Há muito, muito tempo, num país longínquo, dois
monges puseram-se destemidamente a caminho de um mosteiro distante.
Estava um belo dia de vento e chuva. Iam a pé, avançando lentamente por
uma estrada de terra batida muito enlameada e cheia de poças de água.
A
certa altura, viram uma mulher que queria atravessar a estrada mas que
hesitava, pois percebia que ia sujar o seu bonito vestido comprido na
lama. Um dos monges, o mais velho dos dois (tinha quarenta e tal anos,
enquanto o outro andava pelos vinte e poucos), aproximou-se da mulher e,
depois de a saudar com uma curta vénia e lhe pedir licença, ergueu-a no
ar com gestos cuidadosos e respeitosos (evitou que o seu corpo tocasse
no dela), e colocou-a do outro lado da estrada. Fez outra vénia, um
pouco mais rasgada que a primeira, e assim que ela terminou as palavras
de agradecimento retomou a caminhada, seguido de perto pelo outro monge.
Até ao momento em que encontraram a mulher, o
monge mais novo tinha-se mostrado alegre e espirituoso, falando pelos
cotovelos, mas agora ia calado e respondia com secos monossílabos às
questões do companheiro. O seu ar era tão carrancudo que o silêncio se
tornou mais sombrio e pesado que o céu, apesar deste ameaçar com uma
tempestade. Horas depois, já mergulhados na escuridão da noite e quando o
cansaço ameaçava transformar-se em dor, chegaram ao mosteiro. Rezaram e
depois lavaram-se e comeram. O monge mais novo manteve sempre o seu
silêncio irritado e ostensivo. Quando o seu companheiro já se preparava,
com a tigela e a colher na mão, para se levantar é que, sem fitá-lo com
o olhar pregado no chão, finalmente falou:
- Fizeste mal em pegar naquela mulher ao colo. Porventura esqueceste que fizemos um voto de castidade?
O
monge mais velho sentou outra vez o corpo meio erguido, pousou devagar a
tigela e a colher na madeira velha da mesa e fitou o outro monge com um
imperceptível sorriso nos lábios. Observou-lhe primeiro as mãos,
morenas e grandes mas sem marcas de trabalho, e depois olhou para dentro
dos seus olhos, que logo fugiram para o lado e depois para o chão. Se
os monges daquele distante mosteiro não se tivessem já recolhido teriam
encontrado doçura e não dureza ou amargura na voz do monge mais velho:
- Eu deixei a mulher na estrada, há horas atrás. Tu ainda a trazes contigo.
Fotografia: Keystone, 1960. Encontrada no facebook do grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.
História: Lida não sei onde e recontada de memória.
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