sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

QUE PENSAR DOS “ROLEZINHOS”?


Publicado por Damásio de Jesus 

Pediram-me que tecesse alguns comentários acerca dos chamados “rolezinhos”, neologismo que vem sendo usado nas últimas semanas para designar as reuniões convocadas e incentivadas pelas redes sociais da internet – com o dinamismo extraordinário que lhes é próprio. Autores das convocações? Adolescentes que acorrem em grande número a determinados locais, geralmente shopping centers, para auto-afirmar sua identidade, protestar, ou simplesmente se divertir.
Essas reuniões, que por si já seriam perfeitamente normais e constituiriam meras manifestações da sociabilidade humana, têm provocado incidentes e tendem a configurar-se como mais uma forma de ameaça à tranquilidade pública. Com efeito, ainda que não seja delituoso o objetivo inicialmente pretendido pelos organizadores, estes praticamente desaparecem no meio de centenas ou até milhares de adolescentes que, com a dinâmica poderosíssima de um grupo colossal, ou melhor, com a dinâmica explosiva da Psicologia das Multidões, estudada por Gustave Le Bon ou Nelson Hungria, em seu estudo sobre os Crimes das Muldidões, se transformam numa incontrolável força.
Em recentes episódios, ocorridos em mais de um lugar, tais reuniões rápidamente degeneraram em verdadeiros arrastões, prejudicando o comércio local por efeito de furtos, roubos e danos à prorpriedade alheia, aterrorizando os frequentadores e promovendo desordens. O número colossal dos manifestantes torna quase impossível um controle eficaz por parte das equipes de segurança dos estabelecimentos, bem treinadas para impedir assaltos comuns ou para evacuarem o local em caso de incêndio, mas totalmente despreparadas para controlar multidões de pessoas com instintos primitivos soltos, de modo análogo àquele magistralmente descrito por Euclides da Cunhana em sua célebre passagem de “o estouro da boiada”. Nem sequer há como identificar líderes naquela massa humana.
As administrações de shoppings vêm recorrendo preventivamente à Justiça, solicitando proteção. Não é difícil fazê-lo, já que os “rolezinhos” são convocados abertamente pela internet, tendo, pois, hora e local previamente conhecidos. A Justiça tem despachado favoravelmente os pedidos de proteção especial requeridos pelos shoppings – o que é bem razoável, mas acarreta o grande inconveniente de, em alguma medida, ferir o direito sagrado de reunião, garantido como básico por nossa Constituição Federal.
Que pensar disso? Digo que o fenômeno dos rolezinhos é novo e não pode ser considerado somente do ponto de vista estritamente legal. Ele tem implicações psicológicas, sociológicas, econômicas e culturais. Uma análise mais atenta exigiria, pois, conhecimentos especializados de cada área científica.
Para permanecer em meu campo, que é o do Direito, somente posso fazer uma observação de caráter muito geral. No meu modo de entender, temos aí, claramente, um conflito de direitos, que cabe às autoridades constituídas resolver. Conflito de direitos entre: a. participantes dos rolezinhos (direito de reunião); b. público e consumidores; c. proprietários de estabelecimentos. Como resolver? Assegurando os direitos de todos sem que o exercício dos direitos de uns impeça o exercício dos direitos de outros.
Que os adolescentes têm o direito de se reunir e se manifestar, está claro. É até bom que o façam, preparando-se assim para o exercício pleno da cidadania. Nada obstaria a que o fizessem em locais de grande afluxo público, desde que respeitadas as regras razoáveis do convívio humano e social.
Mas, além do público em geral, também têm direitos os comerciantes estabelecidos nos shoppings, que pagam altos aluguéis para ali poder trabalhar; e também tem direitos o consumidor que frequenta tais locais, sabendo que pagará mais por produtos que encontraria por preços mais acessíveis em outros locais menos protegidos e mais inseguros. Os frequentadores de shoppings, pagando mais, estão também comprando proteção e tranquilidade. Não é justo, em princípio, que arquem eles com os ônus decorrentes do exercício dos direitos de reunião dos participantes de “rolezinhos”. Cabe aos poderes públicos estudar com urgência o fenômeno em todos os seus aspectos, e agir de modo a assegurar que todos tenham seus direitos respeitados, com os limites marcados pelas próprias normas legais, de modo a não ferir direitos de outrem. As decisões das autoridades judiciárias e administrativas ainda são conflitantes, algumas condenando, outras permitindo e outras ainda como que aguardando novos estudos. No momento, creio que as apreciações e decisões sobre o tema devem ser prudentes, salvo se o fenômeno atingir bens jurídicos, caso em que o poder público deve intervir com eficacia e prontidão.

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