quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Lutando contra moinhos de ventos

Vê lá, amigo Sancho Pança, aqueles trinta
ou poucos mais desaforados gigantes.
Que gigantes?- disse Sancho Pança.
Não são gigantes, e sim moinhos de ventos.

O clássico livro escrito por Miguel de Cervantes é realmente único. Na épica batalha mencionada acima, Dom Quixote parte desenfreado para atacar dezenas de moinhos de ventos. Nosso cavaleiro andante, para muitos um louco desvairado, enfrenta diversas batalhas pelo simples significado da luta por um ideal e por princípios, independentemente da vitória ou da derrota. Ao todo, no único livro que Cervantes publicou na vida, o cavaleiro, juntamente com o seu fiel escudeiro Sancho Pança, participa de 40 batalhas, vencendo 20 e perdendo outras 20.

Desta forma, o escritor cria uma complexa relativização da vitória e da derrota, demonstrando que o principal é a própria luta, e não o seu resultado. A luta faz, e deve sempre fazer, parte do ser humano e de uma sociedade. Mesmo uma luta que para muitos possa parecer sem grandes significados. Quando lutamos por uma saúde digna, contra a corrupção, por uma educação de qualidade, por mais humanidade, por liberdade, pelo meio ambiente, entre tantas outras batalhas, lutamos, muitas vezes, contra um sistema de imposições muito injusto, desigual e cruel, e contra o qual talvez possamos lutar por uma vida inteira sem nunca vencer. Quando lutamos, lutamos não só por nós mesmos, mas principalmente por toda a humanidade.

Quando defendemos qualquer coisa na qual acreditamos, devemos nos alegrar pelo simples motivo de lutar, de tentar, de sofrer tentando, de perder ou vencer. Não é a vitória ou a derrota que move um lutador. O que move um lutador é um ideal, são princípios, por mais louco que possa parecer para alguns.

As palavras do escritor “quixotesco” Darcy Ribeiro são das poucas que conseguem expressar minimamente a importância da luta pelo que se acredita, em que pese vencer ou não: “Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Lutemos, então, por tudo aquilo que acreditamos, mesmo que estejamos lutando contra moinhos de ventos!
 
Por Rodrigo Puggina
Manual sobre armas de fogo - Para operadores de Direito

Autor: Felício Soares (Promotor de Justiça - MP/TO)

Editora: Impetus



Ano: 2011

O autor compilou, em um único volume, material teórico-prático das diversas vertentes sobre armas de fogo, assunto de conhecimento imprescindível para quem trabalha na área criminal (membros do Ministério Público e da Magistratura, Delegados de Polícia, Advogados, Defensores, Peritos etc).

Felício Soares aborda Balística forense, Medicina Legal, aspectos administrativos e doutrina sobre legislação criminal (sob uma vertente ainda inédita no mercado editorial), entre outros assuntos.

A obra traz, ainda, sugestões de quesitos para cada aspecto pericial analisado, proporcionando ao operador do Direito obter base teórica para uma interpretação precisa sobre fatos que envolvem a dinâmica de armas de fogo; o que resulta na sustentação (ou refutação) de uma tese, baseada em técnicas científicas das mais modernas.

Além de vasta compilação de jurisprudência dos tribunais superiores e da principal legislação sobre o tema, a obra já vem atualizada pela recente reforma processual sobre medidas cautelares (Lei Federal nº 12.403/2011).

HC: deve ser restringido o seu uso?


STJ e STF estão diante de um impasse no tema habeas corpus.

Majoritariamente, a Segunda Turma do STF entendeu que o STJ deve conhecer de habeas corpus, independemente de “esgotamento de vias recursais”. Por outro lado, o STJ sustenta a não banalização do writ constitucional.

Recentes decisões demonstram a discordância no posicionamento das altas cortes nacionais.

Ao julgar o HC 110.118/MS (22.11.11), os Ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ayres Britto entenderam que o STJ deve conhecer de habeas corpus, ainda que a defesa do paciente não tenha interposto REsp no STJ e RE no STF. Isso porque, o habeas corpus é um dos mais caros remédios constitucionais a preservar o regime democrático.

Votou em sentido contrário, no entanto, o Ministro Ricardo Lewandowski para quem o uso do HC deve ser visto numa compreensão de racionalidade recursal e economia processual, evitando-se a sua “vulgarização”.

Concomitantemente, noticiou-se na página do Tribunal da Cidadania (linkar) julgamento proferido nos autos do HC 201.483/SP (27.10.11), relatado pelo Min. Gilson Dipp, cujo posicionamento firmado foi: Habeas corpus que tenta substituir recurso especial não pode ser conhecido.

Para a Quinta Turma do STJ, “deve-se prestigiar a função constitucional excepcional do habeas corpus, evitando sua utilização indiscriminada, sob pena de desmoralizar o sistema ordinário de recursos”.

Razão assiste ao STF. A função constitucional essencial do HC é que deve ser prestigiada, porque ele tutela a liberdade de locomoção. Os recursos são necessários, mas muito morosos. Quando se trata da liberdade, o tempo não espera. Cada dia ou cada hora dentro de um presídio, sabendo-se que a prisão é ilegal, é uma tortura inqualificável. Não deveria nunca o HC ser restringido, sim, preservado em sua função de tutela da liberdade. O posicionamento do STJ viola o princípio da vedação de retrocesso. Se o direito brasileiro conquistou determinado patamar em matéria de proteção da liberdade, não pode agora retroceder. Em matéria de direitos humanos, depois de atingido um determinado “status” não se pode retroagir.


LUIZ FLÁVIO GOMES.





Homens e jovens: principais vítimas de homicídio no país

O Brasil está explodindo no item violência (campeão do mundo em 2009 em homicídios, considerando-se os números absolutos), enquanto a Europa experimentou, desde o século XVII, uma drástica redução dos homicídios. Por quê? São várias as causas, como bem aponta Robert Muchembled (Una historia de la violência): diminuição dos conflitos, mudança no conceito de honra, apaziguamento das relações humanas e civilização dos costumes (Norbert Elias) etc.

Todos esses fatores redutores da violência funcionam ao contrário no nosso país. Os últimos dados dos homicídios no Brasil (Datasus – Ministério da Saúde), referentes ao ano de 2009, levando-se em consideração o gênero e a idade, bem revelam quais são os tipos de pessoas mais atingidas.

Dos 51.434 homicídios contabilizados em 2009, a esmagadora maioria, mais especificamente 47.109, foram praticados contra homens. Ou seja, 91,6% do total foram praticados contra pessoas do sexo masculino. Apenas uma pequena parte (8,3% ou 4.260 mortes) atingiu as mulheres. Observa-se, então, uma grande discrepância relacionada ao sexo da vítima.

No tocante à faixa etária, o Brasil adota um padrão internacional relacionado a fatores sociais e históricos, no qual são considerados jovens os indivíduos com idade entre 15 a 29 anos, sendo considerados “adolescentes-jovens” aqueles que têm entre 15 e 17 anos, “jovens-jovens” aqueles com idade entre 18 e 24 anos e os “jovens adultos” os que têm entre 24 e 29 anos.

Dessa forma, os jovens, assim considerados pela Secretaria Nacional da Juventude (pag. 5), indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, representaram 54% do total de assassinados em 2009.

Demonstrou-se também que a faixa etária de 20 a 29 anos (“jovens adultos”) foi a mais atingida, representando 39,5% do total.

Unindo-se os dois critérios (sexo masculino + jovens: indivíduos com idade entre 15 e 29 anos) chegou-se a um total de 25.967 mortos, ou 50% de todos os homicídios.

Exemplo triste dessa realidade foi o assassinato do filho do coreógrafo Carlinhos de Jesus, morto com oito tiros ao sair de um bar em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro (na última quarta-feira, 19 de novembro).

Evidencia-se, portanto, que os homens e jovens são os mais vitimados com toda esta brutalidade e assassinatos e isto se dá tanto em razão de sua maior vulnerabilidade, maior disposição para o embate, maior envolvimento com tráfico e crimes organizados.

Assim, ao serem criados meios e políticas de combate à violência no Brasil – que é o 3º colocado na América Latina e o 6º colocado no planeta dentre os países mais homicidas a cada 100 mil habitantes (com uma taxa de 26,6) – devem ser considerados também e, principalmente, os fatores etários e de gênero. Mais profundamente, não devemos nunca deixar de considerar ainda a brutal desigualdade existente no nosso país.


Luiz Flávio Gomes
Mariana Cury Bunduky

A composição do Tribunal do Júri está prevista no Código de Processo Penal

Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

Resumidamente, temos o seguinte: são necessários 25 jurados, mas o juiz presidente pode declarar instalados os trabalhos, se presentes ao menos 15 (art. 463, CPP); deste total, 7 formarão o Conselho de Sentença.

Está equivocado afirmar que o Ministério Público compõe o Tribunal do Júri, pois seria o mesmo que afirmar que o parquet integra o Poder Judiciário.

Luiz Flávio Gomes.

A partir desta quinta-feira (1°) os taxistas licenciados em Salvador têm autorização para cobrar bandeira 2 para qualquer dia ou horário. A medida vale até 31 de dezembro e funciona como uma espécie de 13º salário para os taxistas. O aumento está prevista no Decreto 17.004, de 29.11.2006. A bandeirada em Salvador custa R$ 3,75. O quilômetro rodada na bandeira 2 custa R$ 2,59.

Salvador tem mais casos de filhos sob guarda compartilhada

Em Salvador, 46,54% dos filhos menores de casais que se divorciaram em 2010 (1.196 pessoas) ficaram sob responsabilidade de ambos os cônjuges. Esta é a maior proporção de guarda compartilhada do país. Entre os estados, Bahia se destacou com 17,27% dos filhos menores cuja guarda foi compartilhada entre os dois pais. A pesquisa mostra que as mulheres ainda detêm a hegemonia na responsabilidade pela guarda dos filhos menores (87,3%), mas houve um crescimento do compartilhamento da guarda dos filhos menores entre os cônjuges, que passou de 2,7% em 2000 para 5,5% em 2010. No país, apenas 5,6% dos filhos menores ficaram sob a guarda dos homens no ano passado.


Informação: Site BN.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O bairro de Itapuã foi maquiado e não revitalizado

O bairro de Itapuã foi maquiado e não revitalizado. Basta uma passada na ladeira que liga o Abaeté à rua Av. Dorival Caymmi. A operação “tapa buraco” é exclusiva para beneficiar e atrair turistas ou para beneficiar os moradores de Itapuã? Não aprovamos integralmente o projeto do alcaide, pois diversas ruas encontram-se abandonadas, distantes de serem inclusas em qualquer projeto. Temos a Rua do Malê, localizada no Abaetê que não somente os buracos incomodam a população, mas a falta de varrição também é visível. Que o João, atenda plenamente a necessidade do bairro da Liberdade, e não deixe a desejar daqueles que habitam por lá assim como “tirou o doce da boca dos moradores de Itapuã”.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Após 19 anos preso, ex-mecânico morre após saber que ganhou indenização

Após passar 19 anos preso por um crime que não cometeu, Marcos Mariano da Silva, de 63 anos, morreu horas depois de saber que havia ganhado a última parte de uma indenização de R$ 2 milhões contra o governo de Pernambuco, estado em que viveu e que o condenou pelo crime de homicídio. Marcos foi condenado em 1976 por ter o mesmo nome do assassino. Ele chegou a ser solto após três anos, mas foi novamente preso após parar em uma blitz e ser outra vez reconhecido como o criminoso. O juiz que julgou o caso não consultou o processo anterior e o condenou por violação de liberdade condicional. Marcos saiu da prisão tuberculoso e cego, além de ter sido abandonado pela primeira mulher. O governo pernambucano chegou a recorrer da decisão e se propôs a pagar uma pensão vitalícia de R$ 1.200, recurso negado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que considerou o caso como “o maior e mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira”.

 Informações do G1.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O emprego de arma no crime de roubo

O roubo está inserido no roll de crimes contra o patrimônio, acarretando circunstâncias especiais na ação de subtrair.

O Código Penal brasileiro prevê o crime de no roubo no art. 157 que afirma:

“Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência; pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa”.

O uso de arma na execução do tipo penal qualifica o crime, sujeitando-o a aumento de pena, enaltecido no parágrafo 2º do artigo em questão.

A tutela jurídica do tipo penal está relacionada a acobertar o patrimônio contra outrem. O roubo é um crime complexo, pois a previsão normativa visa a proteção do patrimônio, integridade física e liberdade pessoal.

Como crime comum pode ser executado por qualquer indivíduo, não necessitando de legitimidade para sua pratica, divergindo do crime de infanticídio. O tipo penal prevê uma relação de apossamento a condições determinadas. A violência enquadra-se em física, quando há um esforço contra a vítima, moral, a ameaça, e qualquer outro meio que reduza a capacidade de ação do sujeito passivo. A ação do sujeito ativo deve provocar temor à vítima, observando um mínimo de “perturbação” psíquica e física, afetando o domínio de resistência da mesma. Entretanto, tal agressão física e mental, se observadas conjuntamente ou isoladamente, devem possuir um baixo grau de lesividade para não configurar outro tipo penal.

O emprego de arma no crime de roubo está relacionado ao maior potencial lesivo da conduta típica, não sendo imprescindível a apreensão e perícia para incidir a majorante no tipo penal. O aumento da pena, advindo do uso de instrumento, relaciona-se a maior intimidação e potencial ofensivo que o objeto pode causar a vítima, frente à vulnerabilidade dos bens jurídicos tutelados, vida, integridade física, liberdade e propriedade.

Em conceito, arma é qualquer instrumento apto a lesionar a integridade física ou matar alguém, podendo ser próprio, quando a finalidade do objeto é agredir, matar, ou impróprio, o objeto não possui a princípio o fim de lesionar, ferir, mas pode ser utilizado para alcançar tal objetivo.

Quanto ao uso da arma, na execução do tipo penal, a diversas visões acerca do tema. Os estudiosos Bitencourt e Damásio de Jesus, em interpretação do termo empregar, defendem o uso efetivo do instrumento para a qualificação no crime de roubo. Já Fernando Capaz entende que o simples manejar da arma pelo agente em direção a vitima é condição para aplicação da qualificadora no tipo penal.

Segundo algumas correntes doutrinárias, apenas o porte ostensivo da arma, ocasionando uma ameaça implícita é fator iminente da majorante prevista, pois vislumbra que tal ato é capaz de intimidar e reduzir a resistência da vítima.

Tanto a doutrina majoritária, quanto a jurisprudência são adeptas do critério objetivo, visando o aumento da pena em correlação ao maior potencial lesivo do uso do instrumento na execução do crime. Tal posicionamento resultou na revogação da súmula 174 do STJ, em virtude do principio da legalidade, pois o Superior Tribunal da Justiça entende que a arma de brinquedo não possui natureza jurídica de arma propriamente dita. Logo, enaltece a existência do potencial ofensivo do instrumento para o aumento da pena.

Por outro lado, a parcela minoritária da doutrina brasileira, fundamentada no critério subjetivo, defende que a simples intimidação do objeto está associada à capacidade de resistência da vítima, acarretando na qualificadora do crime de roubo.

Mirabete entende que a qualificadora do delito está diretamente associada ao meio idôneo na pratica da ameaça. Na mesma visão, encontra-se Bitencourt ao defender que a majorante do tipo penal está ligada a possibilidade do dano que o uso da arma possa desencadear e não ao simples porte ostensivo do instrumento ou temor da vítima. Enquanto que o professor Rogério Greco afirma que a qualificadora do crime de roubo encontra-se contemplada na união da intimidação sobre o sujeito passivo e a potencialidade ofensiva do instrumento em execução. Nélson Hungria, dividindo o posicionamento com Rogério Greco, intensifica que a ameaça com objeto não idôneo, desconhecendo a vítima tais circunstâncias, configura semelhante intimidação se a mesma fora realizada por arma idônea, acarretando na diminuição da capacidade de ação do sujeito passivo.

O tema exposto apresenta-se bastante polêmico, configurando várias interpretações, refletindo, também, no posicionamento do STF que tanto adota o critério objetivo, quanto o subjetivo no emprego de arma no crime de roubo.

A violência prevista no delito, podendo ser antes, durante e até após – violência psíquica - a pratica do crime, está diretamente relacionada ao possível emprego da arma no tipo penal. Logo, a simples ação de roubar apresenta-se bastante ofensiva. Sob a ótica do sujeito passivo, o temor que o tipo penal exige para existir e irrelevante quanto à idoneidade do instrumento, pois não há dúvida que a simples ameaça de porte de arma e a afirmação da mesma no momento do crime causam o mesmo efeito sobre a vítima.

A “margem de liberdade” que a legislação penal brasileira oferece ao juiz no momento de analise do crime de roubo, em aumentar a pena se observado o emprego de arma, é de fundamental importância, pois o temor visual que uma arma com munição provoca é o mesmo que uma arma desmuniciada, entretanto o dano que poderão desencadear é divergente. Logo, na aplicação da qualificadora no tipo penal é de suma relevância identificar a ofensividade do instrumento, através de uma possível perícia ou apreensão.

Como vítima o temor que o tipo penal exige é independente da idoneidade, potencial agressão do objeto em uso, pois o simples ato de subtração ou ameaça do agente é suficiente para provocar dano à mesma.

Por outro lado, em vista do Estado Democrático de Direito, submete-se o direito de alguns em detrimento de outros, em prol do bem comum. Segundo Fernando Capez, “a função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão punitiva estatal” em vista da dignidade da pessoa humana, prevista na Constituição Federal brasileira. A idoneidade, capacidade lesiva do instrumento, surge como um limitador do poder punitivo do Estado em um país onde a relevante prática de crimes advém da desigualdade social.
 
Por Amanda Raissa Abreu e Lima

Artigo 157, § 2º, inciso I do Código Penal

Para analisarmos o parágrafo segundo, inciso I do artigo157 do Código Penal, e necessário que primeiro façamos um conceito do crime tipificado neste artigo: roubo. A figura típica do roubo é constituída pela subtração, mais o uso de grave ameaça ou violência. Então, concluímos que o roubo é composto por: subtrair, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça a pessoa, coisa alheia móvel.

O parágrafo segundo, inciso I, deste artigo, diz:

§2º A Pena aumenta-se de um terco até metade:

I- se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

É importante, entender corretamente o que seria considerado como arma, pois vários objetos Podem ser utilizados com o fim de Intimidar a vítima e causá-la danos físicos. A arma, aqui tipificada, pode ser a própria ou a imprópria. A arma própria é aquela que possui como função primordial o ataque ou a defesa, como, por exemplo, as armas de fogo, as armas brancas e os explosivos. A arma imprópria é aquela que não foi criada com o fim de ataque ou defesa, como, por exemplo, a faca de cozinha, uma barra de ferro, ou até mesmo um taco de beisebol.

A utilização de arma de fogo majora a pena, pelo fato de possuir um grande potencial ofensivo, além de um grande poder de intimidação sobre a vítima. Então conclui-se que tal aumento não pode ser utilizado, quando o agente, no momento do crime, não tinha potencialidade ofensiva, seja por não ter munição, ou por possuir uma arma defeituosa. Portanto, entende-se que mesmo o agente tendo o poder de Intimidar a vítima através de sua arma, não poderá ter sua Pena majorada se não possuir uma potencialidade ofensiva.

Outra questão bastante discutida a respeito deste aumento especial da pena, trata da utilização de arma de brinquedo. O STF, por apenas levar em conta o poder de intimidação sobre a vítima, sumulou:

Súmula 174. No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena.

Entretanto, tal súmula sofreu muitas críticas doutrinárias, pois contrariava o fundamento de tal agravante, que é exatamente o fato de ser indispensável que a arma utilizada pelo agente tenha a possibilidade de causar ofensas a incolumidade física da vítima. Portanto, foi cancelada durante a sessão ordinária de 24 de outubro de 2001, que foi publicada no DJU de 6 de novembro deste mesmo ano. A partir disso, decidiu o STJ:

"É ilegal o aumento de Pena pelo uso de armas no cometimento do roubo, se o objeto encontrar-se desmuniciado, sendo instrumento incapaz de gerar situação de perigo à integridade da vítima. O emprego da arma desmuniciada no delito de roubo não se presta para fazer incidir a causa especial aumento prevista no Código Penal."

Outra questão bastante discutida pela doutrina trata do emprego da arma. Indaga-se, se seria necessário para o aumento de Pena, o emprego efetivo da arma ou se bastaria seu uso ostensivo. Segundo tal questionamento a doutrina é discrepante, enquanto uns afirmam ser necessário o efetivo emprego da arma, outros dizem bastar apenas seu uso ostensivo.
 
Por Camila Pimentel de Oliveira Ferreira

Patrimônio

O Título II do Código Penal trata Dos Crimes Contra o Patrimônio nos quais a preocupação fundamental é a garantia aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à propriedade, que é considerado um dos direitos humanos fundamentais. Assim, segundo a doutrina, tais tipificações dos crimes patrimoniais, previstos neste Título em que estamos estudando, originam-se, em sua essência, da ausência do Estado Social, que cria, dada a sua má administração, um abismo entre as classes sociais, gerando consequentemente, um clima de tensão, altamente propício ao desenvolvimento de uma mentalidade voltada a pratica de tais infrações penais. Aqui, será fundamental ao enxergar utilizar a interpretação denominada Sistêmica ou Sistemática para que se tenha melhor compreensão dos tipos penais.

Após breves considerações gerais a respeito do Título II, aprofundaremos na questão pertinente alocada no Capítulo I, Artigo 155 § 2º do Código Penal brasileiro.

Primeiramente, é valido explicar o caput do Artigo 155, que como se sabe, trata do Furto Simples e assim versa: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Segundo Guilherme de Souza Nucci no seu conceito de furto diz que “furtar significa apoderar-se ou assenhorear de coisa pertencente a outrem, ou seja, torna-se senhor ou dono daquilo que juridicamente não lhe pertence.

O nomen júris do crime, por si só, dá uma bem definida noção do que vem a ser a conduta descrita no tipo penal.” Nucci complementa dizendo que “subtrair significa tirar, fazer desaparecer ou retirar e somente em última análise, furtar (apoderar-se). É verdade que o verbo ‘furtar’ tem uma alcance mais amplo do que ‘subtrair’, justamente por isso o tipo penal preferiu identificar o crime como sendo de FURTO e a conduta que o concretiza como subtrair, seguida, é lógico, de outros importantes elementos descritivos e normativos. Assim, o simples fato de alguém tirar coisa pertencente a outra pessoa não quer dizer, automaticamente, ter havido um furto, já que se exige, ainda, o animo fundamental, componente da conduta de furtar, que é assenhorear-se do que não lhe pertence.”

Então, Furto é a subtração de coisa alheia móvel que o agente realiza para tê-la como sua ou para que outra pessoa dela se torne senhora. Como foi dito anteriormente, o bem jurídico protegido é, primordialmente, a posse da coisa e, secundariamente, a propriedade. Posse é a relação de fato entre uma pessoa e uma coisa, que faz com que aquele a detenha e dela faça uso. O possuidor usa, goza e frui da coisa. O proprietário é a pessoa que pode dispor da coisa, porque lhe pertence. Às vezes, o proprietário não tem a posse da coisa, que empresta ou aluga à terceira pessoa, que passa a usufruí-la, exercendo, portanto, sua posse. Mas ambos têm direitos sobre ela. O proprietário, mesmo sem a posse, continua sendo o único a poder dela dispor. O possuidor, mesmo dela não podendo dispor, porque não lhe pertence, é, entretanto, quem a tem consigo, usando como se sua fosse. A posse protegida é a legítima, a que decorre da propriedade ou de contrato que o proprietário sobre ela tenha feito, inclusive a título gratuito.

Segundo os Tribunais Superiores não é necessária a posse tranquila sobre a coisa, conforme se observa a ementa em seguida: “Recurso especial. Penal. Furto. Delito Consumado. Posse tranquila da res subtraída. Desnecessidade.

1 – Considera-se consumado o delito do furto, bem como o de roubo, no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída, ainda que não obtenha a posse tranquila do bem, sendo prescindível que saia da esfera de vigilância da vítima. Precedentes do STF e do STJ.

2 – Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp.668857/RS; Recurso Especial 2004/00839-8, 5ª Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz)

O § 2º do Art. 155 é classificado pela doutrina como sendo Furto Privilegiado, pois como diz o próprio parágrafo: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.

O que vem a ser criminoso primário? A primariedade é o primeiro requisito para o reconhecimento do furto privilegiado. Agente primário é aquele que não é reincidente. Reincidente é quem, depois de estar condenado por sentença penal transitada em julgado, vem a cometer novo fato típico. Ao ser condenado por este fato cometido após o trânsito em julgado daquela primeira sentença condenatória, não será considerado primário. Como bem lembrou Damásio de Jesus, “para o Direito brasileiro o agente é primário ou não é. Se não é primário é porque é reincidente. Se é reincidente, não é primário. Se não é reincidente, é primário e ponto final.”

É importante salientar que o que está dito no parágrafo é ser o individuo primário, o que não se confunde com o agente com maus antecedentes. A lei exige apenas ser o criminoso primário para que o juiz possa substituir a pena de reclusão por detenção e diminuí-la. Pode, segundo Rogério Greco o “agente ter sido condenado em outros processos, por exemplo, que não se prestem para efeitos de forjar a reincidência, sendo, outro sim, portador de maus antecedentes.” Para finalizar, basta observar o que é dito no Artigo 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.

O segundo requisito para o reconhecimento do Furto privilegiado é ser o objeto do furto de pequeno valor, o que a doutrina e jurisprudência divergem em algumas interpretações, tendo em vista que se leva em conta ora o valor do prejuízo causado à vitima,ora o valor da coisa em si.

Guilherme de Souza Nucci adota a postura que entende a “interpretação literal, ou seja, deve-se ponderar unicamente o valor da coisa, pouco interessando se para a vitima, o prejuízo foi irrelevante”. Seguindo esse pensamento esta Rogério Greco que afirma “que pequeno valor diz respeito à coisa furtada, sendo objetivo esse dano, não fazendo menção a lei penal a pequeno prejuízo, cujo raciocínio poderia nos conduzir a pessoa da vítima”, o que seria subjetivo.

Por outro lado, Moura Teles diz que “Não se deve buscar um critério único, como o valor do salário mínimo, mas utilizá-lo apenas como ponto de partida, valorando a coisa subtraída em sua qualidade e quantidade, tanto para o sujeito ativo quanto para o sujeito passivo. Coisa de valor de troca irrisório ou inferior ao do salário mínimo – a única fotografia da ex-namorada dos sujeitos do crime – tem um enorme valor estimativo para a vítima e pode ter também para o agente, tanto que este a subtraiu, logo não poderá ser considerada de pequeno valor.” Para ele, não basta que apenas seja de pequeno valor o objeto em si, e sim também subjetivamente, a significância e importância da coisa furtada para o sujeito passivo, a vítima.

O TJPB (Tribunal de Justiça da Paraíba) diz que “De outra parte, o conceito de pequeno valor da coisa furtada há que ser delimitado pela capacidade econômica da vítima. Então, se aquela é pessoa pobre, simples trabalhador braçal, as sandálias que usa e a pequena quantidade de dinheiro que conduz na carteira representam bens de induvidosa relevância para sua pessoa, afastada resta a possibilidade de desclassificação do furto para sua modalidade privilegiada.” (Ap.200.2004.023798-0/001, rel. Raphael Carneiro Arnaud, 01.06.2006).

A título de curiosidade, pequeno valor é diferente de insignificante. Como foi dito em aula ministrada pelo Prof. João Franco, quando há um delito no qual o objeto é de pequeno valor, instaura-se a ação penal e o processo, pois, significou uma perda do patrimônio da vítima, mas por ser de pouco valor, o juiz atenuará a pena ou extinguirá se os requisitos legais forem obedecidos. Por outro lado, quando o objeto do delito for insignificante, isto é, não significou perda de patrimônio e nem de nenhum valor jurídico, não cabe ação nem o processo.

Após a análise dos dois requisitos contidos no parágrafo 2º deve-se analisar seu complemento. A expressão “pode”, contida no § 2º do art. 155, não significa que a concessão do benefício seja uma faculdade do juiz porque é empregada no sentido de permitir-lhe escolher entre as opções: substituição da pena de reclusão pela de detenção, diminuição de um a dois terços ou aplicação exclusiva da pena de multa. Fica, pois, na faculdade do juiz escolher qual dos benefícios conceder ao réu, o que será feito levando em conta as circunstâncias judiciais do art. 59, que é a fixação da pena.

Estas só devem ser analisadas para orientar a opção do juiz, não para o reconhecimento do privilégio, que está sujeito apenas à verificação das duas condições – a primariedade e o pequeno valor da coisa. Há, entretanto, pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido contrário, de que, além dos requisitos objetivo e subjetivo do § 2º, deve o juiz verificar se o agente reúne outras condições, como as que a lei exige para a concessão do sursis ou algumas para o livramento condicional. Negar o privilégio porque o agente tem maus antecedentes, não tem conduta social adequada ou tem contra si sentença condenatória recorrível, é negar vigência à norma do § 2º do art. 155, impondo o juiz – e, portanto, legislando, o que lhe é defeso – condições que a lei não criou. Ademais, o privilégio é causa de diminuição de pena, de sua substituição ou de facultar a aplicação de penas cominadas cumulativamente.

Por fim, merece a devida atenção a possibilidade defendida por parte da doutrina, como Rogério Greco, de ser aplicado o § 2º do Art. 155 às modalidades do Furto Qualificado que estão previstas no § 4º do mesmo artigo, denominados de Furto Qualificado-Privilegiado, ou da não aplicação, segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores e parte da doutrina.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça “O pensamento dominante preconizado no seio desta Corte Superior contraria a pretensão heróica e se assemelha aos fundamentos do acórdão vergastado, uma vez que a incidência do privilegio não pode ter, indiferentemente, o mesmo efeito na forma qualificada do que tem na forma básica, pois a existência da qualificadora inibe a sua aplicação, mesmo se primário o réu e de pequeno valor a coisa ou, ainda, ausente o prejuízo. Assim, em que pesem os argumentos da defesa, não há como reconhecer o furto qualificado-privilegiado.” (REsp. 664272/SP; Recurso Especial 2004/0068153-1, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma).

Em outro caso o STJ assim decidiu: “É incabível a aplicação do privilégio constante no art. 155, § 2º, do Código Penal, mesmo sendo primário o réu e, a coisa furtada, de pequeno valor, em face da incidência da circunstancia qualificadora do concurso de agentes. Precedentes” (REsp. 706240/RS; Recurso Especial 2004/0168026-1, 5ª Turma, relator Ministro Gilson Dipp).

Por Hérico Almeida Gomes Salgado

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O homem que se gaba de só dizer a verdade

O homem que se gaba de só dizer a verdade é simplesmente um homem sem nenhum respeito por ela. A verdade não é uma coisa que rola por aí, como dinheiro trocado; é algo para ser acalentada, acumulada e desembolsada apenas quando absolutamente necessário. O menor átomo da verdade representa a amarga labuta e agonia de algum homem; para cada pilha dela, há o túmulo de um bravo dono da verdade sobre algumas cinzas solitárias e uma alma fritando no Inferno.

 (H.L. Mencken)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sentido, fins e limites dos crimes contra a dignidade sexual

Os crimes sexuais constituem um dos capítulos mais interessantes e curiosos do direito penal, pleno, não raro, de paternalismo1, hipocrisia e preconceitos morais.

Aliás, no particular tão íntima é a relação entre direito e moral que é praticamente impossível precisar onde começa um e termina o outro.2 Justamente por isso, convém formular e responder, inicialmente, à seguinte pergunta, sobre os limites e fins da intervenção penal no campo da sexualidade: por que reprimir práticas sexuais, se a atividade sexual é (ainda) essencial à perpetuação da espécie? Ou, mais, por que punir algo tão necessário e útil (e mesmo prazeroso) à espécie?

A resposta mais provável seria: não se pune a atividade sexual em si mesma, mas a relação sexual violenta, não consentida ou indesejada, razão pela qual o que se busca proteger é a própria liberdade de autodeterminação sexual de homens e mulheres.3

Mas isso não é de todo exato, uma vez que em diversos momentos o legislador (no Brasil e no mundo) criminaliza, direta ou indiretamente, condutas sexuais não violentas e livremente consentidas, contrariamente à própria vontade dos sujeitos sexualmente envolvidos.

Parece-nos, pois, que, para além da autodeterminação sexual, o legislador, confessada ou inconfessadamente, pretende também ditar uma determinada moral sexual (dominante), que, segundo a sua perspectiva, seria a moral sexual saudável, honesta, digna, enfim.4

E mais, trata-se, em geral, de uma pretensão de moralização da sexualidade grandemente conservadora, anti-hedonista e pouco secular, que de algum modo vê o ato sexual como perigoso e capaz de corromper e degradar o sujeito. Cuida-se, enfim, de uma moral sexual que, a pretexto de ditar a moral sexual digna, parece não perceber que a atividade sexual é, antes de tudo, uma atividade fisiológica tão natural e necessária e prazerosa quanto qualquer outra, a exemplo de comer, beber etc.

Parece, enfim, que, apesar de tudo, o homem atual ainda se envergonha de sua sexualidade e por isso busca, com alguma freqüência, reprimir formas legítimas de manifestação da liberdade sexual ou que de nenhum modo lesionam bens jurídicos. Só assim se explica, aliás, o excesso de tipos penais sexuais e a previsão de crimes sem vítima ou mesmo irrelevantes.5

A história dos crimes sexuais é, em última análise, a história da secularização dos costumes e práticas sexuais.6 E é também uma parte significativa da repressão ao corpo e prazer, sobretudo repressão ao corpo e prazer femininos.7

De todo modo, temos que a intervenção penal no âmbito da sexualidade só faz sentido se se prestar à proteção da própria liberdade de autodeterminação sexual de adultos e à proteção do desenvolvimento pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral, isto é, só faz sentido quando vise a tutelar o indivíduo contra ações de terceiros (o Estado, inclusive) que violem o direito de toda pessoa humana de se relacionar ou não se relacionar sexualmente com quem quiser, quando quiser, se quiser, como quiser.8

Cumpre, por isso, não perder de vista que a dimensão sexual é apenas uma das possíveis formas de expressão da liberdade humana; logo, a liberdade (substantivo) há de vir primeiro; e o sexual (adjetivo), depois.

Afinal, os crimes sexuais são puníveis pelas mesmas razões que são puníveis os demais crimes: são condutas que importam numa grave violação à liberdade de outrem.

Consequentemente, o Estado não pode, a pretexto de afirmar a liberdade (ou dignidade) sexual, negá-la ou limitá-la sem uma justificação plausível.

Os crimes sexuais devem, por conseguinte, prestar-se a dois objetivos primordiais: proteger a liberdade individual de autodeterminar-se sexualmente e assegurar as condições necessárias ao desenvolvimento sexual pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral.9

E ainda que não seja o único bem jurídico tutelado, a liberdade sexual - entendida como a faculdade de toda pessoa humana de determinar-se autônoma e livremente quanto ao exercício de sua sexualidade10- constitui o interesse fundamental a ser protegido jurídico-penalmente e que deve, por isso, orientar todos os demais.

Exatamente por isso, deve ser objeto de descriminalização tudo quando não representar grave violação ao direito do próprio indivíduo de autodeterminar-se sexualmente.

Não fazem, pois, sentido, entre outros, os seguintes tipos penais: mediação para servir a lascívia de outrem (CP, art. 227), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (CP, art. 228), casa de prostituição (CP, art. 229), rufianismo (CP, art. 230), tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (CP, art. 231), tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (CP, art. 231-A), ato obsceno (CP, art. 233), escrito ou objeto obsceno (CP, art. 234).

É que nenhuma dessas infrações importa, em princípio, numa violação grave da liberdade de autodeterminação sexual, razão pela qual hão de ser abolidas. E mais, independentemente da descriminalização aqui proposta, eventuais abusos contra a liberdade são passíveis de configuração de outros delitos (v.g., seqüestro ou cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo etc.), especialmente no que diz respeito ao exercício da prostituição.

Finalmente, e conforme vimos (parte geral), o direito penal é a fortaleza e os canhões dos demais direitos (Alfonso de Castro), razão pela qual sua intervenção, como ultima ratio do controle social formal, há de pressupor o fracasso de outras instâncias de prevenção menos lesivas e socialmente mais adequadas.

1 Sobre o assunto, Heloisa Stellita. Paternalismo, moralismo e direito penal: alguns crimes suspeitos em nosso direito positivo. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 179, p.17-18, out. 2007.

2 Prova dessa confusão entre direito e moral está (também) no próprio tom dos comentaristas, pois em nenhum outro lugar se vê linguagem e comentários tão frequentemente duros e carregados de reprovação moral. Nelson Hungria, por exemplo, escreveu, a propósito da exploração da prostituição: “E esta é uma nota comum entre proxenetas, rufiões e traficantes de mulheres: todos corvejam em torno da libidinagem de outrem, ora como mediadores, fomentadores ou auxiliares, ora como especuladores parasitários. São moscas da mesma cloaca, vermes da mesma podridão (…). De tais indivíduos se pode dizer que são os espécimes mais abjetos do gênero humano. São tênias da prostituição, os parasitas do vil mercado dos prazeres sexuais.”. Por sua vez, Rogério Greco, referindo-se a esse mesmo trecho de Hungria, observa: “Genial a passagem escrita pelo maior penalista que o Brasil já conheceu. Se Hungria já se indignava com a existência do proxeneta tradicional, que diria ele a respeito daquele que, como ocorre nos dias de hoje, explora nossas crianças e adolescentes menores de 14 (catorze) anos? Esses, realmente, fazem parte da escória da sociedade.”. Direito Penal, cit., p. 544.

3 Jorge de Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.445) fala de autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa, relativamente aos crimes contra a liberdade sexual previstos no Código Penal português.

4De acordo com Vera Regina Pereira de Andrade, os tipos penais sexuais se prestam, em verdade, a proteger “a moral sexual dominante, e não a liberdade sexual feminina, que, por isso mesmo, é pervertida (a mulher que diz ‘não’ quer dizer ‘talvez’; a mulher que diz ‘talvez’ quer diz ‘sim’…), pois o sistema penal é ineficaz para proteger o livre exercício da sexualidade feminina e o domínio do próprio corpo”. Ainda de acordo com a referida autora, a intervenção penal é ineficaz e arbitrariamente seletiva, visto que “além da violência sexual representada por diversas condutas masculinas (estupro, assédio), a mulher torna-se vítima da violência institucional (plurifacetada) do sistema penal que expressa e reproduz a violência estrutural das relações sociais capitalistas (a desigualdade de classes) e patriarcais (a desigualdade de gêneros) de nossas sociedades e os estereótipos que elas criam e se recriam no sistema penal e são especialmente visíveis no campo da moral sexual dominante. Consequentemente, a criminalização de novas condutas sexuais só ilusoriamente representa um avanço do movimento feminista no Brasil ou que esteja defendendo melhor os interesses da mulher ou a construção de sua cidadania.” Sistema penal máximo x cidadania mínima. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, pp. 100 e 86.

5 Essa obsessão por reprimir práticas sexuais é antiga. Exemplo frisante disso é o Livro V das Ordenações Filipinas (1603-1830), que punia um sem número de condutas sexuais, tais como: “dos que cometem pecado de sodomia e com alimárias”; “do infiel que dorme com alguma cristã e do cristão que dorme com infiel”; “das que dormem com suas parentes e afins”; “do que dorme com mulher virgem ou viúva que estiver em poder de seu pai”; “do que dorme com mulher virgem ou viúva honesta”; “do que dorme com mulher casada” etc.

6 A propósito do tratamento da sexualidade no Islã, escreve Ayaan Hirsi Ali: “Afirmar que a opressão das mulheres nada tem a ver com o islã e é ‘apenas’ um costume tradicional consiste numa desonestidade intelectual, numa falácia. Os dois elementos são indissociáveis. O código de honra e vergonha pode ser tribal e pré-islâmico, nas suas origens, mas é hoje uma parte integral da religião e dos costumes do islã. Os assassinatos cometidos em nome da honra afirmam aquilo que os islã também afirma: que as mulheres são subordinadas aos homens e devem manter-se como propriedade sexual deles.”. Nômade. São Paulo: Companhias das Letras, 2011, p. 238.

7 Não é por acaso que até recentemente a doutrina entendia que mulher casada não podia ser vítima de estupro praticado pelo marido; que o casamento com o estuprador ou terceiro extinguia a punibilidade; que só a mulher honesta era passível de proteção por determinados tipos; que o homem podia matar a mulher em legítima defesa da honra, em virtude de adultério etc.

8 Como assinala Jorge de Figueiredo Dias, “cada pessoa adulta tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao (s) parceiro (s), também adulto (s), com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este (s) nelas consinta (m). Se e quando esta liberdade for lesada de forma importante a intervenção penal encontra-se legitimada e, mais do que isso, torna-se necessária.”. Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.445.

9De acordo com Francisco Muñoz Conde, quanto à proteção sexual de incapazes, o que se busca proteger é sua liberdade futura, isto é, a normal evolução e desenvolvimento de sua personalidade, para que, quando adulto, decida livremente sobre seu comportamento sexual; e no caso de incapaz ou deficiente mental, evitar que seja utilizado como objeto sexual de terceiros que abusem de sua situação para satisfazer seus desejos sexuais. Derecho Penal, parte especial. Valencia: Tirant lo blanch, 2010, p.217. Apesar disso, reconhece (idem, p. 218) que, no caso de menores, o exercício da sexualidade é proibido na medida em que pode afetar a evolução e desenvolvimento de sua personalidade e produzir alterações importantes que incidam em sua vida ou em seu equilíbrio psíquico no futuro. Certo é, porém, que esse presumido prejuízo ao desenvolvimento mental saudável não está comprovado cientificamente e, inclusive, quando não existe violência, pode, ao contrário, favorecer o desenvolvimento psíquico e uma maior afetividade nas relações interpessoais futuras.


 
10Tomás S. Vives Antón e outros. Derecho Penal, parte especial. Valencia: Tirant lo blanch, 2010, p.223

Professor, e se, sob coação para roubar, ele matar?

José Osterno Campos de Araújo
Procurador Regional da República
Mestre em Ciências Criminais
Professor do UniCEUB

Na sala de aula, após explicação e exemplo, a pergunta do aluno: “Professor, e se, sob coação para roubar, ele matar?”.

Tratava-se, na exposição, de culpabilidade, ou, melhor, de exigibilidade de conduta conforme o direito, ou, melhor ainda, de coação moral irresistível, na forma posta no artigo 22 do Código Penal.

O professor leu referido artigo 22 e exemplificou: “Imagine-se que Jonas sequestre o pai de Pedro e o próprio Pedro. Em seguida, diga a este: ‘Se você não for à Faculdade de Direito e roubar o banco ali localizado, eu mato seu pai. Dou-lhe 3 horas para me trazer o dinheiro. É pegar ou largar’”.

Sem opção, Pedro concorda com o crime.

Arma-se e - a sorte estava lhe ajudando – vê-se já dentro da agência bancária, onde, incontinenti, anuncia o assalto.

Ocorre que o segurança do banco, forte e intimorato, intervém, para evitar o crime. Com nervos destroçados, Pedro atira e o mata.

Afinal, era isso ou não teria o dinheiro. O morto, então, seria seu pai.

Pedro retorna ao cativeiro, onde entrega o produto do roubo a Jonas.

Aqui, a hora de se enfrentar a pergunta do aluno interessado: “Pelo havido latrocínio, detém Pedro responsabilidade penal, já que fora coagido para roubar?”.

A questão se cinge ao que se pode chamar de limites do mandato outorgado para atuação criminosa.

De fato, a questão trata da demarcação dos limites da coação imposta por Jonas a Pedro. Noutro dizer, estava na linha de previsibilidade normal da coação, para roubar, que o coagido, em sua atuação, pudesse, para realizar em plenitude o “mandato” criminoso, vir a matar, transformando, pois, o roubo em latrocínio?”.

No encalço de resposta, lança-se mão, pela pertinência, da normatividade do artigo 29 do Código Penal, mormente do que respeita à chamada cooperação dolosamente distinta, a saber: “Art. 29. Omissis. § 1º. Omissis. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Na hipótese, o latrocínio – sim - era plenamente previsível por Jonas, encontrando-se, pois, sua prática dentro dos limites do “mandato” criminoso por ele outorgado a Pedro, não se podendo dizer o mesmo de eventual estupro que Pedro viesse a cometer, ao roubar.

Em verdade, ao roubar o banco e matar o guarda, Pedro viu-se – no dizer popular – entre a cruz e a espada. A cruz, a morte do guarda; a espada, a de seu próprio pai.

Tinha, pois, Pedro, para salvar a vida do pai, que fazer tudo aquilo, e somente “tudo aquilo”, que fosse necessário para ter o dinheiro e entregá-lo a Jonas.

E foi somente o que fez: o necessário. Armou-se, roubou e matou, pela vida do pai cativo.

No caso, à míngua de culpabilidade, também em relação ao latrocínio, dada a inexigibilidade de conduta diversa, Pedro estaria isento de pena e a responsabilidade pelo havido roubo seguido de morte seria, integral e exclusiva, de Jonas, agente da coação, criminoso único, autor mediato.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Morte causada por “racha” é dolosa

Síntese da decisão:


Para o Supremo Tribunal Federal, o homicídio cometido na direção de veículo automotor em virtude de “racha” é doloso.

A Primeira Turma do STF, ao julgar o pedido de habeas corpus, lembrou recente julgado no qual o STF se posicionou pela culpa consciente no caso de morte causada no trânsito por motorista embriagado (HC 107.801/SP), mas alertou que mencionado posicionamento não se estende a qualquer homicídio praticado no trânsito, mas apenas para os motoristas embriagados.

No último julgamento, no entanto, concluiu o STF que no caso de disputa de “racha”, o agente consente para a produção do resultado: dolo eventual.

Fonte:

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. HC 101.698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18 out. 2011. Disponível no Informativo de Jurisprudência 645. Acesso em 31 out. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. HC 107.801/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 06 ago. 2011, publicado no DJe em 13 out. 2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24.SCLA.+E+107801.NUME.%29+OU+%28HC.ACMS.+ADJ2+107801.ACMS.%29&base=baseAcordaos. Acesso em 31 out. 2011.

TJSP: arma de brinquedo aumenta pena do roubo

Síntese da decisão:


Para a 6ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, o uso de arma de brinquedo para a prática do crime de roubo é causa que aumenta a pena do crime. O posicionamento foi firmado em recurso ministerial que pugnava pela reforma da sentença contra um acusado de tentar roubar uma motocicleta com uma arma de brinquedo.

De acordo com o relator do processo, o desembargador José Raul Gavião de Almeida, é orientação da 6ª Câmara que a qualificadora do § 2º, inciso I, do artigo 157 do Código Penal também se caracteriza na hipótese de uso de arma de brinquedo, por ser igualmente capaz de intimidar a vítima e lhe desestimular a reação.

O posicionamento contraria orientação do STJ que, desde o cancelamento da própria Súmula 174 (24/10/2001), vem julgando no sentido de que mencionada causa de aumento não mais incide nos roubos perpetrados com o uso de arma de brinquedo.

Fonte:

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 6ª Câmara de Direito Criminal. Apelação nº 0009481-87.2006.8.26.0224. Rel. Des. José Raul Gavião de Almeida. Disponível em http://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia.aspx?Id=11844. Acesso em 10 out. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. HC 197485/SP. Rel. Min. Gilson Dipp. Julgado em 07 abr. 2011. Publicado no DJe em 28 abr. 2011. Disponível em http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=201100324701&pv=010000000000&tp=51. Acesso em 10 out. 2011.

Tráfico próximo a escola aumenta pena independente do comércio individual com aluno

Síntese da decisão:


Para a Sexta Turma do STJ, a constatação de que o tráfico de drogas é cometido nas imediações de estabelecimento de ensino, para fins da aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06, torna dispensável a comprovação de que o acusado comercializava entorpecentes diretamente com os alunos da escola.

O julgamento vai ao encontro de precedente já firmado pela Quinta Turma do mesmo Tribunal e da orientação firmada também pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que assim se posicionou ao julgar o caso em que o acusado foi flagrado nas imediações da escola portando drogas e com certa quantia em dinheiro. Embora tenha alegado que a droga era para uso próprio, concluiu-se que se tratava de comércio habitual ainda que não se tenha flagrado o momento da venda para alunos do estabelecimento educacional.

Fonte:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, HC 121.793/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22 ago. 2011, publicado no Dje em 31 ago. 2011. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103383. Acesso em 05 out. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, HC 154.915/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 04 fev. 2010, publicado no DJe 15 mar. 2010. Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200902314180&pv=010000000000&tp=51. Acesso em 05 out. 2011

STJ decide que o roubo é consumado mesmo sem a posse tranquila do bem

Decisão anterior:


Após roubo de um veículo, assaltante mantêm vítimas no carro e as libera ao ser perseguido por Policiais. O Juízo de 1º grau entendeu que houve o crime de roubo consumado e condenou o réu a sete anos, nove meses e dez dias de reclusão, em regime fechado. Já o TJSP, diferentemente de juízo de 1º grau, entendeu que ocorreu apenas crime na forma tentada, não havendo a posse tranquila do bem, pois o assaltante tentou fugir logo que viu os policiais.

Decisão recente:

A 6ª turma do STJ reformou a decisão do TJ/SP, reafirmando o entendimento de que o crime de roubo se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da coisa alheia, mesmo sem a posse tranquila do bem. Jurisprudência do STJ considera consumado o crime na hora em que o criminoso se torna possuidor da coisa alheia, não havendo necessidade do objeto sair da esfera de vigilância da vítima.

Fonte:

1- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Notícias STJ. REsp 1220817. Rel. Min. Og Fernandes. Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103367. Acesso em 04 out 2011

2- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1220817. Rel. Min. Og Fernandes. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=201002089575&data=28/6/2011. Acesso em 04 out 2011

STJ reafirma a impossibilidade de progressão “per saltum”

Síntese da decisão:


Para a Sexta Turma do STJ, em se tratando de progressão de regime, é obrigatório o cumprimento do requisito temporal no regime intermediário, não sendo possível a progressão “per saltum” (aquela em que o apenado progride do regime fechado diretamente para o aberto).

Ressaltou-se na decisão que para que a finalidade ressocializadora da pena seja alcançada, é preciso ministrar a liberdade gradativamente.

Fonte:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, HC 201.987/MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 22 ago. 2011. Publicado no DJe em 31 ago. 2011. Disponível em Acesso em 26 set. 2011.

6ª Turma do STJ considera atípico portar arma desmuniciada

Antes:

Na regência da Lei n 9.437/97, a jurisprudência pátria entendia que portar arma desmuniciada era fato atípico pela inteligência do artigo décimo da mencionada lei. Ocorre que a Lei foi revogada em 2003 pelo Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03).

Depois:

Desde então, prevalece o entendimento que a conduta de portar arma de fogo desmuniciada configura o delito de porte ilegal previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003 – crime de mera conduta e de perigo abstrato.

Recente julgado da Sexta Turma do STJ, no entanto, tornou a considerar atípica mencionada conduta. De acordo com o relator do Habeas Corpus, Min. Og Fernandes, a paciente do writ merece ser absolvida em primeira instância com fulcro no artigo 386, III, do CPP porque o fato de a arma de fogo estar desmuniciada afasta a tipicidade da conduta.

Fonte:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, HC 124.907-MG, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 06 set. 2011. Disponível no Informativo de Jurisprudência nº 482. Acesso em 23 set. 2011.

sábado, 5 de novembro de 2011

Porte de entorpecente, justiça terapêutica e flagrante de delito

No último dia 28 de outubro, estudantes ocuparam um prédio da USP, na cidade universitária, como reação a um confronto tido com a polícia militar.

Os policiais militares teriam abordado três estudantes de história que estavam consumindo substância entorpecente de caráter ilícito (cannabis sativa), mais especificamente maconha.

Como o fato ocorreu no dia do funcionário público (28.10.2011), a assessoria da USP não foi encontrada para se pronunciar.

Em contrapartida, os policiais informam que o confronto somente iniciou porque os estudantes investiram violentamente contra o carro em que estava o delegado de polícia, quebrando vidros e gerando danos na lataria, quando do cerceamento dos usuários.

Desse episódio podemos levantar uma quantidade interessante de temas de direito penal e processo penal, dentre os quais nos limitaremos rapidamente (i) a ideia da justiça terapêutica, (ii) a lógica do flagrante nos delitos sem sujeito passivo imediato; (iii) o equivocado conceito de não circunscrição policial em certos territórios; e (iv) o debate sobre o caráter de progressão criminosa no delito de porte de entorpecente.

A justiça terapêutica vem como reação à lógica de que um usuário de entorpecente é um sujeito ativo de delito, fazendo com que este migre para uma figura mista de sujeição passiva. Linhas gerais, a linha de pensamento conclui pelo fato de que a pena com finalidade exclusivamente retributiva gerará uma potencialização da problemática social, fazendo com que a prevenção (geral ou individual) torne-se remota, em alguns casos.

Como solução, algumas correntes: alguns pela descriminalização do porte, outros pela opção do sujeito entre uma pena ou um tratamento e, ainda, outros somente pelo tratamento.

Ocorre que o CPP, ao criar a lógica da flagrância, desconsidera o resultado processual adiante ou a raiz criminológica da conduta, fazendo com que, qualquer que seja o delito ou sua consequência processual, ambos tenham o mesmo modo de tratamento genérico pela polícia: a repressão imediata.

Afora os casos de flagrante esperado, na maior parte dos casos de flagrante ensejam intervenção pontual e cessação imediata da conduta.

Ocorre, porém, que o usuário – vítima na justiça terapêutica – está convencido de que o caráter de sua atitude é não lesivo à sociedade e reage. E um segmento doutrinário está a seu lado.

Não seria o caso de que houvesse, nos delitos que ensejam a tal terapia, uma abordagem diferenciada por parte da polícia repressora? O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana não deveria aliar-se à lógica do delito autolesivo e legitimar uma abordagem especial por parte da polícia em tais delitos? Afinal, as penalidades resultantes de tal conduta demonstram que o abordado pelo flagrante não é senão um sujeito ativo-passivo…

Quando a polícia agride ou age de modo truculento, não estará ela gerando uma segunda vitimização naquele que já precisa de tratamento?

As passeatas (estudantis, inclusive) pela descriminalização da conduta de porte de entorpecente são corriqueiras. Isso faz com que os cidadãos questionem se a conduta do artigo 28 da lei no. 11.343/06 está em acordo com o Princípio da Adequação Social e, por que não, com a lógica da legalidade material.

Com base nisso e por causa de nossas reminiscências da ditadura militar (somatizadas com os filmes de Hollywood que geram a síndrome de mesmo nome) seria possível argumentar que os jovens estudantes reagem porquanto creem-se “legitimados” por uma contra cultura ou por um movimento popular de repensar-se tipicidade material.

Não que isso justifique a ideia equivocada que faz com que a USP seja conhecida por ser um espaço de não intervenção policial, inviolável aos moldes da PUC-SP.

A política criminal de não ação da polícia militar na cidade universitária é meramente política, não jurídica. Assim como a não intervenção em embaixadas e consulados, conhecidamente território nacional, sob jurisdição brasileira, mas onde vigora uma sensação indevida de país estrangeiro.

Finalmente, a ideia da teoria da vidraça quebrada de Wilson. É uma teoria que leva em conta o fato de que devemos cuidar das pequenas mazelas sociais assim que elas surgem sob pena de, descuidadas, estas se desenvolverem em mazelas cada vez maiores e mais graves. Uma espécie de progressão criminosa histórica em que a cada etapa sucessiva ao primeiro delito, outros e mais graves surgem.

Nessa toada, a política de tolerância zero argumenta que o portador de entorpecente deve ser imediatamente tratado para não se tornar um delinquente futuro, violador de bens jurídicos alheios. Nesse sentido, a aplicação da justiça terapêutica aos usuários de

entorpecentes seria obrigatória e impositiva, num excesso paternalista.

Data maxima venia, a presunção de evolução criminal da teoria da vidraça quebrada parece-nos carecer de base científica.

No mais, cremos que a ideologia terapêutica justificante da mudança da legislação de entorpecentes deixou de desintoxicar, em conjunto, o processo penal e a força policial excessiva.

Pensão alimentícia – Obrigação avoenga

De inicio é cabível mencionar que sobre alimentos ou pensão alimentícia é necessário analisar alguns requisitos básicos, que primeiramente entendemos serem quatro essenciais para configurar o dever de alimentar.

Primeiramente o VÍNCULO DE PARENTESCO, pois ninguém pode sair pleiteando pensão alimentícia de qualquer pessoa, é necessário o parentesco como a nossa lei assim determina, podendo ser um parentesco consangüíneo ou até mesmo apenas civil, como na adoção.

Outro requisito é a NECESSIDADE de quem vai receber esses alimentos, pois não havendo necessidade não há que se falar em pagamento de pensão, pois a lei determina o pagamento justamente para suprir as necessidades vitais de quem não tem condições de prover por si só.

Por conseguinte, é necessário a POSSIBILIDADE de quem vai pagar esses alimentos, da mesma forma que a lei não quer o perecimento de quem recebe, também não quer o sacrifício de quem vai pagar essa pensão alimentícia, apesar da responsabilidade com o sustento de quem possua o vínculo de parentesco, ninguém poderá arcar com uma responsabilidade de sustento que não tenha condições para aquilo.

Por ultimo, é a PROPORCIONALIDADE entre o valor que deverá pagar e o valor que tem condições de pagar, não poderá haver uma desproporção fora da realidade do alimentante, não podendo assumir um valor que às vezes é igual ao que recebe para seu próprio sustento, possibilitando ajustes e revisionais dos valores na pensão alimentícia.

Muitos dizem que o valor devido de pensão alimentícia é de 30% dos rendimentos líquidos ou bruto de quem paga, mas a lei não determina essa porcentagem, o que realmente acontece na prática ao estabelecer uma pensão alimentícia é que, são estes valores que se aproximam dessa porcentagem, pois será um montante que quem vai receber não perecerá de fome e quem vai pagar conseguirá sobreviver sem sacrifícios exorbitantes; Claro que tudo dependerá de provas das necessidades de quem recebe e das possibilidades de quem paga.

Quando essa necessidade de quem recebe é maior que as necessidades de quem paga, ocorre a complementação por outros meios, podendo como exemplo, o neto buscar o complemento da pensão cobrando do avô, valores em que o pai não pode pagar e deverá ser completado.

Por economia processual, na prática forense os advogados entram com o pedido de alimentos contra o pai do menor e ao mesmo tempo colocando os avós no pólo passivo também, o pai não tendo condições de pagamento ou alegando que não possui emprego ou renda suficiente para arcar com a obrigação, os avós sofreriam o dever de pagamento diretamente.

Os artigos 1696 e 1698 do Código Civil é bastante claro ao estabelecer que a respeito da pensão avoenga, isto é, a pensão alimentícia paga pelos avós, é uma obrigação sucessiva e complementar, que na impossibilidade de ser cumprida pelo pai, os avós complementariam o valor que viesse a faltar e estivesse aquém das condições da pessoa obrigada.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgou recentemente a subsidiariedade dos avós na obrigação de alimentar os netos. Os entendimentos firmados são no sentido de que primeiro respondem os genitores e, comprovando a impossibilidade de arcar integralmente com a obrigação, aí sim ajuizaria a ação em desfavor dos avós.

O STJ decidiu que enquanto não esgotados todos os meios disponíveis para responsabilizar o genitor a cumprir integralmente a obrigação, não há que se falar em buscar dos avós meios satisfatórios de pagamento.

Quando exauridos todos os meios de satisfazer as obrigações alimentares pelos pais, os avós serão compelidos ao pagamento, inclusive sob pena de prisão pelo inadimplemento da obrigação, desde que seja feito prova das suas condições, suas possibilidades de arcar com complemento da pensão que o seu filho deveria ter pago na integralidade ao seu neto.

Com isso, nos leva a relembrar do velho ditado que diz “um pai cuida de dez filhos e dez filhos não cuida de um pai”, e além de tudo deixa a obrigação para o velho pagar, não restando a dúvida que, se existir o amor impregnado no coração dos avós, aliado à condição para tanto, irão pagar com prazer, beneficiando o neto em defesa de seu filho

Por



Everton Leandro da Costa
Mestre em Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social
Pós Graduado em Direito Processual Civil, Trabalhista e Penal
Advogado e Professor Universitário
Subcoordenador da Escola Superior de Advocacia
Membro efetivo do Núcleo Docente Estruturante da FCARP – MT
Professor Orientador Nacional da Rede de Ensino LFG / UNIDERP

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Na boca da morta

A Bahia é realmente folclórica. Estes dias ocorreu por aqui uma história macabra. Foi em Camacan, no sul do Estado. A senhora “Beltrana” morreu de câncer. Acreditando que sua querida genitora havia morrido por bruxaria encomendada por vizinhos, sua filha “Fulana de Tal” fez uma lista de pessoas de quem se vingaria. Felizmente, não entregou a relação de alvos a nenhum pistoleiro ou matador. Para quem é supersticioso, fez pior: pôs a lista na boca da mãe morta e a enterrou.

Já ouvi dizer que é coisa de macumbeiro pôr nomes de desafetos na boca de sapo. Na boca de uma morta, é a primeira vez que se noticia. Segundo a mitologia, os antigos gregos costumavam colocar ali uma moeda, para pagar ao barqueiro de Hades pela travessia do rio Estige, até o mundo dos mortos. Era o óbolo de Caronte. Não sei se “Fulana de Tal” sabia dessa lenda, mas os jornais disseram que ela também colocou uma moeda de cinquenta centavos na boca de sua genitora.

Claro que isto causou um tumulto daqueles em Camacan. Os atingidos, muito assustados, puseram a alma pela boca. Outros queriam linchar a mulher. Um inquérito foi instaurado, mas o delegado de Polícia nada pode fazer. O crime que poderia haver é a violação da sepultura da morta. Supostas vítimas do feitiço se revoltaram e tentaram abrir o túmulo de D. Beltrana. Para essses, a pena seria de reclusão de 1 a 3 anos, e multa (artigo 210 do CP).

Nada além disso. Quando uma pessoa cai na língua do povo, isto pode ser difamação. Mas botar uma lista de nomes na língua de um defunto não é crime. Andaram falando aí em ameaça. Que exagero! A ameaça seria a alma da morta voltar do outro mundo para atenazar ou atazanar a vida dos viventes? Isto pode valer como crendice ou como enredo de filme B de terror. Não entra no campo das penas; só no terreno das almas penadas.

por Vladimir Aras.

Tentativa de zignal

“Dar o zignau”, ou, na suas formas cultas, “dar o zignal” ou “zignow”, é uma expressão coloquial do baianês. Significa “dar o drible”, “fazer um bypass”, “dar o balão em alguém”. Quem dá o zignau – ou “zig” -, ludibria outrem. Esta imprescindível lição cultural vem a propósito do caso Natan Donadon. Já apresento o cavalheiro.

Muita gente não gosta do foro privilegiado. O Sr. Donadon, que era deputado federal por Rondônia, passou a ser um deles, depois que teve o dissabor de ser denunciado pelo Ministério Público por peculato (art. 312 do CP) e formação de quadrilha (art. 288 do CP).

Em 28/out/2010, Donadon foi condenado pelo STF a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão e a 66 dias-multa (à razão de um salário mínimo). Segundo a acusação, entre jul/1995 e jan/1998, o acusado teria desviado mais de R$1,6 milhão em verbas públicas da Assembleia Legislativa de Rondônia. Eleito deputado federal, o caso passou à alçada do STF por meio da AP 396/RO, cuja relatora é a ministra Carmen Lúcia.

Por si só, a condenação de um deputado já é um fato extraordinário. São muito poucos os casos nos quais o STF condenou um réu em ação penal originária (art. 102, I, CF). Porém, este caso chama a atenção por outro motivo: a quase ressurreição da Súmula 394. Poderíamos dizer que este enunciado agora é um morto-vivo.

Foro privilegiado: pode ser bom; pode ser ruim

Gozam do foro especial por prerrogativa de função os membros do Congresso Nacional e outras autoridades listadas nos arts. 27, §1º; 29, inciso X; 96, inciso III; 102, inciso I; 105, inciso I; e 108, inciso I da Constituição Federal de 1988. Há outras hipóteses de foro especial nas Cartas estaduais e na legislação processual federal (exemplo: art. 6º, inciso I, ‘a’, da Lei 8.457/92, que dispõe sobre a competência originária do STM). Tais dignitários têm direito a um foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal Militar ou nos tribunais de segundo grau. Cuida-se de garantia para o cargo (competência ratione muneris), e não para a pessoa que o exerce.

O tema era objeto da Súmula 394, aprovada em abr/1964, dois dias depois do golpe militar: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício“.

Na vigência da Súmula 394, parlamentares e ex-parlamentares privavam do foro especial no STF. Entretanto, na sessão plenária de 25/ago/1999, a Súmula 394 foi cancelada.

O caso líder que lhe pôs fim foi o Inquérito 687-QO/RO. Nele era investigado o ex-deputado federal Jabes Pinto Rabelo, de Rondônia. O ilustre parlamentar, que fora acusado do crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP), foi cassado em 1991 por sua Casa de origem, pois teria mandado expedir um documento falso (uma carteira de assessor parlamentar da Câmara dos Deputados) para seu irmão Abdiel Rabelo. Porém, por um desses azares da vida, em jul/1991, o Sr. Abdiel foi preso em flagrante, em São Paulo, com 554 kg de cocaína (meia tonelada!) e a dita carteira funcional falsa. Obviamente, o caso repercutiu sobre o irmão-deputado que assinara o precioso salvo-conduto, errr.., a cédula parlamentar ideologicamente falsa.

O processo-ioiô

A (juris)prudência do STF não ignorava os riscos do processo-ioiô, o que “sobe e desce”, às vezes ao gosto do freguês.
Em seu voto na questão de ordem no Inquérito 687/RO, o ministro Sepúlveda Pertence vaticinou o risco da manipulação da competência do STF, o que veio a acontecer por pelo menos duas vezes na história recente da Corte. É o que veremos no próximo passo.

O caso Gulliver

Ronaldo Cunha Lima, ex-governador da Paraíba, fora acusado de tentativa de homicídio qualificado (art. 121, §2º c/c art. 14, II, CP). Em nov/1993, no restaurante Gulliver em João Pessoa (PB), o político desferiu três tiros contra o ex-governador Tarcísio Burity. Cunha Lima era o governador de então, e o seu caso subiu pro STJ. Eleito deputado federal, a ação penal subiu de novo, agora ao STF (AP 333/PB). Em 31/out/2007, o réu renunciou ao seu mandato parlamentar.

O julgamento no STF estava marcado para dali a cinco dias (5/nov/2007), tendo como relator o ministro Joaquim Barbosa. Não havia mais a Súmula 394. Com a renúncia cessou o foro especial, e o STF viu-se obrigado a remeter o processo penal a João Pessoa. Desceu.

Em 8/set/2010, a sentença de pronúncia proferida contra Cunha Lima pela 1ª Vara do Tribunal do Júri da capital paraibana foi anulada pelo TJ/PB por “excesso de linguagem”. Até hoje o atentado no restaurante Gulliver não foi julgado. Com a licença de Swift, devido a essas idas e vindas, poderíamos chamar este caso de “As viagens de Gulliver”.

O caso Donadon

Como escrevi acima, o ex-deputado Natan Donadon foi condenado pelo STF (AP 396) em 28/out/2010 a mais de 13 anos de reclusão. Para chegar-se a isto, contudo, foi necessário superar a questão preliminar sobre a competência do STF para julgá-lo. Tal como o paraibano Cunha Lima, o seu colega rondoniense tentou fugir do STF. Um dia antes do julgamento (27/out), Donadon renunciou ao mandato de deputado federal. Ninguém ignorava que o deputado fora reeleito em 3 de outubro de 2010, embora sua candidatura tenha sido impugnada com base na Lei da Ficha Limpa. Ficou claro, portanto, que sua renúncia era só “para o STF ver”. Se a estratégia fosse exitosa, a ação penal caminharia em pouquíssimo tempo para irremediável prescrição.

Aí não houve espaço para brincadeira. O ioiô processual enguiçou. Na questão de ordem ali suscitada, a ministra Cármen Lúcia, surpreendida pela renúncia, disse que se tratava de uma “fraude processual inaceitável” e afirmou que o objetivo do réu era fugir à punição pela porta larga da prescrição que ocorreria em 4/nov/2010. O ministro Cezar Peluzo tachou a conduta de “abuso de direito” e fraude à lei. Ellen Gracie chamou o ato de “manipulação de instâncias”.

Se a AP 396 baixasse à justiça local em Porto Velho (RO), não haveria tempo hábil para o julgamento da causa antes da prescrição. Este é que seria o verdadeiro “drible da vaca”, também conhecido como “nó de carroceiro”.

Minha opinião

Meu conterrâneo Raul Seixas preferia não ter opinião formada sobre tudo. Quando a Súmula 394 foi cancelada, achei que o STF tinha acertado. Aplaudi a decisão da corte, pois acreditava que a regra vigente contibuía para a impunidade dos detentores de foro especial. Alguns anos depois, creio que a existência daquele enunciado era melhor do que o cenário atual, em que ficamos mareados com essa gangorra processual, o sobe-desce dos processos penais num vai e vem maior do que o do Elevador Lacerda.

Em artigo no Conjur, o professor Alberto Zacharias Toron, criticou a solução processual dada pelo STF ao caso Donadon. Não vi casuísmo do STF. Vi apenas mudança de orientação do tribunal (retomada de rumo a bem dizer), para impedir, como lembrou o ministro Ayres Britto, que o réu tire proveito da própria torpeza (valioso princípio!) e consiga a impunidade pela via da prescrição.

Quando o deputado Ronaldo Cunha Lima renunciou em 2007, a cinco dias do seu julgamento pelo STF, o ministro Joaquim Barbosa, relator da ação penal originária 333/PB, reagiu com veemência à manobra, chamando-a de “escárnio com a Justiça”, e votou pela manutenção do foro do ex-deputado no STF, mesmo após sua renúncia. Acompanharam-no neste ponto os ministros Cezar Peluso, Carmem Lúcia e Ayres Britto. Ou seja, foram 4 votos em 11 pela manutenção (perpetuação) da competência do STF mesmo tendo-se tornado efetiva a renúncia do titular do foro especial. A correção de rota já era esperada!

Nesta perspectiva, nenhuma surpresa houve no caso Donadon (AP 396/RO). O placar na questão de ordem foi de 8×1 pela afirmação da competência do STF, tal como seria se a Súmula 394, agora uma “súmula zumbi”, estivesse em vigor. Para não variar, o ministro Marco Aurélio votou vencido. Tudo no script.

Com isto, Donadon perdeu a causa (e o mandato, inclusive). O ex-deputado pensou que “daria o zignau” no STF, mas não consumou o fato por circunstâncias alheias à sua vontade: a ministra Carmen Lúcia não deixou. Ficou só na tentativa. Olé!

Por: Vladimir Aras.

Cadeia de distorções

Superlotação e condições degradantes convivem, nas prisões do país, com privilégios e luxos concedidos a um punhado de delinquentes perigosos, que de dentro das cadeias continuam a coordenar ações criminosas. Dois exemplos dessa distorção dividiam, ontem, as páginas desta Folha.

No Rio, 2.600 latas de cerveja foram apreendidas, no domingo, no presídio exclusivo para policiais da PM fluminense. O carregamento, segundo o corregedor-geral da corporação, seria suficiente para satisfazer, por uma semana, o consumo diário dos 300 policiais e ex-policiais ali detidos. “Ou dez latinhas para cada um, em uma festa”, calcula o coronel. “Quebraram a cara”, disse.

Não é a primeira vez que há registro, no mesmo local, de abusos e facilidades. Em setembro, um ex-PM, condenado por envolvimento com milícias e por homicídio, fugiu pela porta da frente.

Facilidades, ainda que num grau menor, têm encontrado integrantes da facção criminosa PCC, nascida nos presídios paulistas, para ampliar seu raio de ação no país. Estima-se que o cartel da delinquência atue hoje em 16 Estados brasileiros, em geral associado a grupos criminosos locais. Como em São Paulo, tais filiais do crime comandariam, de dentro das carceragens, uma série de delitos praticados nas ruas.

Trata-se do mesmo sistema prisional que, apesar de contar com 298 mil vagas, mantinha, no final do ano passado, 496 mil pessoas atrás das grades. Essa crônica de distorções abrange presos mantidos em contêineres e encarcerados cuja pena já foi cumprida.

Os contrastes aparentes não são mais que sintomas de um mesmo problema: o predomínio da ilegalidade, da corrupção e da ineficiência estatal na gestão das prisões brasileiras. Seus efeitos são percebidos, com intensidade maior do que é possível contabilizar, também aqui do lado de fora.

Com o objetivo de enfrentar a criminalidade e estabelecer condições de vida seguras nas grandes cidades do país, alguns dos primeiros passos devem ser dados no próprio sistema prisional.

O princípio geral é manter presos apenas aqueles que representem ameaça à sociedade -penas alternativas e regimes semiabertos podem ser aplicados aos demais.

Mas a prisão, até porque reservada aos indivíduos mais perigosos, precisa ser dura o suficiente para anular o poder de delinquir.

Como é entendida a apresentação espontânea do acusado? Ele pode ser preso em flagrante?

LUIZ FLÁVIO GOMES*


Desde o advento da Lei 12.403/11, a apresentação espontânea do acusado deixou de ser expressamente prevista no Código de Processo Penal. Antes estava no artigo 317, que assim dispunha:

Art. 317. A apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza.

Mas a norma foi revogada.

Hoje, a prisão em flagrante tem natureza pré-cautelar e não mais cautelar. As cautelares estão previstas no artigo 319, do CPP e as hipóteses de prisão em flagrante estão no art. 302, dentre as quais não há previsão de flagrante para a apresentação espontânea.

A hipótese não se encaixa sequer no inciso II (Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: II – acaba de cometê-la;), porque esse inciso pressupõe que o sujeito esteja no local ou nas proximidades do delito.

Portanto, em regra, quem se apresenta espontaneamente não pode ser preso em flagrante.

Ressalte-se, no entanto, que embora não seja possível prender em flagrante aquele que se apresenta espontaneamente perante a autoridade policial, nada impede que este represente por sua prisão preventiva.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).