No último dia 28 de outubro, estudantes ocuparam um prédio da USP, na cidade universitária, como reação a um confronto tido com a polícia militar.
Os policiais militares teriam abordado três estudantes de história que estavam consumindo substância entorpecente de caráter ilícito (cannabis sativa), mais especificamente maconha.
Como o fato ocorreu no dia do funcionário público (28.10.2011), a assessoria da USP não foi encontrada para se pronunciar.
Em contrapartida, os policiais informam que o confronto somente iniciou porque os estudantes investiram violentamente contra o carro em que estava o delegado de polícia, quebrando vidros e gerando danos na lataria, quando do cerceamento dos usuários.
Desse episódio podemos levantar uma quantidade interessante de temas de direito penal e processo penal, dentre os quais nos limitaremos rapidamente (i) a ideia da justiça terapêutica, (ii) a lógica do flagrante nos delitos sem sujeito passivo imediato; (iii) o equivocado conceito de não circunscrição policial em certos territórios; e (iv) o debate sobre o caráter de progressão criminosa no delito de porte de entorpecente.
A justiça terapêutica vem como reação à lógica de que um usuário de entorpecente é um sujeito ativo de delito, fazendo com que este migre para uma figura mista de sujeição passiva. Linhas gerais, a linha de pensamento conclui pelo fato de que a pena com finalidade exclusivamente retributiva gerará uma potencialização da problemática social, fazendo com que a prevenção (geral ou individual) torne-se remota, em alguns casos.
Como solução, algumas correntes: alguns pela descriminalização do porte, outros pela opção do sujeito entre uma pena ou um tratamento e, ainda, outros somente pelo tratamento.
Ocorre que o CPP, ao criar a lógica da flagrância, desconsidera o resultado processual adiante ou a raiz criminológica da conduta, fazendo com que, qualquer que seja o delito ou sua consequência processual, ambos tenham o mesmo modo de tratamento genérico pela polícia: a repressão imediata.
Afora os casos de flagrante esperado, na maior parte dos casos de flagrante ensejam intervenção pontual e cessação imediata da conduta.
Ocorre, porém, que o usuário – vítima na justiça terapêutica – está convencido de que o caráter de sua atitude é não lesivo à sociedade e reage. E um segmento doutrinário está a seu lado.
Não seria o caso de que houvesse, nos delitos que ensejam a tal terapia, uma abordagem diferenciada por parte da polícia repressora? O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana não deveria aliar-se à lógica do delito autolesivo e legitimar uma abordagem especial por parte da polícia em tais delitos? Afinal, as penalidades resultantes de tal conduta demonstram que o abordado pelo flagrante não é senão um sujeito ativo-passivo…
Quando a polícia agride ou age de modo truculento, não estará ela gerando uma segunda vitimização naquele que já precisa de tratamento?
As passeatas (estudantis, inclusive) pela descriminalização da conduta de porte de entorpecente são corriqueiras. Isso faz com que os cidadãos questionem se a conduta do artigo 28 da lei no. 11.343/06 está em acordo com o Princípio da Adequação Social e, por que não, com a lógica da legalidade material.
Com base nisso e por causa de nossas reminiscências da ditadura militar (somatizadas com os filmes de Hollywood que geram a síndrome de mesmo nome) seria possível argumentar que os jovens estudantes reagem porquanto creem-se “legitimados” por uma contra cultura ou por um movimento popular de repensar-se tipicidade material.
Não que isso justifique a ideia equivocada que faz com que a USP seja conhecida por ser um espaço de não intervenção policial, inviolável aos moldes da PUC-SP.
A política criminal de não ação da polícia militar na cidade universitária é meramente política, não jurídica. Assim como a não intervenção em embaixadas e consulados, conhecidamente território nacional, sob jurisdição brasileira, mas onde vigora uma sensação indevida de país estrangeiro.
Finalmente, a ideia da teoria da vidraça quebrada de Wilson. É uma teoria que leva em conta o fato de que devemos cuidar das pequenas mazelas sociais assim que elas surgem sob pena de, descuidadas, estas se desenvolverem em mazelas cada vez maiores e mais graves. Uma espécie de progressão criminosa histórica em que a cada etapa sucessiva ao primeiro delito, outros e mais graves surgem.
Nessa toada, a política de tolerância zero argumenta que o portador de entorpecente deve ser imediatamente tratado para não se tornar um delinquente futuro, violador de bens jurídicos alheios. Nesse sentido, a aplicação da justiça terapêutica aos usuários de
entorpecentes seria obrigatória e impositiva, num excesso paternalista.
Data maxima venia, a presunção de evolução criminal da teoria da vidraça quebrada parece-nos carecer de base científica.
No mais, cremos que a ideologia terapêutica justificante da mudança da legislação de entorpecentes deixou de desintoxicar, em conjunto, o processo penal e a força policial excessiva.
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