bens de estrangeiros situados no País.

d) a liberdade de associação, de reunião, de crença religiosa, de expressão, de pensamento.

Percebam que as questões são idênticas, tendo a banca examinadora apenas alterado a ordem das alternativas.

Pois bem. Aquele que se interessar a consultar as provas e gabaritos divulgados terão uma desagradável surpresa, a qual, para o bem da ciência jurídica, esperamos que tenha sido apenas um “deslize” na elaboração do gabarito.

No caso do tipo de prova 1, a FUMARC disponibilizou em seu gabarito a alternativa “c” como sendo a correta e, seguindo a lógica, no tipo de prova 2, a letra “b” como alternativa correta (http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/delegado-20111129-102754.pdf).

Socorro!!!

Desde quando o direito ao contraditório, à ampla defesa, direito de petição e ao juiz natural são desdobramentos do direito à vida, nos termos do caput do art. 5º da CF/88? Ninguém me avisou isso na faculdade ou em qualquer livro de Direito Constitucional que eu já li (e olha que já li José Afonso da Silva, Kildare Gonçalves Carvalho, Paulo Bonavides, Gilmar Mendes etc.)! E parece que os milhares de candidatos que se submeteram às mesmas provas também não foram avisados disso, como podemos notar nesta conhecida página que abriga tópicos de discussão sobre concursos no Brasil (http://forum.concursos.correioweb.com.br/viewtopic.php?p=6438354&sid=80868d1a86d1c349a7c4bc2d97cdb7a2)

Já que mencionei o prof. José Afonso da Silva, vejamos o que ele nos diz sobre o direito à vida: “vida, no texto constitucional, (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto – atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva”. E prossegue discorrendo sobre o direito à existência, como sendo o “direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo” (In Curso de Direito Constitucional Positivo, 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 194 – 195).

Para não cometer injustiças, já que citei o prof. Kildare Gonçalves Carvalho, são suas palavras: “o primeiro direito do homem consiste no direito à vida, condicionador de todos os demais. Desde a concepção até a morte natural, o homem tem o direito à existência, não só biológica como também moral (a Constituição estabelece como um dos fundamentos do Estado a ‘dignidade da pessoa humana’ – art. 1º, III).”

O candidato poderia, então, indagar: mas, se o direito à vida condiciona os demais, como dito pelo eminente constitucionalista, o contraditório, a ampla defesa, o direito de petição e ao juiz natural são, sim, desdobramentos do direito à vida e, portanto, tal assertiva estaria correta.

Pois bem. Se o direito à vida, de fato condiciona os demais, essa premissa não está errada. Porém, dentro da proposta da banca examinadora, se assim fosse, todas as demais alternativas da questão também estariam corretas, por dedução lógica!

Contudo, estamos diante de uma avaliação objetiva. Sobre isso, já tive a oportunidade de escrever um artigo, intitulado “Do controle jurisdicional de questões objetivas em concursos públicos”, em que ponderei:

De modo geral, é comum que as questões de múltipla escolha ou aquelas em que se faz uma afirmação, como é comum nas provas elaboradas pelo CESPE/UNB, não abordem temas de alta indagação e controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, uma vez que devem (ou ao menos deveriam) possuir conteúdo bem delineado na legislação, bem como, se for o caso, versar sobre posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais pacíficos, de modo a justificar sua denominação: questão objetiva. Do contrário, o examinador estaria avaliando os conhecimentos do candidato em campo inapropriado para tanto, na medida em que, conhecer os posicionamentos controversos dos estudiosos do Direito e dos órgãos jurisdicionais demanda maior articulação por parte do candidato, não cabendo no campo restrito de uma questão objetiva (http://atualidadesdodireito.com.br/vitorguglinski/2011/11/20/do-controle-jurisdicional-de-questoes-objetivas-em-concursos-publicos/#more-38).

Poderíamos conjeturar durante séculos sobre as questões metajurídicas envolvendo o assunto, discutindo sobre todos os campos da existência humana sobre os quais o direito à vida irradia sua influência. Contudo, não é em uma avaliação objetiva que isso deve ser discutido, uma vez que não há margem para argumentação em uma questão de múltipla escolha.

É óbvio, caro leitor, que a assertiva correta na questão examinada é aquela que aponta como desdobramentos do direito à vida o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

Vejamos o que dizem Celso Spitzcovsky e Leda Pereira da Mota sobre o assunto, elencando as hipóteses não exaustivas (numerus apertus) do texto constitucional:

Como desdobramento, torna-se proibida a ampliação de pena de morte no Brasil, ressalvada a exceção estabelecida pelo próprio Constituinte originário no art. 5º, XLVII, vale dizer, guerra declarada (…)

O segundo desdobramento do direito à vida diz respeito às “condições mínimas de sobrevivência”, aqui podendo ser incluído o direito ao trabalho remunerado, habitação, saúde, alimentação, educação, lazer etc. (…)

Por fim, tem-se o direito a um tratamento digno por parte do Estado, que se materializa, entre outras coisas, pela proibição de tortura, de penas cruéis ou degradantes. (..)

Também entre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos podem-se encontrar novos desdobramentos, quando então a Constituição não só proíbe explicitamente a prática de tortura, como a define como crime, estipulando, inclusive, aqueles que responderão por ele.

É o que se verifica da leitura dos incs. III, XLIII e XLIX do art. 5.º:

“Art. 5.º (…)

(…)

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(…)

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

(…)

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (SPITZCOVSKY, Celso; MOTA, Leda Pereira da. Direito Constitucional, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, pp. 383-386).

Por fim, o leitor mais atento poderá indagar: mas, e a proibição de venda de órgãos? Essa hipótese não está expressa no art. 5º da CF/88!

Muito bem. Ocorre que deve-se atentar para o disposto no § 2º do art. 5º da CF/88, cuja dicção é: § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Tendo em vista que a dignidade humana é tida como princípio reitor da Constituição Federal, a venda de órgãos atentaria contra tal princípio, com a potencialidade de estimular o mercado negro de comércio de órgãos, desencadeando matanças com essa finalidade. Aliás, não faz muito tempo que a mídia noticiou alguns casos a respeito.

Destarte, não se pode deixar de proceder a uma análise sistemática e teleológica do princípio da dignidade humana e do direito à vida. Como dito anteriormente, se formos considerar a alternativa apontada pelos gabaritos fornecidos pela FUMARC como sendo a correta, dever-se-á também considerar as demais e, se assim for, a questão deveria ser anulada, por multiplicidade de respostas corretas. Contudo, de modo a preservar a própria veracidade do texto constitucional, o correto seria a alteração do gabarito, considerando como desdobramentos do direito à vida o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e das penas cruéis, a proibição da venda de órgãos.

Manter como corretos os gabaritos divulgados beira a esquizofrenia.


Vitor Guglinski.

Fontes do Direito Penal (Imediatas e Mediatas)

Fontes Formais (Imediatas e mediatas)

Você já sabe quem é competente para produzir leis penais. A lei penal fora criada e está “estática”. Muito bem. Ocorre que quando o sujeito pratica um ilícito penal, o Estado tem de aplicar imediatamente, uma norma penal. Daí o surgimento das fontes formais. As normas penais podem ser imediatas e mediatas. Vejamos:

a) Imediatas – São as leis penais. Classificam-se em:

Normas penais incriminadoras: são aquelas estabelecidas no código penal ou leis penais especiais, que descrevem o crime. Essas normas possuem dois preceitos: primário (descreve o crime) e secundário (comina a pena).

Não incriminadoras: o nome é bastante sugestivo, não vão incriminar. Podem ser:

- a) permissivas justificantes (excludentes de ilicitude / antijuridicidade, art. 23, CP) e exculpantes (excludentes de culpabilidade. Ex: art. 26, caput, CP);

- b) explicativas (o legislador apenas explica, conceitua. Ex: art. 327, CP); e

- c) complementares (uma norma complementa a outra. Ex: o art. 68 complementa o artigo 59 do CP). Em momento oportuno estudaremos as referidas normas. Coloquei-as, apenas, para você saber quais são as fontes formais. Apenas para iniciarmos a estrutura do seu estudo.

b) Mediatas

Antes de tudo, deve saber e jamais esquecer que as fontes mediatas não criam leis, não revogam leis. Para isso há um processo legislativo. Mas professor, para que servem? Caro aluno, servem para integrar a norma. Servem, apenas, para auxiliar ao intérprete. São chamadas de aporia ou colmatação. As fontes mediatas são: analogia, costumes e princípios gerais do direito.

- Analogia: Deve-se observar que não existe analogia de norma penal incriminadora – in malem partem. Utiliza-se analogia apenas para beneficiar o acusado – in bonam partem. Mas que eu é analogia? É a análise por semelhança. É aplicar a alguma hipótese não prevista em lei, lei relativa ao caso semelhante. Mas não entendi, pode exemplificar? Sim, é claro. Vamos lá: Ex: você sabe que o art. 128 do CP prevê as hipóteses legais de abortamento. A hipótese mais clássica é aquela em que a mulher é vitima é estupro e fica grávida. A lei, nesse caso, admite a manobra abortiva. Mas o legislador impôs requisitos, quais sejam: que haja consentimento da gestante e seja realizado por médico. Isto é, não o abortamento não for realizado por médico, o agente que o praticou responderá pelo crime de aborto, ok? Mas imaginemos que Eva tenha ficado grávida em decorrência do estupro. E Eva mora em cidade longínqua que não há médico na região; há, apenas, uma parteira. Eva procura a parteira e esta realiza a manobra abortiva. Ocorre que a parteira responderá pelo crime de aborto, porque o legislador disse que tem de ser praticado apenas por médico. Para que não ocorra injustiça, teremos de fazer o uso da analogia, in bonam partem, para beneficiar a parteira.

- Costumes: Trata-se do conjunto de normas de comportamento que as pessoas obedecem de forma constante e uniforme, pela convicção de sua obrigatoriedade. Costume há obrigatoriedade; hábito não há obrigatoriedade. Obs.: os costumes não criam delitos, pois há o princípio da reserva legal. Servem, apenas, para integrar a lei penal. Ex: se uma garota for à praia com um biquíni extremamente curto, por nada responderá, pois está-se diante de um insignificante jurídico. Mas pergunto, e se essa garota entrar com essa mesma vestimenta em um Tribunal? Provavelmente enfrentará problemas.

- Princípios gerais do direito: São premissas éticas extraídas da lei, que orientam a compreensão do ordenamento jurídico para melhor elaboração, aplicação e integração das normas. Exemplifique professor. Sim. Vamos lá:
a) aos acusados em geral devem ser assegurados o contraditório e a ampla devesa;
b) ninguém será considerado culpado antes do transito em julgado de sentença penal condenatória, que trata do princípio da inocência;
c) ninguém é obrigado a produzir prova contra si, que decorre do direito ao silêncio etc.

Rodrigo Castello.

Natureza jurídica da imunidade

Imunidade Diplomática (regulada pela Convenção de Viena de 1961 das Relações diplomáticas) – não podendo o Diplomata ser processado – IMUNIDADE ABSOLUTA, ou seja, extensiva aos seus familiares.


Qual a natureza jurídica da imunidade?A natureza jurídica da imunidade é causa de exclusão da jurisdição da lei brasileira. Isto é, não exclui o crime, tampouco a pena.

A embaixada estrangeira situada no Brasil é território nacional?

Cuidado com essa pergunta, ok? Deve responder que sim, portanto se ocorrer um crime praticado por quem não tem imunidade, aplica-se a lei brasileira. Deve-se observar que a embaixada tem inviolabilidade, não podendo ninguém nela entrar sem autorização do embaixador, exceto em flagrante delito ou desastre.

Rodrigo Castello.

Princípio da ultra-atividade da lei penal.

Princípio da ultra-atividade


Pode ocorrer, ainda, a ultra-atividade da lei mais benéfica. Ex: Paulo praticou o crime na vigência da lei “A”, (mais benéfica), posteriormente revogada pela Lei “B” (prejudicial). Neste caso a lei “A” se projetará no tempo e produzirá seus efeitos na vigência na Lei “B”.

Questão de concurso

Antônio, quando ainda em vigou o inciso VII, do art. 107, do Código Penal, que contemplava como causa extintiva de punibilidade o casamento da ofendida com o agente, posteriormente revogado pela Lei n. 11.106, publicada no dia 29 de março de 2005, estuprou Maria, com a qual veio a casar em 30 de setembro de 2005. O juiz, ao proferir a sentença, julgou extinta a punibilidade de Antônio, em razão do casamento com Maria, fundamentando tal decisão no dispositivo revogado (art. 107, VII, do Código Penal), vez que por força do princípio da ultratividade da lei mais benéfica.

“Abolitio Criminis”

ABOLITIO CRIMINIS (Art. 2º, CP)

Art. 2.º Ninguém pode ser punido por fato de que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais (civis não) da sentença condenatória.

Quando a nova lei deixa de considerar um fato até então criminoso. Isto é, um indiferente penal. Ex: a lei 11.106/05 revogou o crime de adultério.

A natureza jurídica da abolitio criminis é causa de extinção de punibilidade (art. 107, III, CP). Observa-se que os efeitos civis permanecem (obrigação de reparar o dano).

Você deve saber, também, que o juízo que julga o processo, até o transito em julgado, é chamado de juízo da condenação, da causa, do processo. Já o juízo que cuida do processo na fase de execução, após o transito em julgado, é chamado de juízo das execuções. Dissemos isso porque não é rara a formulação da seguinte pergunta: Quem aplica a abolitio criminis após o trânsito em julgado? A resposta você encontrará na Súmula 611 do STF.

Súmula 611 – STF: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna.

Crime complexo FALSO

Crime complexo falso

Sabe-se que o crime complexo é a fusão de dois fatos típicos. Ex: art. 155 (furto) + art. 146 (constrangimento ilegal) = art. 157 (Roubo). Mas, agora, o que seria o crime complexo falso?. Falso razão da fusão de um fato típico e outro atípico. Ex: Art. 213 (estupro). Perceba que manter relação sexual com alguém, sem violência, sem grave ameaça ou sem utilização de qualquer meio que impossibilite ou reduza a capacidade de resistência da vítima, não é crime – insignificante jurídico. Agora, se o agante, além da relação sexual, empregar violência ou grave ameaça – art. 146 (constrangimento ilegal) = art. 213. Então 146 (constangimento) + fato atípico (relação sexual) = art. 213 (estupro).

TIPICIDADE CONGLOBANTE DE ZAFFARONI


BOBBIO. O Direito é um sistema. Não pode haver normas incompatíveis.

O corpo humano é constituído por diversas partes que são inter-relacionadas, ou seja, umas dependem das outras. Cada sistema, cada órgão é responsável por uma ou mais atividades. Tem-se os sistemas circulatório, digestório, reprodutor, etc. Quanto ao Direito, deve-se entender da mesma forma. Ele é uno. Divide-se em matérias apenas para facilitar. Mas todas as normas têm de ser compatíveis. Uma não pode incriminar e outra fomentar.

Ainda que haja um enquadramento formal, não haverá tipicidade, quando a prática do fato tiver sido ordenada ou fomentada pelo ordenamento jurídico, pelo direito. Para o mestre Zafarone, o estrito cumprimento do dever legal, exclui a tipicidade. Ex: o médico realiza no doente uma cirurgia cardíaca com sucesso, diante de um perigo atual.

Policial que comete furto de bombom tem direito ao princípio da insignificância?

Posição do STJ:

Para o Superior Tribunal de Justiça, o furto de uma caixa de bombons por um policial militar não pode ser insignificante. De acordo com a Quinta Turma, apesar de economicamente inexpressiva a lesão jurídica, há alto grau de reprovação na conduta do policial.

Posição do STF:

O mesmo fato foi analisado pela Segunda Turma do STF. Desta vez, ante o empate na votação, decidiu-se pela aplicação do princípio. De um lado, ponderou-se o valor do bem furtado (ínfimo). Mas o argumento dos Ministros que indeferiam a ordem no Habeas Corpus é a reprovação da conduta do autor do fato que, por representar uma instituição, não poderia dar o mau exemplo enquanto fardado.

Fonte:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. HC 192.242-MG, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 22/3/2011. Disponível no Informativo de Jurisprudência 467. Acesso em 15 dez. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. HC 108373/MG, Rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, Red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes. Julgado em 06 dez. 2011. Disponível no Informativo de Jurisprudência 651. Acesso em 15 dez. 2011.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

27% dos brasileiros não confiam nada na Polícia Militar

Medir o grau de confiança nas instituições estatais, sobretudo nas que visam a tutelar a segurança, é de extrema importância em um Estado democrático, vez que legitima a atuação de seus agentes no cotidiano da população.

Dentre os levantamentos divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2011 (disponibilizado no Fórum Brasileiro de Segurança Pública), há o que aferiu a Percepção dos Brasileiros sobre Polícia e Segurança Pública, do Sistema de Indicadores de Percepção Social 2010 do IPEA, cujo resultado foi de que 27% da população com mais de 18 anos não confia na Polícia Militar.

Considerados os que confiam na PM, apenas 4,2% confiam muito, 25,1% confiam e 43% confiam pouco. O interessante é que o grau de desconfiança diminui à medida que a idade do cidadão aumenta. Nesse sentido, 34,4% dos jovens entre 18 e 24 anos não confiam na PM, enquanto que apenas 19,7% dos respondentes com 55 anos ou mais não confiam.

Uma das razões para que os jovens não confiem na Polícia, segundo o Anuário, é que eles representam a maior parcela de autores e vítimas de crimes violentos, o que altera sua percepção. Conforme dados do Datasus (Ministério da Saúde), os jovens entre 15 e 29 anos representaram 54,1% das vítimas de homicídio em 2009 (Veja: O extermínio diário da adolescência brasileira: 11 assassinatos por dia e Homens e jovens: principais vítimas de homicídio no país).

Parte dessa desconfiança surge da insegurança (e não segurança) causada pela atuação policial violenta e agressiva no combate aos delitos, onde há enfrentamentos e trocas de tiros, que por vezes envolvem até inocentes, resultando em mortes por todos os lados.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, nos últimos cinco anos (2007/2011), houve um aumento de 13,65% no número de resistências seguidas de morte envolvendo a Polícia Militar. Só na atuação da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) houve um aumento de 63% no mesmo período (O Estado de São Paulo).

Dessa forma, se justifica que a credibilidade da Polícia junto à população seja atingida. Contudo, a falta de confiança da sociedade em seus órgãos e instituições evidencia o equívoco na forma como o Estado lida com suas mazelas, requerendo formas de atuação mais eficazes e menos desastrosas.

A violenta e sangrenta polícia militar programada pelo Estado brasileiro, para fazer à nossa guerra civil (não declarada), ignora completamente uma realidade cruel que é a seguinte: o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e esse é um dos maiores combustíveis na nossa “fábrica” de violência. O Gini, índice que mede a desigualdade social, varia de 0 – 1: quanto mais próximo de 0 mais igualitária é a sociedade. Assim, os índices considerados altos são os que estão a partir de 0,45. O Gini do Brasil é de 0,56, ou seja, a desigualdade no país é muito alta.

Desigualdade alta significa não só a existência de muita gente que é só corpo (sem conhecimento útil incorporado), como a sua desconsideração, chegando ao extremo da sua fácil eliminação, por se tratar de um descartável (economicamente, por não ser consumidor, e fisicamente por não ter conhecimento incorporado). Some-se a isso o nosso ancestral autoritarismo, assim como o controle social militarizado violento. Tudo isso explica porque o Brasil é o campeão mundial em homicídios, em números absolutos (51 mil mortes em 2009).


Luiz Flávio Gomes: Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001);

Mariana Cury Bunduky.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Síndrome da Alienação Parental

O tema da Síndrome da Alienação Parental, embora não seja recente no mundo da psicologia, foi abordado pela legislação brasileira apenas em 2010.

Antes

A dificuldade de se manter um ambiente saudável para os filhos após o divórcio já foi objeto de regulamentação legislativa em 2008.

A Lei 11.698/08 alterou a redação de dois artigos do Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

Entende-se por guarda compartilhada a “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1583, CC).

Depois

Em 2010, no entanto, a Lei 12.318 veio dispor sobre a alienação parental, assim entendida como a interferência na formação psicológica do menor para que repudie seu genitor ou outra forma que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

O comportamento denominado de SAP (Síndrome de Alienação Parental), pelo psicólogo americano Richard Gardner (1985), tem sido abordado pelo Judiciário, principalmente, em hipóteses nas quais um dos genitores muda-se do local onde residia para dificultar ou evitar que o outro possa continuar mantendo contato com o menor.

O STJ já se posicionou, nestas hipóteses, que em conflito de competência aplica-se o Código de Processo Civil (art. 87) em detrimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 147, I), excepcionalmente, quando é clara “a existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da mãe com o único intuito de deslocar artificialmente o feito”.

Fonte:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Alienação parental: Judiciário não deve ser a primeira opção, mas a questão já chegou aos tribunais. Disponível em: http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103980. Acesso em 28 nov. 2011.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Qual a diferença entre a plenitude de defesa e a ampla defesa?

Partimos do pressuposto de que se o constituinte atribuiu expressamente denominações distintas, é porque realmente pretendia distinguir.

Ambas as expressões estão contidas no rol dos direitos e garantias fundamentais:

Art. 5º (…)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

(…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

A plenitude de defesa é aquela atribuída ao acusado de crime doloso contra a vida, no Plenário do Júri e, vale dizer, é bem mais “ampla” do que a ampla defesa garantida a todos os litigantes em processo judicial ou administrativo.

Na plenitude de defesa, a defesa técnica e a autodefesa possuem total liberdade de argumentos, não se limitando aos jurídicos.

Daí porque no Tribunal do Júri são invocados argumentos que saem da esfera jurídica, em razão da plenitude de defesa.

E isso se justifica pelo juiz natural do Tribunal do Júri, que são cidadãos leigos. É que aquele que pratica crime doloso contra a vida deve ser julgado pelos seus pares.


LUIZ FLÁVIO GOMES